Todas as coisas, boas e ruins, refletem na gente, na nossa vida. As boas tendem a deixar uma sensação de bem-estar na alma, um sorriso no rosto e um quentinho no coração. As ruins, entretanto, deixam uma sombra em nosso espírito, um peso que nos puxa para baixo, e, com o passar do tempo, a escuridão e o peso do ocorrido vai se tornando insuportável, e consequências vão desde o afastamento de todos até o fim antecipado da própria vida. Mas, bem antes de tudo isso acontecer, é preciso estar atento aos próprios sentimentos, para, o quanto antes, buscar a cura dos males ocorridos; sobre isso, as culturas indígenas têm uma sabedoria especial, e esse é o mote para a segunda – e hilária – temporada da série ‘Reservation Dogs’.
Depois que Elora (Devery Jacobs) deixou Bear (D’Pharaoh Woon-A-Tai) para trás e fugiu com Jackie (Elva Guerra) para a Califórnia, o equilíbrio dos Rez Dogs ficou completamente abalado. Bear, com muito rancor da amiga, decide procurar um emprego e se tornar um adulto responsável; Cheese (Lane Factor) se aproximou de seu tio e tem passado mais tempo com ele; por isso, Willie Jack (Paulina Alexis) é a que mais sente o afastamento do grupo, e busca todas as formas de retomar a cumplicidade que tinham antes de tudo desmoronar. Nessa jornada pessoal e coletiva, os Rez Dogs vão aprender valores importantes, principalmente o da amizade e o da coletividade.
Se a primeira temporada de ‘Reservation Dogs’ já tinha sido incrível, a segunda parte é simplesmente linda. Os dez episódios de aproximadamente trinta minutinhos cada consegue balancear bem o aprendizado individual de cada um dos quatro adolescentes e jogar foco na história pessoal dos adultos, afinal, os passados deles também influenciam na vida da atual geração de jovens indígenas na aldeia urbana em que vivem.
Criada por Sterlin Harjo e Taika Waititi, o grande acerto em ‘Reservation Dogs’ é a sensibilidade com que trata os temas, tratando-os com naturalidade para um público que, em sua maioria, é distante das culturas indígenas. Na prática isso significa que a série – centrada em quatro adolescentes cujo sonho é realizar a última vontade de um amigo falecido (ir para a Califórnia) -, atravessa situações comuns a qualquer adolescente, o que aproxima o público à realidade da juventude indígena – com as mesmas inquietações, mesmos dramas, mesmas dificuldades comuns a esta idade em qualquer etnia ou raça.
Soma-se a isso o fato de nesta segunda temporada, para além de aprofundar os personagens já apresentados anteriormente e suas motivações, dessa vez ‘Reservation Dogs’ foca nas formas como esses personagens vão se curar dos assuntos não resolvidos em suas vidas – e todas as soluções passam por ações coletivas, sabedoria ancestral, conhecimento originário e atitudes que têm a ver com despir-se da ocidentalidade e se voltar para as próprias raízes. Todas as cenas são feitas não de maneira impositiva, acusatória, mas sim com muito humor e zoação, de modo que as “lições” são passadas através de experiências práticas – que é exatamente a forma como as culturas indígenas passam suas sabedorias.
Através do humor e do amor, Sterlin e Taika criaram uma obra deliciosa para todos os públicos, encabeçadas por quatro adolescentes que simbolizam demais a juventude atual, com destaques para os adoráveis Lane Factor e Paulina Alexis, cada um com seu jeitinho típico. ‘Reservation Dogs’ fala da branquitude e também da auto-estima indígena, dialogando com todos os públicos para que possamos todos respeitosamente conviver. Uma série adorável que, mesmo com 98% de aprovação no Rotten Tomatoes e nota 8,1 no IMDB, o futuro ainda é incerto, e chegou silenciosamente aos assinantes da Starplus no fim do ano.