Ainda que você esteja na faixa dos 20 e poucos anos e quase não escute músicas mais antigas, provavelmente já ouviu algo de Simonal por aí. Sabe aquela famosa que diz “sou flamengo e tenho uma nega chamada Tereza”? É dele! E a “Nem vem que não tem, nem vem de garfo que hoje é dia de sopa” também. Assim como tantas outras canções que, até hoje, fazem parte do imaginário popular. No entanto, mesmo com tanto sucesso, o cantor que estourou na década de 60 foi excluído do mundo musical após a acusação de ser delator durante o período de ditadura.
A história, que até hoje não foi totalmente esclarecida, já foi material para o documentário brasileiro que teve o maior público até hoje – Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei, de 2009 – e até para musicais. Só faltava mesmo aparecer nas telonas em forma de cinebiografia, mas isso foi resolvido pelo diretor Leonardo Domingues, que revelou em entrevista ao CinePOP ter interesse por essa trama desde a época em que trabalhou na edição do documentário. Fazendo sua estreia no comando do roteiro e direção de um longa, Domingues conta com sua experiência de editor para criar um filme com ótimo ritmo e o talento dos atores escolhidos para o elenco – com destaque para Fabrício Boliveira – para conquistar o público. Essa soma, como esperado, garantiu um bom resultado, e provavelmente Simonal será um dos maiores destaques do cinema nacional neste ano.
A trama começa no período em que o artista ainda fazia parte da banda Dry Boys – um grupo de cinco garotos vestidos com roupas sociais e cantando em inglês. Já no início, mesmo sem sonhar em chegar perto do que se tornou no auge do sucesso, Wilson Simonal já revela o jeito malandro de ser e a paixão por mulheres em geral – mas, principalmente, loiras. Desde sempre, ele tem um carisma e talento únicos, e prova disso é o fato de ser o único escolhido pela gravadora de Carlos Imperial (um dos maiores nomes do meio na época) quando os Dry Boys se apresentam para tentar uma chance. E é a partir daí que sua vida muda. Por mais que comece apenas trabalhando na gravadora, um mundo novo se abre e ele corre atrás para fazer seu nome e conseguir seu público – sempre contando com seu estilo característico para deixar qualquer música mais interessante. O tal do champignon, como ele gosta de falar.
É bonito acompanhar toda essa trajetória do anonimato ao estrelato, ainda mais considerando o fato de se tratar de um artista negro e morador de favela – que enfrentava um preconceito ainda maior durante aquele período. Fica claro que Simonal chegou ao auge quando, em um dos melhores momentos do longa, ele sai do palco no meio do show para ir a um bar e deixa a plateia cantando em coro o sucesso “Meu Limão, Meu Limoeiro” até que ele volte e solte a voz no microfone. Além de ser um belo plano-sequência, é a cena definitiva do filme para que o espectador entenda todo o poder que Simonal tinha com o público quando estava no auge de sua carreira.
No entanto, toda essa força do cantor não conseguiria ser transmitida na tela se o intérprete escolhido não fosse alguém que conseguisse capturar os trejeitos e transmitir o mesmo carisma do verdadeiro – como fez Fabrício Boliveira. O ator, definitivamente, é Simonal em cena. Por mais que não se pareça tanto fisicamente com o cantor e não solte sua voz nas apresentações musicais, ele prova ser a escolha perfeita para o papel pelo modo como encarna o personagem. Ísis Valverde, que dá vida à Tereza, mulher do artista, também convence no papel da esposa deprimida e repete a boa química com Fabrício, já conhecida desde Faroeste Caboclo, de 2013.
O filme só peca ao tentar humanizar demais algumas atitudes de Wilson Simonal, por mais que não deixe de mostrar seu lado de esposo infiel e suas ações egoístas, principalmente nas amizades. Talvez, por ter a intenção de contar o lado da história que indica que ele foi vítima de uma armação – muito provavelmente por conta de racismo -, a trama só tenha se preocupado demais em passar panos quentes em alguns erros do cantor. Mas, ao se envolver com a história e já saber o fim dela por se tratar de algo real, fica difícil para o espectador não se pegar torcendo pelo artista, mesmo quando ele está errado.
Em tempos em que a ditadura é tão falada novamente e que informações falsas sobre pessoas públicas – as famosas fake news – são compartilhadas nas redes sociais a todo tempo, Simonal aparece como uma história mais atual do que nunca. Por mais que se passe nas décadas de 60 e 70, ele reflete um triste período da história brasileira que não está tão no passado assim. E ainda que não tenha tido a intenção trazer esse debate à tona quando foi pensado pelo diretor em 2010, tem como um de seus maiores méritos trazer a memória que falta a muitos brasileiros.
No final, ao som da excelente “Sá Marina” – em uma das cenas mais tocantes do longa e particularmente minha favorita – , fica a reflexão e a melancolia por uma estrela como Simonal ter chegado ao fim da vida com sua luz apagada dos palcos. É como diz a música: “com seu jeitinho tão faceira, fez o povo inteiro cantar… E fez o povo inteiro chorar”.