sábado, abril 27, 2024

Crítica | Suncoast: Laura Linney entrega performance estarrecedora em emocionante drama biográfico

Filme assistido durante o Festival de Sundance 2024

Como um intruso que corrói sua mente, seu corpo e sua rotina, o luto em vida é o tipo de experiência que só se dimensiona quando vivida na pele. O constante peso da iminência da morte assombra, atormenta e sufoca. Nos deixando sempre em alerta, à espreita e à espera, ele é uma angústia diária por algo inevitável. Essa sufocante e tóxica compressão rege os dias, o humor e os ambientes. Uma dor tão mais dolorosa do que a difícil tarefa de superar o fim da vida, lidar com essa verdade antes mesmo dela se cumprir ainda traz um gosto mórbido e amargo para os lábios. É a saudade de algo que ainda não se foi, é a tristeza pelo fim que não chegou, é a vida perdendo sentido diante da morte. E de maneira delicada, sensível e apaixonante, Laura Chinn aborda toda essa complexa rede de sentimentos, fazendo de Suncoast uma das catarses mais poderosas do cinema recente.

Abrindo sua história para o mundo, ela dá voz aos gemidos inexprimíveis daqueles que um dia também enfrentaram de perto as fases mais dolorosas de um câncer cerebral em estágio terminal. Com a árdua tarefa de expressar claramente a dimensão dessa dor, a cineasta estreante se aventura por uma escrita visceral, explorando essa amálgama de sentimentos que percorrem a mente daqueles que assistem suas pessoas mais amadas deixarem o mundo. Com delicadeza e a sensibilidade de alguém que viveu todos os percalços de uma enfermidade incontrolável, ela traduz a história da sua própria família na narrativa de Kristine e Doris, acompanhando os dias que antecedem a morte do jovem Cody, um garoto acometido por um câncer cerebral.

A still from Suncoast by Laura Chinn, an official selection of the U.S. Dramatic Competition at the 2024 Sundance Film Festival. Courtesy of Sundance Institute.

Enquanto Kristine caminha debaixo do constante peso de ver seu primogênito morrer um pouco mais a cada dia, Doris é uma adolescente que viveu seus últimos seis anos cuidando de seu irmão doente. No auge de suas transformações hormonais e cercada por um contexto de riqueza oriunda da escola particular onde estuda, ela transita entre a culpa, a angústia, aflição e o desejo de seguir com sua vida. Ambas diante de seus próprios dilemas e frustrações mais íntimas – que poderiam soar egoístas para aqueles que jamais se viram nessa posição -, elas tentam navegar as turvas águas do luto enquanto se digladiam entre si. Tensão, amargura e ressentimentos marcam essa relação entre mãe e filha que, embora se amem muito, estão feridas demais para conseguir enxergar uma à outra em meio ao sofrimento inesgotável.

E proporcionando uma experiência extremamente profunda e sensível, Chinn faz de Suncoast uma carta de amor à sua família e de apoio àqueles que sofrem amando seus entes queridos enquanto cuidam deles em sua mais alta fragilidade. Entregando um roteiro elaborado que sabe muito bem trabalhar as inconsistências e inconstâncias de suas personagens sem torná-las mártires ou vilãs dentro de seu próprio luto, ela convida a audiência para uma catártica jornada sem pré-julgamentos. E mesmo correndo o risco de tornar suas protagonistas grandes algozes, ela faz questão de expor as camadas mais extensas do luto em vida, para que saibamos que não há jeito certo de sofrer a dor de quem amamos.

E nesse turbilhão de sentimentos onde algumas perguntas jamais são devidamente respondidas, conhecemos Laura Linney por uma nova ótica. Entregando a performance de sua vida, ela explora todas as versões dessa desesperada mãe e viúva, que dedicou quase toda sua vida para cuidar de seu filho doente. Sem saber como lidar com sua caçula, ela se esconde em sua dor, pressiona todos ao seu redor e vive em um estado de desespero que beira um colapso nervoso. Exalando uma tensão palpável, tamanha a riqueza de sua performance, a atriz nos presenteia com o melhor trabalho de sua carreira, nos carregando por suas inconstâncias e aflições emocionais. Suas lágrimas e sua fala sempre trêmula, mas decisiva, garantem um grau de sensibilidade singular à personagem, a ponto de nos tornar parte de seu sofrimento.

Nico Parker complementa Linney com precisão, como o retrato de uma adolescente incapaz de administrar todas as agruras de ser jovem, diante da finitude da vida de seu irmão mais velho. Negação, incompreensão e reticência fazem parte dessa performance poderosa, que só salienta o enorme talento da atriz. O veterano Woody Harrelson surge como a voz da razão, uma carismática figura paterna que carrega suas próprias bagagens, mas está sempre disposto a usá-las como instrumento de cura alheia. Com uma atuação sensível e doce, ele mostra uma faceta ainda mais despojada e relaxada. Como um respiro de sutileza e leveza, seu personagem é aqui o elo cômico da trama, o pequeno hiato entre a dor do luto na vida de Doris.

E assim, o drama navega pela tristeza, pela alegria e pela solidão de uma família tão forjada na dor. Nos dando o privilégio de provar o sabor da vida pela disfuncional e realista ótica de duas mulheres administrando suas respectivas fases de amadurecimento, o drama lançado em Sundance tem sabor agridoce, temperado por densas lágrimas que insistem em correr pelo nosso rosto, diante dessa poderosa narrativa. Um retrato honesto sobre o apego à vida e o medo da morte, Suncoast é ainda uma homenagem intimista feita pela cineasta Laura Chinn à sua família e se encerra docemente com um gostinho otimista de que – não importa o quanto tenhamos perdido -, sempre haverá um novo horizonte adiante.

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