Filme assistido durante o Festival de Sundance 2020
Independente de ideologias ou percepções políticas, é inegável e irrefutável o papel que Sérgio Vieira de Mello teve para muito além das fronteiras cariocas. Como um diplomata da ONU, ele foi responsável por um extenso trabalho na área de Direitos Humanos, ajudando a conduzir a transição de governos em regiões de conflitos armados, sendo a ponte entre os gestores e seu povo. Funcionário da organização desde 1969, seu trabalho naturalmente ganhou os holofotes, repercutiu positiva e negativamente ao redor do mundo e mais uma vez chega às telonas em Sérgio, cinebiografia homônima que novamente traz o cineasta Greg Barker de volta à temática.
Existe uma admiração particular que exala da nova produção original da Netflix. Barker não é estranho em se tratando da narrativa que conta e em 2009, também no Festival de Sundance, lançou o documentário intitulado Sérgio. Percorrendo a jornada do diplomata até a sua inesperada morte, em virtude de um atentado à base da ONU em Bagdá, o material não ficcional é um relato categórico sobre o homem e sua imperscrutável relação com seu trabalho. E aqui, repetindo a trama que já conhece muito bem, ele faz da cinebiografia uma forma de aproximar um tipo de audiência diferente daquela apaixonada por obras documentais. Recontando os suspiros finais do personagem homônimo, a dramatização dessa figura pública traz a doçura e delicadeza de alguém que – particularmente – é apaixonado pela história que conta.
E na cinebiografia, Wagner Moura assume as feições de Sérgio. Sem os traços físicos semelhantes, ele faz da sua caracterização artística como o elo de conexão entre a audiência e a figura que ele relata. Trazendo uma atuação diferenciada de seus principais trabalhos, ele faz da cinebiografia uma nova maneira de se apresentar ao público, mostrando facetas diferenciadas, uma sutileza em seu olhar e um sorriso que cativa de forma que ainda não tínhamos visto em suas performances. Sensível e com o corpo bem mais esguio, ele tenta garantir um aspecto mais envelhecido para viver os dias finais de Vieira de Mello e ainda que fisicamente não consiga, sua emocional entrega ao personagem fazem do seu trabalho um deleite para audiência. Diante da sua visão do Sérgio, quase nos esquecemos do seu Capitão Nascimento e Pablo Escobar.
A produção ainda ganha um fator ainda mais cativante, que se revela no baile dado por Ana de Armas em sua atuação como a esposa de Sérgio. Com os cabelos loiros e uma delicadeza natural dela mesma, a atriz não cansa de nos surpreender e rapidamente nos lembra porque não apenas fora recentemente indicada ao Globo de Ouro por Entre Facas e Segredos, mas porque também promete ser uma das grandes atrizes dos próximos anos. Vulnerável em praticamente todas as cenas, ela ainda faz um contraponto com a bravura de ser a mulher que decidiu se expor às condições mais adversas, por admiração pelo trabalho do esposo e por também amar servir algumas das regiões mais perigosas do mundo. E sua personificação de Carolina é o que nos vidra no filme, com Armas sempre roubando as atenções – mais uma vez – sem cerimônias.
Com uma direção poética que explora a percepção que Sérgio tinha sobre o mundo e os contextos que o cercavam, a cinebiografia sabe usar a luz natural a seu favor em todo tempo. Absorvendo a natureza para a sua fotografia, o filme ainda consegue promover pequenas experiências sinestésicas, ao trazer Moura desfrutando dos raios solares que atravessam as folhagens de uma mata fechada ou se banhando na Praia do Arpoador. E fazendo uma quase carta de amor ao diplomata e sua esposa, Sérgio é um longa que muitas vezes troca os diálogos por olhares mais profundos e de quebra ainda consegue deixar a audiência sem palavras.