A Vingança chegou aos cinemas. E ela tem o sabor amargo da verdade.
É véspera de Halloween, e Bruce Wayne (Robert Pattinson) sabe que esse é o momento mais tenso em Gotham City, onde a criminalidade só faz aumentar. Vigilante, o Homem-Morcego se esconde nas sombras para encontrar os malfeitores que atacam a cidade. Porém, por dentro, Batman sofre – por sua cidade, por ter crescido órfão, por não encontrar motivação em ser otimista com o futuro ou com o presente. Então, uma série de ataques a personalidades importantes da cidade – o prefeito Mitchell (Rupert Penry-Jones), o procurador Colson (Peter Sarsgaard), o delegado Merkel (Barry Keoghan) – com bilhetes endereçados ao Cavaleiro das Trevas faz com que Batman se envolva na questão, junto com o policial James Gordon (Jeffrey Wright) e a jovem Selina (Zoë Kravitz) e deter este que está sendo chamado de O Charada (Paul Dano).
Narrado pelo próprio Batman, a primeiríssima cena do filme é de suma importância, pois é ela que dá o tom do que é esta nova história do personagem mais famoso da DC: nela a voz de Bruce Wayne é completamente desconsolada, sem ânimo nenhum; enquanto conta em seu diário como o Halloween é um dos momentos mais tensos de Gotham, uma música de fundo começa a tocar – e esta será a música tema da versão de Matt Reeves do Cavaleiro Solitário. Esta canção nada mais é do que ‘Something in the Way’, do Nirvana (aliás, do álbum mais icônico, “Nevermind”), cantada pelo igualmente solitário Kurt Cobain.
Agora, façamos o paralelismo entre Kurt e Bruce. Na vida real, Kurt Cobain foi um dos mais importantes cantores dos anos 1990, um símbolo de rebeldia e ídolo de uma juventude desiludida de fim de milênio, numa época pré-internet e de início de globalização, com novas drogas sintéticas e novos vírus rolando mundo afora. Kurt não aguentou, e, em 5 de abril de 1994, o cantor tirou a própria vida. Ele é, até hoje, um dos principais cantores de um estilo de rock chamado grunge, que misturava o peso das guitarras com o sentimento de desolação dessa geração pós-Woodstock que não viu mais nem as cores do arco-íris nem a euforia do rock’n roll dos anos 1980.
Não é coincidência que ‘Something in the Way’ canta: “debaixo da ponte / a lona deixa cair um gotejamento / E os animais que eu aprisionei / Se tornaram todos de estimação / estou vivendo de comer grama / e das gotas do meu telhado / está tudo bem comer peixe / porque eles não têm nenhum sentimento”. Mesmo tendo sido lançada em maio de 1991, a música conta exatamente o mote de ‘The Batman’: o cavaleiro solitário em sua mansão aos pedaços, sofrendo com o gotejamento na cidade (em Gotham, a principal droga se chama gota), lidando com pessoas-bicho (como o Pinguim, interpretado pelo incrível Colin Farrell), que come peixe e não tem sentimentos.
Se essa é a música-tema em ‘The Batman’, ela também dá o tom da personalidade do protagonista: enquanto mascarado, o Homem-Morcego é movido pelo ódio, pela adrenalina, pela vingança, pela desilusão; enquanto Bruce Wayne, suas roupas são folgadas, largadas e desleixadas (tal como o líder do Nirvana), com o cabelo comprido cobrindo-lhe parcialmente o rosto, principalmente os olhos de maquiagem escorrida, o rosto sempre inclinado, com uma melancolia dolorida que derrama sofrimento toda vez que fala, e uma voz sussurrada, como quem sabe que, apesar de todos seus esforços, parece saber não fazer diferença nesse mundo.
Assim é o Batman de Pattinson e Reeves. É claro, também há um quê de Edward, de ‘Crepúsculo’, afinal, a mulherada merecia isso. Assim, temos a famosa cena de Robert salvando o menino de ser atropelado por um carro (como fez com Kristen Stewart / Bella Swan), a travada de maxilar que só faltava dizer “diga, diga em voz alta”, entre outras cositas. Além disso, é também um Batman western, meio bangue-bangue: não são poucas as cenas em que ele aparece e suas botas ecoam como se tivessem esporas; ainda que não ande armado, seu comportamento é igual aos dos xerifes do velho-oeste estadunidense. Deve ganhar indicação ao Oscar de Melhor Som em 2023.
Em suma, ‘The Batman’ é um filme mesmo sobre o Batman. Não é sobre como os vilões aparecem com suas histórias e fazem o Batman prendê-los, nem como o Batman se junta a outros coleguinhas para combater um mal externo. Não é nem mesmo o Batman bilionário cheio das tecnologias a la Tony Stark. Não. É o Batman real, humano, puto com a sociedade, de saco cheio da corrupção, desiludido com a inutilidade de seus esforços – e, justamente por isso, é o verdadeiro herói do dia a dia e a versão definitiva deste que é, mais do que nunca, o Cavaleiro Solitário.