Direto do TIFF, festival de Toronto
Família Addams Real
O diretor grego Yorgos Lanthimos vem se tornando um nome quente na indústria cinematográfica, daqueles artistas que a cada novo trabalho consegue despertar interesse imediato no radar de cinéfilos e profissionais do meio. Seu cinema se tornou um pouco mais mainstream, mesmo ainda estando bem longe disso. O que ocorre é que Lanthimos conquistou o prestígio de arrastar grandes nomes para o elenco de suas produções.
Aqui, ele trabalha mais uma vez com Colin Farrell, que desprovido novamente de sua aparência de galã se torna o ator fetiche do cineasta. A primeira parceria, obviamente, foi no cult instantâneo The Lobster (O Lagosta, no Brasil), obra que concorreu ao Oscar de melhor roteiro original. E não é para menos. Com a nova produção, Lanthimos se afunda ainda mais no submundo para através de uma aula intensiva em obsessão nos apresentar o lado obscuro do ser humano – desta vez sem o respaldo da ficção científica como espelho do hoje-amanhã.
Na trama, Farrell interpreta um exemplar cirurgião, chefe de uma família adorável, quase igual àquelas dos comerciais de margarina. Mas esta é apenas a superfície, porque Lanthimos trata de nos apresentar através de pequenas nuances (algumas não tão pequenas assim), o comportamento errático de seus membros. Existe peculiaridade na forma como o casal, interpretado por Farrell e Nicole Kidman (reprisando a parceria do recente O Estranho que Nós Amamos, de Sofia Coppola) conversa entre si e com colegas, entregando seus diálogos de forma robótica, como se deficientes de sentimentos, e inclusive na forma como transam entre quatro paredes.
No entanto, o núcleo verdadeiro desta história chega através do personagem do jovem Barry Keoghan, um rapaz estranhamente ligado ao protagonista, juntos em uma relação simbiótica, que logo de cara não esconde seu grau doentio. Desta interação venenosa é que a trama verdadeiramente irá se desenrolar – criando alguns momentos até mesmo absurdos (aonde o cinema de Lanthimos se banha). The Killing of a Sacred Deer mescla suspense – com uma trilha tão incisiva que torna gostosa a brincadeira com a forma – com muito humor negro (a plateia formada de jornalistas do mundo todo aqui no Festival de Toronto veio abaixo, de risadas nervosas).
Em seu desfecho, o enigmático thriller ainda guarda certo quê de Os Suspeitos (2013), de Villeneuve, e O Segredo de Seus Olhos (2009), de Campanella, obviamente dadas às devidas proporções. Traçando um livre paralelo com a carreira de outro autor muitas vezes incompreendido, Nicolas Winding-Refn, se O Lagosta foi o Drive (2011) de Lathimos, talvez Sacred Deer seja seu Only God Forgives (2013). Ps. A musa teen 90´s Alicia Silverstone aparece numa única cena do filme, não menos bizarra, fazendo jus ao contexto geral do longa.