sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica Sintonia – 1ª temporada | Um Retrato da periferia de SP embalado por tiros, louvores e Funk

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Das quebradas de São Paulo para o mundo, o produtor musical Konrad Dantas (mais conhecido como KondZilla), em parceria com o roteirista Felipe Braga (Marighella), arquitetou um dos mais eficientes recortes do cotidiano brasileiro dos últimos anos. Com personagens carismáticos e uma linguagem factível, Sintonia é o primeiro seriado nacional na Netflix a apresentar uma realidade particular dentro de um país multicultural e articular-se bem com o público jovem. 

Embalado pelo estratosférico sucesso do canal no Youtube com mais de 50 milhões de inscritos, isto é, o maior canal da rede no Brasil, KondZilla decidiu alçar voos mais altos e contar as histórias de suas vivências na periferia paulistana para um público mais abrangente que os seus seguidores na internet. Longe de ser apenas um seriado sobre funk, Sintonia é focado nas escolhas, desafios e amizade entre os protagonistas Nando (Christian Malheiros), Doni (João Pedro Carvalho) e Rita (Bruna Mascarenhas). 



Dividida pela perspectiva desses amigos, a narrativa percorre os caminhos dos jovens nascidos na favela, balanceando seus desejos, ambições e, acima de tudo, a sua lealdade. Os primeiros minutos apresentam Nando conciliando o cuidado com a sua família e o seu trabalho de gerente de negócios do crime. Neste caso, ele exerce a supervisão do empacotamento de droga e distribuição na favela. Ainda um iniciante na função, Nando busca uma posição mais importante no esquema do tráfico. 

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Em contrapartida, seu melhor amigo Donizete mora em uma bonita casa na comunidade e é filho do dono do mercado local, Seu Chico (Vanderlei Bernardino). Diferente dos anseios do pai, entretanto, Doni sonha tornar-se um funkeiro e ouvir suas composições nas rádios. No primeiro episódio, sua música “Passeio de Nave” cai no gosto de uns produtores e ele é chamado para conversar durante um baile. Mesmo para que não curte o ritmo, as músicas do seriado são chiclete, principalmente o primeiro hit do MC Doni “Te Amo Sem Compromisso”, tornando a trajetória do personagem ainda mais envolvente. 

Ao mesmo tempo que os meninos estão batalhando para realizar os seus desejos, Rita trabalha para bancar sua precoce independência. Para isso, ela sai de casa com uma sacola cheia de mercadorias, desde produtos para cabelos até capinha para celular, a fim de vender nas ruas. Apresentada como dona se si, Rita vacila ao convidar a amiga Cacau (Danielle Olímpia) para “trampar” com ela e a menina acaba enrascada com a polícia. 

Por volta dos seus 17 e 18 anos, a cada episódio os meninos descobrem mais sobre si mesmos e as suas expectativas na vida, de acordo com as casualidades de seus passados e presentes. O que mais reflete positivo no seriado é a sua autenticidade, partindo do linguajar totalmente local, por vezes nem tão claro para os brasileiros de outras regiões. Aliás, outro ponto efetivo é a construção do roteiro voltando à realidade local, por exemplo, em nenhum momento faculdade é um desejo ou opção.

Apesar dos pais de Doni incentivarem os estudos do menino e, até mesmo, proporcionarem uma escola particular, o exemplo de admiração de Doni está nos palcos do bailão e a sua motivação de carreira segue esta meta. Já Nando, é um pai de família disposto a tudo para assegurar dignidade dentro de seu universo de poder. Para Rita a ponte entre a fé motivadora e o dinheiro se apresenta de forma cristalina e aguça a sua predisposição às vendas, enxergando a palavra de Deus como uma caminho de riquezas possíveis. 

Por outro lado, algumas atuações chegam a derrapar, assim como a conclusão e dissolução de alguns conflitos. Os momentos mais tensos do seriado sobram todos para o ator Christian Malheiros, que segura a onda, mas Nando é mais complexo do que o ator consegue expressar em cena. O seriado apresenta somente um ponta do engenhoso mundo do tráfico nas favelas, Nando cresce no movimento a passo de gigantes, tanto que é difícil entender a proporção das hierarquias desenhadas. 

Se a agilidade da narrativa pode ser um aspecto efetivo no envolvimento com espectador, em compensação ela peca na cadência da verosimilhança. Em outras palavras, em apenas seis episódios, os três amigos encaram bastantes obstáculos, descobertas e vitórias, no entanto, eles continuam sorrindo e motivados para encarar mais uma noite de música e dança no bailão. Com as premissas de igreja, tráfico e funk a serem desenvolvidos por cada um deles, Sintonia, com certeza, merece uma segunda temporada, ainda mais com personagens empáticos e coadjuvantes ainda com muito a contribuir. 

Pouco semelhante aos seriados da rede Globo, Antônia (2006) e Cidade dos Homens (2002-2005), Sintonia não é apenas sobre ambição ou música, mas sobre sonhos vindos de onde não era permitido sonhar. Se Cidade de Deus (2002) fez milhões de pessoas olharem para a realidade das favelas de forma mais interessada, talvez Sintonia tenha a sua tarefa de contar as histórias das vidas em São Paulo desta época. Com uma direção e roteiro mais ousados, Sintonia pode tornar-se mais impactante para esta geração, no entanto, já é entretenimento, representatividade e quebra de preconceitos.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Embalado pelo estratosférico sucesso do canal no Youtube com mais de 50 milhões de inscritos, isto é, o maior canal da rede no Brasil, KondZilla decidiu alçar voos mais altos e contar as histórias de suas vivências na periferia paulistana para um público mais abrangente que os seus seguidores na internet. Longe de ser apenas um seriado sobre funk, Sintonia é focado nas escolhas, desafios e amizade entre os protagonistas Nando (Christian Malheiros), Doni (João Pedro Carvalho) e Rita (Bruna Mascarenhas). 

Dividida pela perspectiva desses amigos, a narrativa percorre os caminhos dos jovens nascidos na favela, balanceando seus desejos, ambições e, acima de tudo, a sua lealdade. Os primeiros minutos apresentam Nando conciliando o cuidado com a sua família e o seu trabalho de gerente de negócios do crime. Neste caso, ele exerce a supervisão do empacotamento de droga e distribuição na favela. Ainda um iniciante na função, Nando busca uma posição mais importante no esquema do tráfico. 

Em contrapartida, seu melhor amigo Donizete mora em uma bonita casa na comunidade e é filho do dono do mercado local, Seu Chico (Vanderlei Bernardino). Diferente dos anseios do pai, entretanto, Doni sonha tornar-se um funkeiro e ouvir suas composições nas rádios. No primeiro episódio, sua música “Passeio de Nave” cai no gosto de uns produtores e ele é chamado para conversar durante um baile. Mesmo para que não curte o ritmo, as músicas do seriado são chiclete, principalmente o primeiro hit do MC Doni “Te Amo Sem Compromisso”, tornando a trajetória do personagem ainda mais envolvente. 

Ao mesmo tempo que os meninos estão batalhando para realizar os seus desejos, Rita trabalha para bancar sua precoce independência. Para isso, ela sai de casa com uma sacola cheia de mercadorias, desde produtos para cabelos até capinha para celular, a fim de vender nas ruas. Apresentada como dona se si, Rita vacila ao convidar a amiga Cacau (Danielle Olímpia) para “trampar” com ela e a menina acaba enrascada com a polícia. 

Por volta dos seus 17 e 18 anos, a cada episódio os meninos descobrem mais sobre si mesmos e as suas expectativas na vida, de acordo com as casualidades de seus passados e presentes. O que mais reflete positivo no seriado é a sua autenticidade, partindo do linguajar totalmente local, por vezes nem tão claro para os brasileiros de outras regiões. Aliás, outro ponto efetivo é a construção do roteiro voltando à realidade local, por exemplo, em nenhum momento faculdade é um desejo ou opção.

Apesar dos pais de Doni incentivarem os estudos do menino e, até mesmo, proporcionarem uma escola particular, o exemplo de admiração de Doni está nos palcos do bailão e a sua motivação de carreira segue esta meta. Já Nando, é um pai de família disposto a tudo para assegurar dignidade dentro de seu universo de poder. Para Rita a ponte entre a fé motivadora e o dinheiro se apresenta de forma cristalina e aguça a sua predisposição às vendas, enxergando a palavra de Deus como uma caminho de riquezas possíveis. 

Por outro lado, algumas atuações chegam a derrapar, assim como a conclusão e dissolução de alguns conflitos. Os momentos mais tensos do seriado sobram todos para o ator Christian Malheiros, que segura a onda, mas Nando é mais complexo do que o ator consegue expressar em cena. O seriado apresenta somente um ponta do engenhoso mundo do tráfico nas favelas, Nando cresce no movimento a passo de gigantes, tanto que é difícil entender a proporção das hierarquias desenhadas. 

Se a agilidade da narrativa pode ser um aspecto efetivo no envolvimento com espectador, em compensação ela peca na cadência da verosimilhança. Em outras palavras, em apenas seis episódios, os três amigos encaram bastantes obstáculos, descobertas e vitórias, no entanto, eles continuam sorrindo e motivados para encarar mais uma noite de música e dança no bailão. Com as premissas de igreja, tráfico e funk a serem desenvolvidos por cada um deles, Sintonia, com certeza, merece uma segunda temporada, ainda mais com personagens empáticos e coadjuvantes ainda com muito a contribuir. 

Pouco semelhante aos seriados da rede Globo, Antônia (2006) e Cidade dos Homens (2002-2005), Sintonia não é apenas sobre ambição ou música, mas sobre sonhos vindos de onde não era permitido sonhar. Se Cidade de Deus (2002) fez milhões de pessoas olharem para a realidade das favelas de forma mais interessada, talvez Sintonia tenha a sua tarefa de contar as histórias das vidas em São Paulo desta época. Com uma direção e roteiro mais ousados, Sintonia pode tornar-se mais impactante para esta geração, no entanto, já é entretenimento, representatividade e quebra de preconceitos.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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