Quanto mais os realizadores se debruçam sobre a história do nosso país, mais nós, espectadores, vamos descobrindo nuances e camadas de nosso imenso território. Com mais de quinhentos anos de história registrada em palavras e de largura continental, é seguro dizer que existem muitos Brasis dentro do Brasil, e que, fora do eixo Rio-São Paulo, há uma infinidade de mundos ainda a serem conhecidos pelos cinéfilos brasileiros. Felizmente há alguns escritores e diretores se dedicando a trazer, ainda que através da ficção, novos episódios daquilo que conhecemos como História brasileira com maiúscula. É o caso do belíssimo – belíssimo mesmo! – ‘Retrato de Um Certo Oriente’, atualmente em cartaz nos cinemas após exibição prévia no Festival do Rio e da Mostra de São Paulo esse ano.
Líbano, 1949. Diante da iminente guerra que se acerca do país, dois irmãos, Emilie (Wafa’a Celine) e Emir (Charbel Kamel) decidem deixar o lugar e viajar diante do desconhecido: uma viagem de barco até o longínquo Brasil, país distante da guerra, da pobreza e de tudo que conhecem. A ideia parte de Emir, e, a contragosto, Emilie topa embarcar rumo ao desconhecido para uma terra onde sequer fala a língua. Porém, o dinheiro é pouco, então os dois compram apenas o bilhete de Emilie, ao passo que Emir vai clandestino no navio. Com a liberdade de poder transitar sozinha, Emilie conhece o misterioso e charmoso Omar (Zakaria Al Kaakour), comerciante a caminho de Manaus. Apaixonada, Emilie convence o irmão de que o futuro dos dois está na capital do Amazonas, mas, até chegarem no coração da floresta muitas coisas irão acontecer a esse pequeno grupo de libaneses no Brasil.
Inspirado na obra de Milton Hatoum, ‘Relato de Um Certo Oriente’, a sensação que se tem ao final da projeção é que este é um filme belíssimo, em muitos sentidos. No quesito técnico, o que mais se destaca é a primorosa fotografia, que realça a beleza natural tanto dos personagens quanto da paisagem, comandada por Pierre de Kerchove. Por optar em captar as imagens todas em preto e branco, inclusive as que se passam na floresta amazônica, o diretor coloca personagens e paisagem fundidos, como que iguais, mas, ao mesmo tempo, é a partir desse contraste que se realça as belezas individuais – dos atores, do rio Amazonas, do calor tropical, da floresta que se debruça sobre eles.
Maria Camargo, que já havia antes adaptado outro livro de Hatoum, volta a participar do roteiro deste ‘Retrato de Um Certo Oriente’, junto com Gustavo Campos e Marcelo Gomes, fazendo uma boa adaptação do romance e transpondo as angústias narrativas para as expressões do trio principal de personagens. Personagens estes muito bem vividos pela trinca de atores escolhida a dedo pelo diretor Marcelo Gomes, trazidos para o Brasil para gravar o longa sem nem saberem a língua portuguesa, fundindo-se, assim, com as experiências de seus personagens.
‘Retrato de Um Certo Oriente’ é um filme belíssimo de um Brasil tropical com sabor árabe. Um recorte de história pouco conhecido da população (a migração libanesa e árabe para o Amazonas) transporta numa história de amor, drama, traição, ciúmes e sobrevivência. Impressiona a jornada de uma vida caber em uma hora e meia de longa, o que sinaliza a capacidade efetiva do diretor em contar uma boa história sem se alongar demais. ‘Retrato de Um Certo Oriente’ é um filme que merece a chance de ser visto em tela grande, pois fica ainda mais bonito e intenso na imensidão em que mergulham os personagens ao chegarem no Brasil.