Se minha Casa Falasse
O cineasta irlandês Lenny Abrahamson teve o auge de sua carreira (até o momento) ao dirigir o thriller dramático e intimista O Quarto de Jack (2015) – pelo qual recebeu uma indicação ao Oscar de diretor. Antes, no entanto, ele havia chamado atenção no cenário indie de festivais com Frank (2014) – um estranho, melancólico e muito eficiente drama musical. Com esta bagagem como suas duas últimas obras lançadas, é natural que o cineasta chame atenção em seu próximo projeto. Porém, The Little Stranger é tão idiossincrático e discreto que terminou passando em branco pelos cinemas dos EUA e chegou aqui direto em vídeo – o longa já pode ser conferido em canais de streaming.
Chamado de Estranha Presença no Imdb (o que pode ser seu título em Portugal), o novo longa de Abrahamson chega com a promessa de ser um baita suspense sobrenatural – beirando o horror minimalista de produções como A Bruxa (2015) e Hereditário (2018) – mas aos poucos vai diluindo as expectativas. O filme começa bem e cria alguns momentos de tensão bem gelados, mas degringola em clichês e num amontoado de trechos desconexos – que deixam o todo com sabor de obra B.
Na trama, o sempre ótimo Domhnall Gleeson interpreta o Dr. Faraday, jovem que retorna à sua cidadezinha natal e se torna o médico da família Ayres. Curiosamente, vindo de família humilde, quando era menino, Faraday frequentava a mansão dos Ayres – já que era filho dos criados. O misticismo em torno da vida perfeita e da riqueza daquela família sempre deslumbrou o protagonista ainda na infância. Na fase adulta, o sujeito constata o quanto os Ayres decaíram financeiramente e deixaram sua mansão se tornar um lugar decrépito e cheio de problemas estruturais. Mesmo assim, ainda tentam manter seu status como burgueses, dando festas e recepções para a alta sociedade – eventos dos quais Faraday agora pode participar como convidado.
Dentre os nomes conhecidos do elenco, três destacam-se como membros da família Ayres. A indicada ao Oscar Charlotte Rampling (45 Anos) é a matriarca, o jovem Will Poulter (Detroit em Rebelião) impressiona por sua maturidade recém adquirida e uma maquiagem pra lá de realista que o deixa na forma desfigurada de seu personagem (o filho que foi para a Guerra e voltou queimado), e finalizando, Ruth Wilson é a filha enigmática e interesse do protagonista. O elenco se esforça entregando atuações ancoradas.
Baseado no livro da autora Sarah Waters, com roteiro de Lucinda Coxon (A Garota Dinamarquesa), The Little Stranger funciona melhor como drama de época e talvez se fosse vendido desta forma o resultado fosse outro. Em momento algum o longa consegue destaque nas cenas que deveriam causar medo. Como dito acima, o diretor até cria tensão, mas tais trechos giram mais em torno do que vem antes, da escalada, da criação de clima e momento. Está tudo lá, apenas o resultado que culmina não é bom. Veja, por exemplo, a cena do jantar, onde uma menininha é atacada pelo cachorro da família – este é um dos trechos mais nervosos, mas parece descolado de todo o resto. Outro momento que poderia render bem mais é o da porta barulhenta envolvendo Rampling, que termina em tragédia. Este trecho é simplesmente muito mal conduzido.
A todo momento, esperamos The Little Stranger somar a um destino, sem sucesso. Apesar de todos os elementos estarem teoricamente no lugar, Abrahamson não consegue juntá-los o suficiente para dar liga e criar uma coesão para o filme. As cenas parecem jogadas e funcionam separadamente. O desenvolvimento parece não ter um motor puxando e os personagens não ganham ênfase em suas personalidades (o filme não foca nelas). Infelizmente, o mais recente trabalho do diretor de O Quarto de Jack tinha grande promessa, mas termina sem conseguir cumpri-la, nos fazendo os verdadeiros estranhos como espectadores.