A violência urbana, fruto de uma gritante desigualdade social, é um dos maiores problemas do Brasil. Independentemente do posicionamento político de cada um, não dá para ignorar o fato de que uma pequena parcela da população tem muito, enquanto grande parte padece em miséria e acaba entrando para o mundo do crime para tentar melhorar de vida. E é aproveitando esse gancho – e um episódio real na vida da artista visual Ana Beatriz Elorza – que Sequestro Relâmpago, de Tata Amaral, transmite sua mensagem.
Com a cidade de São Paulo como pano de fundo – que a diretora revela também ser uma das protagonistas da história –, o filme todo se passa em uma única noite. Tudo começa quando Isabel (Marina Ruy Barbosa) sai de um barzinho em que havia se encontrado com amigos e é surpreendida por dois bandidos que a sequestram apenas para que ela entregue o cartão do banco e eles consigam fazer a limpa em sua conta. Mas, por causa do caixa eletrônico fechado pelo horário, os dois decidem estender o que seria apenas um sequestro relâmpago pela madrugada adentro para que consigam fazer o saque que desejam pela manhã – para desespero da jovem, que, por ser mulher, teme principalmente por sua integridade física.
Usando a conhecida fórmula de “bad cop, good cop”, só que com personagens fora da lei, Sequestro Relâmpago apresenta dois bandidos com personalidades completamente diferentes. Enquanto “Japonês” (Daniel Rocha) é esquentado e fica o tempo todo ameaçando a vida de Isabel e dando a entender que poderia tentar algo sexual com ela, Matheus (Sidney Santiago) tenta manter a garota tranquila e garante que o único interesse é a grana. Para humanizar ainda mais este segundo personagem, em uma das cenas no começo do sequestro, ele é mostrado pegando o cartão da jovem para comprar fraldas para o seu filho que o espera em casa. O parceiro, como esperado, o critica – e a partir daí fica ainda mais clara a diferença de personalidade e necessidade dos dois.
Em entrevista ao CinePOP na première do filme no Festival do Rio 2018 – que foi realizada no Cine Odeon no dia 7 de novembro – , Tata Amaral explicou que um dos objetivos de Sequestro Relâmpago é justamente o de mostrar a importância do diálogo em tempos de ódio. Assim, por mais que a personagem de Marina Ruy Barbosa tente fugir dos bandidos sempre que tem chance por temer por sua vida, ela tenta o tempo todo conversar com Matheus e Japonês para que entendam que ela não é a inimiga. “A Isabel é uma menina que, acima de tudo, quer dialogar com as pessoas. Aqueles meninos que a assustam, a fazem de refém, ela vê como seres humanos. Ela promove o diálogo, quer encontrar pontos em comum entre ela e eles e estabelecer uma relação – até como forma de sobrevivência, mas também porque ela acredita que todo mundo é igual. E todo mundo é igual”, afirmou a diretora durante o bate-papo.
De fato, como era o objetivo de Tata Amaral, o filme consegue passar essa mensagem – que, nos tempos de hoje, é urgente! Ainda que a criminalidade assuste e faça com que todo mundo saia de casa sem saber se vai voltar, tentar enxergar o outro como um humano que precisa ser restabelecido e não como algo que deve ser exterminado é uma prova de amor ao próximo. No entanto, a necessidade de inserir essas explicações em vários momentos do longa (como na cena em que Isabel fala sobre o 1% da população que detém toda a riqueza, por exemplo) acaba comprometendo a naturalidade dos diálogos por tornar tudo didático demais. Funcionaria melhor se as críticas fossem inseridas sem que precisassem ser explicadas por meio dos personagens a cada instante.
Situações inverossímeis demais entre os bandidos e a garota sequestrada também aparecem entre os pontos negativos. Que sequestrador, em sã consciência, deixaria a arma desprotegida a ponto da vítima conseguir pegá-la com facilidade? Ou permitiria que a jovem se afastasse tanto deles em alguns momentos, com o claro risco de contar o que está acontecendo para outras pessoas? (como acontece na cena que tem a participação dos cantores Projota e Linn da Quebrada). Nesses momentos, as conveniências de roteiro incomodam e acabam comprometendo a credibilidade da história.
Porém, mesmo com essas falhas, Sequestro Relâmpago tem o mérito de conseguir prender a atenção do início ao fim. Mesmo nas horas em que uma escolha de roteiro ou diálogo torna tudo forçado demais, o longa desperta a curiosidade sobre o que vem a seguir, principalmente quando há tensão entre os dois bandidos ou quando a polícia está no mesmo local que eles. Além disso, é sempre bom ver uma produção nacional sair do óbvio e se arriscar pelo cinema de gênero – no caso, aqui, um suspense com crítica social. Fica a torcida para que sirva de inspiração para que mais histórias com esse formato surjam no audiovisual brasileiro.