sexta-feira , 22 novembro , 2024

Crítica | Roma: Alfonso Cuarón faz carta de amor à sua babá no melhor filme de 2018

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Fragmentos soltos, lapsos de memórias com hiatos que não permitem que ideias sejam completas. As lembranças da nossa infância nem sempre surgem de maneiras integrais. Desavisados de seu valor, normalmente vivemos essa fase da vida em um breu, cercados por um universo infantil onde as dores e as lutas vividas por adultos são aventuras alegóricas, fantasias inusitadas. Roma, o mais novo filme do cineasta Alfonso Cuarón, é justamente uma profunda reflexão sobre esses rápidos anos, em que a inocência nos impede de enxergar as árduas camadas da vida. E como um refrigério para sua memória, crescendo em uma família de classe média mexicana, ele tira os olhos de si e os direciona, junto às suas lentes, para Libo, sua amada babá que faz parte de sua vida desde os nove meses de vida. E pela pureza dela, a Netflix caminha para o tão aguardado Oscar que sempre sonhou com DEZ INDICAÇÕES.



Roma fora o bairro onde Cuarón cresceu, com seus três irmãos, um pai ausente e uma mãe que se tornará dona de casa. Na trama, a mexitec Libo ganha os traços da jovem atriz Yalitza Aparicio. De mesma origem, vinda do vilarejo Oaxaca, ela é a transcrição da verdadeira babá – como o próprio cineasta fez questão de revelar. Com a pele morena e feições bem características, ela traz uma delicadeza na fala mansa, uma linguagem corporal doce, como alguém que se esconde. E aqui, acompanhamos a intersecção de narrativas, à medida que Cleo lida com seus próprios dissabores, sem deixar de criar os pequenos e agitados filhos de Sofia (Marina de Tavira). De maneira simples, quase poética, o diretor nos convida para os corredores de sua casa, fazendo do passado uma narrativa do presente. Como se revivesse sua infância, ele traz um olhar maduro sobre aquelas histórias de cabeceira que tanto ouviu Libo contar.

Mais ciente do que nunca, Cuarón reconstitui os fatos. Com uma apuração pontual das experiência vividas pela babá, ele reconstrói o primeiro e doloroso amor de Libo, remonta o divórcio de seus pais e homenageia a mulher que tantas vezes assumiu a figura materna em sua vida. Como uma carta de amor, o roteiro é simples, uma crônica da vida real. Permanecendo nas extremidades, ele e seus irmãos são os coadjuvantes de uma história de amor de uma jovem que tentou se descobrir, conforme fazia parte das mesmas descobertas da família a qual servia. E sob uma fotografia minimalista, completamente em preto e branco, o filme se desenrola, de fato, como um anagrama. Muito mais que trazer os relatos de uma família do subúrbio mexicano, Roma na verdade é uma história sobre o amor.

A relação de Cleo com esse sentimento tão novo é o que torna o drama algo tão profundo. Se criando sozinha, ela internaliza as consequências que um amor de mentira lhe trouxeram. Sem alguém que lhe socorra de si mesma, ela extravasa pouco o que sente, sofre calada e estampa sorrisos amarelados, um olhar triste e um semblante desfalecido. Sem muitas palavras para dizer, Yalitza Aparicio é impecável em sua caracterização e transcende o uso da fala, em uma atuação de fazer chorar constantemente. E dividida entre o seu mundo como uma garota pobre e a realidade da classe média que a cerca, ela tenta manter a cabeça acima da água, evitando ser levada por uma sucessão de repentinas ondas.

Em Roma, a direção de Cuarón se encaixa perfeitamente com a bela fotografia em preto e branco. Fazendo da intensidade das atuações a bússola para a narrativa, somos tragados pelas emoções, pelas relações humanas, pelo contexto social. Cru e real, o filme se despe das cores para dar vazão aos sentimentos, permitindo que eles floresçam em ganhem tonalidades das mais distintas diante das telas. Simbólico, o longa faz de cada cena um espetáculo à parte. Em uma das tomadas mais incríveis do filme – a cena de um parto -, somos levados pela exaustão da personagem, que conflitua entre desejos e não desejos que o futuro diante dos seus olhos pode trazer.

Impecável em todos os sentidos, Roma é mais que um convite para as memórias de Alfonso Cuarón, sendo também uma narrativa sobre o amor em suas diversas facetas. Resgatando sua infância a partir do ponto de vista de quem lhe criou, o mexicano faz uma bela ode ao tempo que demorou a compreender, nos lembrando que nunca é tarde demais para fechar as lacunas que o tempo e a imaturidade infantil abriram. Honrando suas raízes, ele faz do drama sua carta definitiva de amor à pureza de uma mulher que sofreu enquanto também o fazia sorrir.

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Roma fora o bairro onde Cuarón cresceu, com seus três irmãos, um pai ausente e uma mãe que se tornará dona de casa. Na trama, a mexitec Libo ganha os traços da jovem atriz Yalitza Aparicio. De mesma origem, vinda do vilarejo Oaxaca, ela é a transcrição da verdadeira babá – como o próprio cineasta fez questão de revelar. Com a pele morena e feições bem características, ela traz uma delicadeza na fala mansa, uma linguagem corporal doce, como alguém que se esconde. E aqui, acompanhamos a intersecção de narrativas, à medida que Cleo lida com seus próprios dissabores, sem deixar de criar os pequenos e agitados filhos de Sofia (Marina de Tavira). De maneira simples, quase poética, o diretor nos convida para os corredores de sua casa, fazendo do passado uma narrativa do presente. Como se revivesse sua infância, ele traz um olhar maduro sobre aquelas histórias de cabeceira que tanto ouviu Libo contar.

Mais ciente do que nunca, Cuarón reconstitui os fatos. Com uma apuração pontual das experiência vividas pela babá, ele reconstrói o primeiro e doloroso amor de Libo, remonta o divórcio de seus pais e homenageia a mulher que tantas vezes assumiu a figura materna em sua vida. Como uma carta de amor, o roteiro é simples, uma crônica da vida real. Permanecendo nas extremidades, ele e seus irmãos são os coadjuvantes de uma história de amor de uma jovem que tentou se descobrir, conforme fazia parte das mesmas descobertas da família a qual servia. E sob uma fotografia minimalista, completamente em preto e branco, o filme se desenrola, de fato, como um anagrama. Muito mais que trazer os relatos de uma família do subúrbio mexicano, Roma na verdade é uma história sobre o amor.

A relação de Cleo com esse sentimento tão novo é o que torna o drama algo tão profundo. Se criando sozinha, ela internaliza as consequências que um amor de mentira lhe trouxeram. Sem alguém que lhe socorra de si mesma, ela extravasa pouco o que sente, sofre calada e estampa sorrisos amarelados, um olhar triste e um semblante desfalecido. Sem muitas palavras para dizer, Yalitza Aparicio é impecável em sua caracterização e transcende o uso da fala, em uma atuação de fazer chorar constantemente. E dividida entre o seu mundo como uma garota pobre e a realidade da classe média que a cerca, ela tenta manter a cabeça acima da água, evitando ser levada por uma sucessão de repentinas ondas.

Em Roma, a direção de Cuarón se encaixa perfeitamente com a bela fotografia em preto e branco. Fazendo da intensidade das atuações a bússola para a narrativa, somos tragados pelas emoções, pelas relações humanas, pelo contexto social. Cru e real, o filme se despe das cores para dar vazão aos sentimentos, permitindo que eles floresçam em ganhem tonalidades das mais distintas diante das telas. Simbólico, o longa faz de cada cena um espetáculo à parte. Em uma das tomadas mais incríveis do filme – a cena de um parto -, somos levados pela exaustão da personagem, que conflitua entre desejos e não desejos que o futuro diante dos seus olhos pode trazer.

Impecável em todos os sentidos, Roma é mais que um convite para as memórias de Alfonso Cuarón, sendo também uma narrativa sobre o amor em suas diversas facetas. Resgatando sua infância a partir do ponto de vista de quem lhe criou, o mexicano faz uma bela ode ao tempo que demorou a compreender, nos lembrando que nunca é tarde demais para fechar as lacunas que o tempo e a imaturidade infantil abriram. Honrando suas raízes, ele faz do drama sua carta definitiva de amor à pureza de uma mulher que sofreu enquanto também o fazia sorrir.

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