domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica “The Midnight Gospel” | Obra-prima das animações adultas

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Disponível no catálogo da Netflix desde o dia 20 de abril – uma piada americana com maconha, já que o calendário deles adota o formato Mês/ Dia/ Ano e 4/20 é uma expressão associada ao uso da droga -, a nova série original do streaming é uma verdadeira viagem filosófica acerca da existência ou ausência dela. Apesar do visual simples e aparentemente infantil, a produção é voltada exclusivamente para o público adulto, realizando diversas piadas escatológicas e repletas de violência explícita.Antes do Novo Coronavírus se espalhar pelo mundo, o planeta já vivia outro tipo de “pandemia”: os podcasts. O formato de programa de rádio informativo ou de debate realizado por qualquer um que tenha acesso à internet e tempo livre. A animação embarca nessa onda e traz o protagonista, Clancy Gilroy, como um jovem que ostenta um podcast de entrevistas chamado The Midnight Gospel. Clancy utiliza uma máquina de simulação universal – em forma de vagina -, com a qual ele escolhe um planeta prestes a passar por um apocalipse e, por meio de avatares desenhados pela máquina para onde sua consciência será transferida, ele interage com algum membro daquela realidade e faz entrevistas sobre os mais diversos temas, como a legalização das drogas, magia, vida e muito mais. Ah, se você achou a comparação do início desse parágrafo de “mau gosto” ou “descabida”, repense sobre assistir a série.Isso porque o universo criado por Pendleton Ward e Duncan Trussell usa não apenas do texto, mas de toda a imagética escatológica para mostrar cenas pesadíssimas de assassinatos, suicídios, relações sexuais e até mesmo processos de nascimento e transformação. É um conteúdo que pode deixar os mais sensíveis abalados, principalmente porque o elemento visual conversa momento sim, momento não com o assunto debatido nas entrevistas.  E são esses contrastes que dão um brilho magnífico para esse “podcast ilustrado”. Há um episódio, por exemplo, em que Clancy vai para um planeta de bebês palhaços. O jovem pousa em uma região selvagem, na qual ele observa e narra o ciclo da vida como se fosse um programa do NatGeo. Momento depois, ele conversa e entrevista com naturalidade dois animais enquanto eles são levados para o abate. Esse contraste da naturalidade das conversas com o absurdo das situações pelas quais os entrevistados – e o próprio Clancy – estão vivendo é chega a beirar o desconfortável, mas é parte fundamental da animação.Como disse anteriormente, o termo “podcast ilustrado” não é à toa. Boa parte do texto é extraído de entrevistas feitas no podcast real de Duncan Trussell. Tanto que, em diversos momentos ao longo da série, Clancy é chamado de Duncan pelos entrevistados, o que costuma resultar em alguma piadoca. Temas realmente profundos são debatidos/ conversados pelos entrevistados com muita naturalidade, mas nem com essa espontaneidade fica fácil de compreender de primeira certos assuntos. Há muitas viagens nos papos, mas também há excelentes apontamentos. Por isso, assistir dublado pode ser primordial para o melhor entendimento da série para quem não domina 100% o inglês. A dublagem permite também que o espectador perceba e se atente mais para as milhares de sacadas visuais que acontecem na animação ao fundo. Por outro lado, a versão original tem um fator único que a dublagem não soube traduzir: a naturalidade. A característica principal do podcast de Duncan é ser um papo sério e descontraído. A versão brasileira se perdeu um pouco no tom do personagem, dando uma voz mais caricata para Clancy, o que não casa muito com a série.Parece meio inevitável que The Midnight Gospel seja comparada com Rick & Morty, outra série com ambientação em um multiverso e que tenta debater temas delicados sobre a filosofia. No entanto, por mais que tenham temas parecidos, a abordagem é completamente diferente. É como se Midnight Gospel fosse “Tubarão” e Rick & Morty fosse “Megatubarão”. Duas produções de mesma temática, mas que rumam por caminhos diferentes. Não que Rick & Morty seja ruim, só é mais espalhafatoso e, em alguns episódios, tem a mensagem ofuscada pela comédia grosseira. Midnight Gospel também tem muita galhofa, claro, chegando a ter piadas ainda mais pesadas que as da concorrente, mas em momento algum se perde no conteúdo que quer passar em detrimento de gracinha. Nesse ponto, se fosse para realizar uma comparação, a série está mais para o amadurecimento de ideias de Bojack Horseman, também da Netflix.E todo o peso dos episódios pode ter um impacto ainda maior na chamada “geração Millennial”. Ela está sendo cobaia do início da Era Digital e tem sofrido bastante no processo de se adaptar a essa realidade. É uma galera jovem que ficará marcada na história como uma geração de transição, que viveu os dramas do desemprego, a mudança climática, a criação e extinção de cargos e a flexibilização de conceitos acerca da sociedade. E, bem… Clancy é isso. Um jovem frustrado, desempregado, que mora em um trailer e apostas suas fichas de futuro no podcast.  A trama pode ser dividida em duas partes até metade da série, o jovem interage com os entrevistados e parte dos planetas levando uma recordação. São episódios voltados mais para a reflexão do público sobre temas mais mundanos, como o consumo e a mente fechada. Do meio para o fim, Clancy é pessoalmente envolvido e afetado pela história. Suas ações enfim provocam reações sentidas da pele e na consciência. Conforme ele vai ganhando mais desenvolvimento, as tramas passam a trazer reflexões mais pessoais, que lidam e afetam diretamente a mente humana e seus conceitos de existência – ou falta dela. É quando o “efeito bate pesado”. Dessa forma, o personagem fica bastante identificável e a mensagem passa a mexer diretamente com os sentimentos do espectador.Acho que vale a pena dedicar um parágrafo inteiro para o episódio final. Ao longo de pouco mais de 36 minutos, Pendleton Ward, que ficou famoso por criar Hora de Aventura, mostra que ele não apenas consegue provocar a reflexão e desgraçar sua cabeça, mas também mexer com um espectro humano extremamente difícil de ser abordado sem parecer superficial: o amor. Sem entrar em detalhes mais profundos, o último episódio promove um encontro fantástico e inesperado, e trabalha isso de maneira que fica fácil entender o motivo daquilo ter sido guardado para o final. Um verdadeiro soco no estômago e no coração, capaz de mexer com o emocional, com a nostalgia e com o sentido de vida de muita gente. Se você – sabe lá o motivo – achou o lance do amor de Interestelar profundo, meu amigo, você não sabe o que te aguarda aqui. Não é exagero chamar de obra de arte em forma de episódio.Enfim, é uma série excêntrica, ousada, reflexiva, divertida em certo pontos e cruel. Ela não cai no clichê de ser brutal apenas para chocar. Ela tem uma mensagem a ser transmitida e faz isso com maestria. E os episódios não são tão grandes, a média é de 25 minutos por capítulo. PORÉM, acho que cabe fazer um adendo. Se você não estiver muito bem da cabeça, psicologicamente falando, não sei até que ponto seria responsável mergulhar de cabeça no podcast ilustrado de Clancy Gilroy. Isso porque a série mexe com pontos delicadíssimos que podem não ajudar muito alguém que esteja passando por um momento forte de instabilidade emocional, por exemplo. Da mesma forma, se você se considera muito mente fechada, talvez não vá curtir tanto assim. Mas que fique claro: a “graça” da produção é entrar de mente aberta nesse mundo psicodélico que, no final das contas, não é tão distante do nosso quanto parece.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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Clancy utiliza uma máquina de simulação universal – em forma de vagina -, com a qual ele escolhe um planeta prestes a passar por um apocalipse e, por meio de avatares desenhados pela máquina para onde sua consciência será transferida, ele interage com algum membro daquela realidade e faz entrevistas sobre os mais diversos temas, como a legalização das drogas, magia, vida e muito mais. Ah, se você achou a comparação do início desse parágrafo de “mau gosto” ou “descabida”, repense sobre assistir a série.Isso porque o universo criado por Pendleton Ward e Duncan Trussell usa não apenas do texto, mas de toda a imagética escatológica para mostrar cenas pesadíssimas de assassinatos, suicídios, relações sexuais e até mesmo processos de nascimento e transformação. É um conteúdo que pode deixar os mais sensíveis abalados, principalmente porque o elemento visual conversa momento sim, momento não com o assunto debatido nas entrevistas.  E são esses contrastes que dão um brilho magnífico para esse “podcast ilustrado”. Há um episódio, por exemplo, em que Clancy vai para um planeta de bebês palhaços. O jovem pousa em uma região selvagem, na qual ele observa e narra o ciclo da vida como se fosse um programa do NatGeo. Momento depois, ele conversa e entrevista com naturalidade dois animais enquanto eles são levados para o abate. Esse contraste da naturalidade das conversas com o absurdo das situações pelas quais os entrevistados – e o próprio Clancy – estão vivendo é chega a beirar o desconfortável, mas é parte fundamental da animação.Como disse anteriormente, o termo “podcast ilustrado” não é à toa. Boa parte do texto é extraído de entrevistas feitas no podcast real de Duncan Trussell. Tanto que, em diversos momentos ao longo da série, Clancy é chamado de Duncan pelos entrevistados, o que costuma resultar em alguma piadoca. Temas realmente profundos são debatidos/ conversados pelos entrevistados com muita naturalidade, mas nem com essa espontaneidade fica fácil de compreender de primeira certos assuntos. Há muitas viagens nos papos, mas também há excelentes apontamentos. Por isso, assistir dublado pode ser primordial para o melhor entendimento da série para quem não domina 100% o inglês. A dublagem permite também que o espectador perceba e se atente mais para as milhares de sacadas visuais que acontecem na animação ao fundo. Por outro lado, a versão original tem um fator único que a dublagem não soube traduzir: a naturalidade. A característica principal do podcast de Duncan é ser um papo sério e descontraído. A versão brasileira se perdeu um pouco no tom do personagem, dando uma voz mais caricata para Clancy, o que não casa muito com a série.Parece meio inevitável que The Midnight Gospel seja comparada com Rick & Morty, outra série com ambientação em um multiverso e que tenta debater temas delicados sobre a filosofia. No entanto, por mais que tenham temas parecidos, a abordagem é completamente diferente. É como se Midnight Gospel fosse “Tubarão” e Rick & Morty fosse “Megatubarão”. Duas produções de mesma temática, mas que rumam por caminhos diferentes. Não que Rick & Morty seja ruim, só é mais espalhafatoso e, em alguns episódios, tem a mensagem ofuscada pela comédia grosseira. Midnight Gospel também tem muita galhofa, claro, chegando a ter piadas ainda mais pesadas que as da concorrente, mas em momento algum se perde no conteúdo que quer passar em detrimento de gracinha. Nesse ponto, se fosse para realizar uma comparação, a série está mais para o amadurecimento de ideias de Bojack Horseman, também da Netflix.E todo o peso dos episódios pode ter um impacto ainda maior na chamada “geração Millennial”. Ela está sendo cobaia do início da Era Digital e tem sofrido bastante no processo de se adaptar a essa realidade. É uma galera jovem que ficará marcada na história como uma geração de transição, que viveu os dramas do desemprego, a mudança climática, a criação e extinção de cargos e a flexibilização de conceitos acerca da sociedade. E, bem… Clancy é isso. Um jovem frustrado, desempregado, que mora em um trailer e apostas suas fichas de futuro no podcast.  A trama pode ser dividida em duas partes até metade da série, o jovem interage com os entrevistados e parte dos planetas levando uma recordação. São episódios voltados mais para a reflexão do público sobre temas mais mundanos, como o consumo e a mente fechada. Do meio para o fim, Clancy é pessoalmente envolvido e afetado pela história. Suas ações enfim provocam reações sentidas da pele e na consciência. Conforme ele vai ganhando mais desenvolvimento, as tramas passam a trazer reflexões mais pessoais, que lidam e afetam diretamente a mente humana e seus conceitos de existência – ou falta dela. É quando o “efeito bate pesado”. Dessa forma, o personagem fica bastante identificável e a mensagem passa a mexer diretamente com os sentimentos do espectador.Acho que vale a pena dedicar um parágrafo inteiro para o episódio final. Ao longo de pouco mais de 36 minutos, Pendleton Ward, que ficou famoso por criar Hora de Aventura, mostra que ele não apenas consegue provocar a reflexão e desgraçar sua cabeça, mas também mexer com um espectro humano extremamente difícil de ser abordado sem parecer superficial: o amor. Sem entrar em detalhes mais profundos, o último episódio promove um encontro fantástico e inesperado, e trabalha isso de maneira que fica fácil entender o motivo daquilo ter sido guardado para o final. Um verdadeiro soco no estômago e no coração, capaz de mexer com o emocional, com a nostalgia e com o sentido de vida de muita gente. Se você – sabe lá o motivo – achou o lance do amor de Interestelar profundo, meu amigo, você não sabe o que te aguarda aqui. Não é exagero chamar de obra de arte em forma de episódio.Enfim, é uma série excêntrica, ousada, reflexiva, divertida em certo pontos e cruel. Ela não cai no clichê de ser brutal apenas para chocar. Ela tem uma mensagem a ser transmitida e faz isso com maestria. E os episódios não são tão grandes, a média é de 25 minutos por capítulo. PORÉM, acho que cabe fazer um adendo. Se você não estiver muito bem da cabeça, psicologicamente falando, não sei até que ponto seria responsável mergulhar de cabeça no podcast ilustrado de Clancy Gilroy. Isso porque a série mexe com pontos delicadíssimos que podem não ajudar muito alguém que esteja passando por um momento forte de instabilidade emocional, por exemplo. Da mesma forma, se você se considera muito mente fechada, talvez não vá curtir tanto assim. Mas que fique claro: a “graça” da produção é entrar de mente aberta nesse mundo psicodélico que, no final das contas, não é tão distante do nosso quanto parece.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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