domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | She-Ra e as Princesas do Poder sai de cena brilhando com final satisfatório e esperançoso

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Compensação emocional é ao mesmo tempo o elemento mais fácil e mais difícil de se atingir com a temporada final de uma série. Mais fácil porque bastam algumas pesquisas de público para saber o que a audiência quer ver acontecendo no desfecho. Mais difícil porque não basta saber o que é. Muitas vezes o que o espectador busca não é o que os criadores desejam, e o fanservice jamais deveria ser motivo grande o suficiente para algo realmente significativo acontecer; É necessário que haja evolução e sacrifícios para que um final recompensador seja, de fato, recompensador. Felizmente, isso é o que a temporada final de She-Ra e as Princesas do Poder faz de melhor.

Ao longo de suas cinco temporadas em curtos 18 meses, a animação criada por Noelle Stevenson se fez justamente sobre a ideia de punições e recompensas sobre as ações de seus protagonistas. Adora, Glimmer, Bow, Catra, Shadow Weaver entre outros, todos passaram por seus momentos de ápice e declínio tendo que responder pelo que eles mesmos criaram. Isso está longe de ser uma grande invenção do Século XXI para narrativas fictícias. A construção de personagens complexos e arcos narrativos que envolvam conflitos são alguns dos pilares mais básicos de um roteiro. No entanto, quando o simples é feito de forma boa e honesta o suficiente, ele mais do que basta: prova que a excelência está realmente no conteúdo. 



É justamente por isso que a 5ª temporada de ‘She-Ra’ é um trabalho primoroso. Por se tratar de uma aventura de ação que envolve heroínas, super-poderes e conquistas, o ato final da animação tem todos aqueles grandes gestos que se podia esperar: nosso grupo de mocinhos está fraturado e sem a sua maior arma (a espada está quebrada e Adora é lembrada excessivamente no primeiro episódio que “ela não é mais a She-Ra”), o vilão está no auge de seu poder e tudo parece ir a seu favor. Os riscos são altos e Adora, Bow, Glimmer e as princesas não estão nos melhores momentos, tanto emocional quanto fisicamente. Ou seja: há sacrifícios, redenções e tudo o mais que povoa uma jornada do herói e que eu e você já conhecemos de longe.

She-Ra e as Princesas do Poder

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O que faz da última temporada de ‘She-Ra’ verdadeiramente satisfatória é o fato de ela utilizar tais rotas tão características para focar no que realmente traz de transgressor. Stevenson e sua equipe de animadores, produtores e roteiristas sempre mantiveram a série um patamar acima da média com personagens consistentes e a ideia de que as relações entre eles são mais importantes do que a trama geral. Aqui, isso é levado até as últimas consequências, e ficamos diante de conversas e prestações de contas que vinham sendo construídas desde o primeiro episódio.

Isso é verdade, por exemplo, quando Entrapta volta a trabalhar com as princesas para derrotar a Horda; de um lado, as princesas consideram a geek uma espécie de traidora. Do outro, esta sente dificuldades para se encaixar e entende que foi abandonada pelas outras e acabou ficando junto a Lorde Hordak, na primeira temporada. É uma situação delicada, masShe-Ra e as Princesas do Poder não se esquiva de abordá-la com maturidade e concessões para os dois lados, que foram sendo construídos com a mesma dedicação ao longo de todas as temporadas anteriores. O mesmo vale para os eventuais problemas de cada uma delas, incluindo a dolorosa relação entre Scorpia e Catra, que sempre rejeitou o afeto da amiga sabendo que isso iria machucá-la, o gigante bloqueio emocional de Mermista e o ocasional egoísmo de Glimmer. Vemos todos os personagens lidando com suas falhas, ao mesmo tempo em que nenhumas delas é definitivamente resolvida e encerrada; Stevenson sabe fazer melhor do que isso e mostra que a evolução é uma estrada de tijolos amarelos sem fim. 

A relação mais bonita que a temporada desenvolve, no entanto, é aquela entre Catra e Adora. Algo que foi do interesse de Stevenson desde os primeiros momentos da série é justamente o equilíbrio de forças entre o bem e mal, o que um causa no outro. Heróis e vilões que passam a vida brigando entre si têm algo que faz com que, de alguma forma, um sempre seja atraído para a órbita do outro, e Catra e Adora se encaixam muito bem nesta categoria. Elas se buscam, se repelem e deixam o laço se romper, ser refeito e se reajustar o tempo todo. Esta dinâmica de ‘puxa e empurra’ canalizou energia para as cinco temporadas, e aqui se transforma em algo meio-amargo enquanto ambas precisam encarar de frente a dor que causaram uma na outra. Estamos diante de Catra pela primeira vez admitindo o quanto se sente rejeitada e deslocada, enquanto força Adora a enxergar que ela é muito mais do que aquilo que She-Ra pode dar ao mundo. 

De uma certa forma, o morde-e-assopra de Catra e Adora condensa a jornada de aceitação que esta série animada sempre quis ser — e sempre foi. Concluir que “o amor vence tudo” talvez seja um dos artifícios mais velhos e reutilizados da ficção, mas há algo especial em vê-lo acontecendo de uma forma tão pura e tão poderosa. Os personagens de ‘She-Ra’ nunca foram irremediavelmente bons ou ruins, mas sim levados a circunstâncias extremas porque estavam machucados, porque precisavam de atenção, e lutaram para conquistar os espaços que ocupam. Por isso, as maiores batalhas da temporada final de ‘She-Ra’ não são as físicas, mas sim as emocionais. Certo e errado, luz e sombras, medo e esperança são os duelos que tomam frente o tempo todo. No fim, as demonstrações de compaixão e os grandes esforços que um personagem faz pelo outro são a grande força desta brilhante temporada. Poucas coisas são mais revigorantes de se assistir que a máxima de ninguém ser deixado para trás sendo levada a sério. 

Enquanto relações pessoais tomam o centro das atenções, She-Ra e as Princesas do Poder se deixa ser ousada mais uma vez ao abraçar um final esperançoso, otimista e progressista de uma forma que pouco se viu antes na televisão. Estamos falando de um desenho animado de classificação livre, feito para crianças e com uma linguagem acessível a todas as faixas etárias, e isso não impede a série de apresentar personagens complexos e com um turbilhão de emoções conflitantes. Tampouco a impede de ser uma das mais diversas e inclusivas do gênero, apresentando personagens e famílias LGBTQ+ e não-tradicionais de forma natural, sem fazer alarde. São famílias como qualquer outra. 

Por isso, por melhores que sejam os personagens, as dinâmicas entre eles e toda a forma como Stevenson e companhia revolucionaram uma história que estava presa no formato quadrado e burocrático das animações da década de 80, o maior feito de She-Ra e as Princesas do Poder é abrir um portal para mais representação e inclusividade. Esta série foi extremamente simbólica e pessoal não apenas para quem esteve por trás dela, mas para o público que a acompanhou até o fim. Em uma estrutura social tão fragilizada como a de hoje, provar o valor da positividade e do amor LGBT é mais importante do que nunca. 

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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Ao longo de suas cinco temporadas em curtos 18 meses, a animação criada por Noelle Stevenson se fez justamente sobre a ideia de punições e recompensas sobre as ações de seus protagonistas. Adora, Glimmer, Bow, Catra, Shadow Weaver entre outros, todos passaram por seus momentos de ápice e declínio tendo que responder pelo que eles mesmos criaram. Isso está longe de ser uma grande invenção do Século XXI para narrativas fictícias. A construção de personagens complexos e arcos narrativos que envolvam conflitos são alguns dos pilares mais básicos de um roteiro. No entanto, quando o simples é feito de forma boa e honesta o suficiente, ele mais do que basta: prova que a excelência está realmente no conteúdo. 

É justamente por isso que a 5ª temporada de ‘She-Ra’ é um trabalho primoroso. Por se tratar de uma aventura de ação que envolve heroínas, super-poderes e conquistas, o ato final da animação tem todos aqueles grandes gestos que se podia esperar: nosso grupo de mocinhos está fraturado e sem a sua maior arma (a espada está quebrada e Adora é lembrada excessivamente no primeiro episódio que “ela não é mais a She-Ra”), o vilão está no auge de seu poder e tudo parece ir a seu favor. Os riscos são altos e Adora, Bow, Glimmer e as princesas não estão nos melhores momentos, tanto emocional quanto fisicamente. Ou seja: há sacrifícios, redenções e tudo o mais que povoa uma jornada do herói e que eu e você já conhecemos de longe.

She-Ra e as Princesas do Poder

O que faz da última temporada de ‘She-Ra’ verdadeiramente satisfatória é o fato de ela utilizar tais rotas tão características para focar no que realmente traz de transgressor. Stevenson e sua equipe de animadores, produtores e roteiristas sempre mantiveram a série um patamar acima da média com personagens consistentes e a ideia de que as relações entre eles são mais importantes do que a trama geral. Aqui, isso é levado até as últimas consequências, e ficamos diante de conversas e prestações de contas que vinham sendo construídas desde o primeiro episódio.

Isso é verdade, por exemplo, quando Entrapta volta a trabalhar com as princesas para derrotar a Horda; de um lado, as princesas consideram a geek uma espécie de traidora. Do outro, esta sente dificuldades para se encaixar e entende que foi abandonada pelas outras e acabou ficando junto a Lorde Hordak, na primeira temporada. É uma situação delicada, masShe-Ra e as Princesas do Poder não se esquiva de abordá-la com maturidade e concessões para os dois lados, que foram sendo construídos com a mesma dedicação ao longo de todas as temporadas anteriores. O mesmo vale para os eventuais problemas de cada uma delas, incluindo a dolorosa relação entre Scorpia e Catra, que sempre rejeitou o afeto da amiga sabendo que isso iria machucá-la, o gigante bloqueio emocional de Mermista e o ocasional egoísmo de Glimmer. Vemos todos os personagens lidando com suas falhas, ao mesmo tempo em que nenhumas delas é definitivamente resolvida e encerrada; Stevenson sabe fazer melhor do que isso e mostra que a evolução é uma estrada de tijolos amarelos sem fim. 

A relação mais bonita que a temporada desenvolve, no entanto, é aquela entre Catra e Adora. Algo que foi do interesse de Stevenson desde os primeiros momentos da série é justamente o equilíbrio de forças entre o bem e mal, o que um causa no outro. Heróis e vilões que passam a vida brigando entre si têm algo que faz com que, de alguma forma, um sempre seja atraído para a órbita do outro, e Catra e Adora se encaixam muito bem nesta categoria. Elas se buscam, se repelem e deixam o laço se romper, ser refeito e se reajustar o tempo todo. Esta dinâmica de ‘puxa e empurra’ canalizou energia para as cinco temporadas, e aqui se transforma em algo meio-amargo enquanto ambas precisam encarar de frente a dor que causaram uma na outra. Estamos diante de Catra pela primeira vez admitindo o quanto se sente rejeitada e deslocada, enquanto força Adora a enxergar que ela é muito mais do que aquilo que She-Ra pode dar ao mundo. 

De uma certa forma, o morde-e-assopra de Catra e Adora condensa a jornada de aceitação que esta série animada sempre quis ser — e sempre foi. Concluir que “o amor vence tudo” talvez seja um dos artifícios mais velhos e reutilizados da ficção, mas há algo especial em vê-lo acontecendo de uma forma tão pura e tão poderosa. Os personagens de ‘She-Ra’ nunca foram irremediavelmente bons ou ruins, mas sim levados a circunstâncias extremas porque estavam machucados, porque precisavam de atenção, e lutaram para conquistar os espaços que ocupam. Por isso, as maiores batalhas da temporada final de ‘She-Ra’ não são as físicas, mas sim as emocionais. Certo e errado, luz e sombras, medo e esperança são os duelos que tomam frente o tempo todo. No fim, as demonstrações de compaixão e os grandes esforços que um personagem faz pelo outro são a grande força desta brilhante temporada. Poucas coisas são mais revigorantes de se assistir que a máxima de ninguém ser deixado para trás sendo levada a sério. 

Enquanto relações pessoais tomam o centro das atenções, She-Ra e as Princesas do Poder se deixa ser ousada mais uma vez ao abraçar um final esperançoso, otimista e progressista de uma forma que pouco se viu antes na televisão. Estamos falando de um desenho animado de classificação livre, feito para crianças e com uma linguagem acessível a todas as faixas etárias, e isso não impede a série de apresentar personagens complexos e com um turbilhão de emoções conflitantes. Tampouco a impede de ser uma das mais diversas e inclusivas do gênero, apresentando personagens e famílias LGBTQ+ e não-tradicionais de forma natural, sem fazer alarde. São famílias como qualquer outra. 

Por isso, por melhores que sejam os personagens, as dinâmicas entre eles e toda a forma como Stevenson e companhia revolucionaram uma história que estava presa no formato quadrado e burocrático das animações da década de 80, o maior feito de She-Ra e as Princesas do Poder é abrir um portal para mais representação e inclusividade. Esta série foi extremamente simbólica e pessoal não apenas para quem esteve por trás dela, mas para o público que a acompanhou até o fim. Em uma estrutura social tão fragilizada como a de hoje, provar o valor da positividade e do amor LGBT é mais importante do que nunca. 

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Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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