Filme assistido durante o Festival de Toronto 2020
Separadamente, essas três temáticas são capazes de render em narrativas genuinamente poderosas e de impacto. Quando juntas, o inesperado se transforma em algo inerente e quando se trata de Shadow in the Cloud, nem sequer o céu é o limite para contar uma eletrizante, porém farofada história. Unindo assuntos que continuam fazendo sucesso na indústria cinematográfica contemporânea, o longa dirigido e co-escrito por Roseanne Liang é um manifesto feminista que muitas vezes se perde em meio à nuvens negras de um céu noturno, que ainda conta com a presença de uma criatura monstruosa que pouco se sabe a origem.
Cheio de boas intenções, o longa estrelado por Chlöe Grace Moretz e Nick Robinson (Com Amor, Simon) se resume à história de uma mulher desesperada para proteger uma bolsa de extremo valor. Sua jornada não será nada fácil, enquanto estiver a bordo de um avião caça repleto por homens do exército profundamente machistas e com comportamentos abusivos, que estão em meio à Segunda Guerra Mundial. E entre ataques verbais e incitação à assédio moral e sexual, a única mulher da narrativa se transforma em um escudo contra a masculinidade tóxica, no auge de uma década famosa por oprimir o sexo feminino.
Trazendo o panorama dos auge dos anos 40 como plano de fundo, o sci-fi de terror usa essa premissa para a sustentação do comportamento doentio dos seus personagens, assim como também para fundamentar a visão progressista da trama, que é apresentar uma jovem mulher que foge de todos os padrões e caminha na contramão do zeitgeist. Exigindo uma profunda suspensão de realidade de quem está assistindo, o longa acerta por seu ritmo extremamente eletrizante, que sabe instigar e incentivar a imaginação do público, em meio à sua limitação de sets, que revelam o pequeno orçamento que a produção teve.
Caprichando em uma farofa que junta comentário social a gremlins (sim!) e contexto bélico, Shadow in the Cloud é uma inusitada e imprevisível experiência cinematográfica que deve ser digerida com a mesma voracidade e flexibilidade racional da narrativa, correndo o risco de – do contrário – se tornar um filme cansativo, tamanha a desorganização de seus atos. Fazendo uma homenagem às mulheres que serviram na guerra em um momento onde elas eram desvalorizadas, o filme acerta em suas cenas centradas no avião caça, onde acompanhamos de perto o desespero de Moretz, que ajuda a fortalecer o suspense do roteiro e se entrega ao papel de maneira louvável.
Com uma abordagem que flerta com o surrealismo, mesclando gêneros de uma forma bem aleatória, o que funciona mesmo no terror sci-fi é a intensidade das cenas, que proporciona aquilo que o fã de cinema geralmente gosta, em tomadas que vão aos extremos. Explorando um minúsculo fragmento da Segunda Guerra Mundial, o filme usa o background excessivamente machista da época para direcionar sua história para a voracidade da mulher, independente de seu contexto. Extravagante e impensável, Shadow in the Cloud se encerra como uma exagerada, porém divertida experiência. É confusa em seu roteiro e tem dificuldades de mesclar seus subgêneros de forma harmônica, mas é também uma deliciosa descarga de adrenalina que raramente alguns filmes conseguem proporcionar.