domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | The One – 1ª Temporada – A Tecnologia como Elemento macabro na atual era dos relacionamentos

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Os relacionamentos humanos mudaram bastante com o advento da democratização da internet e dos aplicativos e redes sociais. Isso já é uma obviedade, mas ainda assim, sempre rende reflexões filosóficas densas, haja vista a onda de problematizações que surgem quando o tema é tópico de uma roda de conversa, ensaio, artigo ou material para o desenvolvimento de documentários, filmes e narrativas seriadas.

Em ‘The One‘, mais uma produção sobre a manipulação de dados e intrusão da tecnologia no fator humano que envolve os relacionamentos, o tom policialesco é mesclado aos elementos basilares da ficção científica, num programa que traz para discussão algo que não está muito distante dos atuais matches do Tinder e seus semelhantes. Como sabemos e vivenciamos, hoje não estamos mais na janela, como Aurélia Camargo do romance Senhora, de José de Alencar, fazendo-se de vitrine para o cortejo de seu possível marido no futuro. Tampouco aderimos aos encontros furtivos após uma “olhada” num passeio pelo shopping ou naquele churrasco entre “amigos onde somos apresentados ao amigo solteiro de nosso amigo”. Aliás, corrijo. Ainda temos algumas interações assim, mas na era dos aplicativos de paquera, se tornou muito mais fácil recorrer ao virtual, outra versão do “real”.



 

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É muito mais confortável para a maioria. Lá você funda a sua narrativa, tem a tela como escudo para se esconder de uma rejeição. Pode narrar as coisas dentro de sua perspectiva e analisar o seu interesse para paquera ou sexo em várias nuances, desde os arquivos de fotos e vídeos ao processo de investigação da pessoa e seus costumes nas redes sociais. É uma era da qual nunca vivemos antes. Não há precedentes, apenas versões parecidas do que vivenciamos no passado, práticas agora aceleradas num presente que se faz vertiginoso. Quando abrimos um aplicativo como o Tinder e colocamos fotos, descrição do perfil e outros atrativos, estamos sim, semelhantes ao comportamento de vitrine da personagem romântica do século XIX. São suportes diferentes para a mesma busca. No atual panorama, no entanto, o esquema é mais acelerado e as opções são mais diversas. Ali, ficamos como produtos de uma vitrine que precisa ser atrativa, estudada, programada e forjada com os mais variados subterfúgios para alcançar o mínimo de aceitação e ser alvo de desejo alheio, para aumento dos nossos níveis de dopamina.

Inspirada na novela de John Marrs, The One é uma produção original Netflix em 08 episódios, todos na média tradicional de 45 minutos. Criada e escrita por Howard Overman, a série nos apresenta a trajetória de Rebecca (Hanna Ware), uma pesquisadora que desenvolve ao lado de James (Dimitri Leonidas), um serviço em aplicativo para descobrir quem é a “alma gêmea” do usuário cadastrado. A base para essa investigação é o DNA do envolvido, coletado para a busca da compatibilidade. Não é preciso muito para que você, leitor, compreenda que neste processo de descobertas e ousadia científica, as coisas comecem a dar errado por causa de um fator problemático no processo: o ser humano em sua sina eterna de insatisfação e curiosidade. Revolucionária, a proposta de Rebecca cria uma sociedade de matches, com pessoas realmente conectadas pela compatibilidade e outras interessadas em burlar o sistema para conseguir alcançar as suas conquistas e desejos. E assim, desde o começo, já sabemos que as coisas vão dar errado e uma trilha de mistério, mortes e segredos se estabelece.

No advento do projeto em The One, a tecnologia se apresenta como algo macabro, útil para a nossa vida em sociedade, numa atmosfera narrativa que tem todos os traços de uma distopia. Ao versar sobre relacionamentos na contemporaneidade, a série debate também o quanto a informação e os dados em nossa atual era servem como instrumentos de poder e dominação social. Na busca por facilitações diante de uma trajetória guiada por frustrações, os personagens se entregam ao universo do programa de compatibilidade, tendo como foco, encontrar respostas para suas inseguranças. Mais uma vez, os problemas: se o aplicativo delineia o seu par perfeito por meio do DNA, por qual motivo eu ainda vou insistir numa relação que caminha desgastada? Se o programa funciona de verdade, como faço para driblar o seu “algoritmo” ao trazer para a minha vida, uma pessoa que não possui compatibilidade comigo? Estamos o tempo inteiro diante das maravilhas da tecnologia, mas ao mesmo tempo, em busca de mecanismos para driblar os seus esquemas que muitas vezes, são discriminatórios, excludentes, etc.

Isso não é exatamente o que The One diz com exatidão, mas é o que podemos refletir diante da jornada de seus personagens. Como destaque, temos Kate (Zoe Tapper), detetive encarregada de resolver o que há por detrás da morte de Ben (Amir ElMasry), um dos envolvidos na pesquisa de Rebecca que aparece morto, misteriosamente, com indícios de assassinato, não suicídio ou acidente, como alguns imaginam. A investigadora se descobre par de Sophia (Jana Perez), uma garota complicada que sofre um acidente com um ciclista e se torna “uma pedra em seu sapato”, haja vista não ser tão disponível como informado no momento do match. E mais: ela vem acompanhada de um passado problemático que envolve seu pai e irmão, uma companheira, dentre outros tópicos caóticos.

Outro círculo de personagens com destaque é o de Hannah (Louis Chimimba) e Mark (Eric Kofi Abrefa). Eles vivem um relacionamento amoroso intenso, mas a jovem descobre que o match de seu amado é a sensual Megan (Pallavi Sharda), mulher que precisa ser afastada da vida do casal para que a relação continue em andamento. Há ainda outros personagens, mas todos no geral passam rapidamente em cena e não despertam muito o nosso interesse. Ademais, são figuras ficcionais captadas pela direção de fotografia assinada por Daniel Atherton, predominantemente fria, tal como o design de produção de Julian Fullalove, colaborador da atmosfera distópica proposta pela série que ainda conta com um bom trabalho musical na condução da textura percussiva assinada por Dave Rowntree e Ian Arber.

Ao longo da maratona, percebi como The One dialoga bastante com as ideias do livro Relacionamentos Amorosos na Era Digital, publicado pelas psicólogas Adriana Nunes e Maria Amélia Penido em 10 capítulos elucidativos. Os textos dialogam com os debates sobre as influências positivas e negativas da era digital na criação de conflitos e ansiedades na vida dos usuários na atualidade. Objetivo, o livro aponta que as interações no mundo virtual são semelhantes ao que consideramos real. Nos dois espaços, compartilhamos emoções, conversamos, fazemos novos amigos e até mesmo sexo. Terreno tratado como ciberpsicologia, este é um universo que ganhou sua popularização em meados dos anos 1990, era do surgimento das salas de bate-papo, seguidas do Orkut, Facebook, Instagram e aplicativos como Badoo, Tinder, Scruff, Grinder, dentre outros. É uma arena de expansão das possibilidades de relacionamentos, algo que deveria ser apenas positivo e ideal para o avanço da humanidade diante das novas possibilidades comunicacionais. Mas não é. Ao inserir DNA e intrusão mais agressiva do sistema nos aspectos físicos que compõem os seres humanos, The One demonstra que queremos muito, mas ainda não estamos preparados para as extensas possibilidades que nos surgem com o aparato de aplicativos e redes dispostas para o nosso consumo.

Dirigidos por Jeremy Lovering, Brady Hood e Catherine Morshead, os episódios seguem um ritmo bastante irregular, com momentos de maior intensidade mesclados ao marasmo que toma conta de boa parte das passagens. The One é uma série visualmente sofisticada, mas peca pela antipatia de seus personagens, desinteressantes em sua maioria, com posturas impeditivas para a nossa catarse. Se o elemento entretenimento é prejudicado por essa questão, o debate filosófico não se prejudica em nenhum momento.

Há, ao longo da produção, pontos de articulação com outras narrativas do mesmo universo, tais como Soulmates, Weird City, Osmosis e o famoso episódio Hang The DJ, da quarta temporada de Black Mirror. São produtos da atual industrial cultural que fornecem subsídios para refletirmos sobre a tecnologia face aos humanos e suas posturas imprevisíveis. Os dados da pesquisa podem ser exatos, mas o comportamento ainda é algo longe de passar por um processo retilíneo de robotização. São pessoas angustiadas, desesperadas, num constante jogo de manutenção de seus desejos mais básicos.

Como aponta a protagonista Rebecca num determinado episódio: “se vamos apostar, por que não jogar os dados e tirar um seis logo de cara?”. E isso que as pessoas desejam em The One, mas o preço da manutenção desse status é caro e nem todos conseguem pagar. Alegoricamente falando, é como juros de cartão de crédito e pagamento de agiotagem. A bola de neve do processo é gigantesca e depois da entrada, a saída pode ser demasiadamente complicada.

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Em ‘The One‘, mais uma produção sobre a manipulação de dados e intrusão da tecnologia no fator humano que envolve os relacionamentos, o tom policialesco é mesclado aos elementos basilares da ficção científica, num programa que traz para discussão algo que não está muito distante dos atuais matches do Tinder e seus semelhantes. Como sabemos e vivenciamos, hoje não estamos mais na janela, como Aurélia Camargo do romance Senhora, de José de Alencar, fazendo-se de vitrine para o cortejo de seu possível marido no futuro. Tampouco aderimos aos encontros furtivos após uma “olhada” num passeio pelo shopping ou naquele churrasco entre “amigos onde somos apresentados ao amigo solteiro de nosso amigo”. Aliás, corrijo. Ainda temos algumas interações assim, mas na era dos aplicativos de paquera, se tornou muito mais fácil recorrer ao virtual, outra versão do “real”.

 

É muito mais confortável para a maioria. Lá você funda a sua narrativa, tem a tela como escudo para se esconder de uma rejeição. Pode narrar as coisas dentro de sua perspectiva e analisar o seu interesse para paquera ou sexo em várias nuances, desde os arquivos de fotos e vídeos ao processo de investigação da pessoa e seus costumes nas redes sociais. É uma era da qual nunca vivemos antes. Não há precedentes, apenas versões parecidas do que vivenciamos no passado, práticas agora aceleradas num presente que se faz vertiginoso. Quando abrimos um aplicativo como o Tinder e colocamos fotos, descrição do perfil e outros atrativos, estamos sim, semelhantes ao comportamento de vitrine da personagem romântica do século XIX. São suportes diferentes para a mesma busca. No atual panorama, no entanto, o esquema é mais acelerado e as opções são mais diversas. Ali, ficamos como produtos de uma vitrine que precisa ser atrativa, estudada, programada e forjada com os mais variados subterfúgios para alcançar o mínimo de aceitação e ser alvo de desejo alheio, para aumento dos nossos níveis de dopamina.

Inspirada na novela de John Marrs, The One é uma produção original Netflix em 08 episódios, todos na média tradicional de 45 minutos. Criada e escrita por Howard Overman, a série nos apresenta a trajetória de Rebecca (Hanna Ware), uma pesquisadora que desenvolve ao lado de James (Dimitri Leonidas), um serviço em aplicativo para descobrir quem é a “alma gêmea” do usuário cadastrado. A base para essa investigação é o DNA do envolvido, coletado para a busca da compatibilidade. Não é preciso muito para que você, leitor, compreenda que neste processo de descobertas e ousadia científica, as coisas comecem a dar errado por causa de um fator problemático no processo: o ser humano em sua sina eterna de insatisfação e curiosidade. Revolucionária, a proposta de Rebecca cria uma sociedade de matches, com pessoas realmente conectadas pela compatibilidade e outras interessadas em burlar o sistema para conseguir alcançar as suas conquistas e desejos. E assim, desde o começo, já sabemos que as coisas vão dar errado e uma trilha de mistério, mortes e segredos se estabelece.

No advento do projeto em The One, a tecnologia se apresenta como algo macabro, útil para a nossa vida em sociedade, numa atmosfera narrativa que tem todos os traços de uma distopia. Ao versar sobre relacionamentos na contemporaneidade, a série debate também o quanto a informação e os dados em nossa atual era servem como instrumentos de poder e dominação social. Na busca por facilitações diante de uma trajetória guiada por frustrações, os personagens se entregam ao universo do programa de compatibilidade, tendo como foco, encontrar respostas para suas inseguranças. Mais uma vez, os problemas: se o aplicativo delineia o seu par perfeito por meio do DNA, por qual motivo eu ainda vou insistir numa relação que caminha desgastada? Se o programa funciona de verdade, como faço para driblar o seu “algoritmo” ao trazer para a minha vida, uma pessoa que não possui compatibilidade comigo? Estamos o tempo inteiro diante das maravilhas da tecnologia, mas ao mesmo tempo, em busca de mecanismos para driblar os seus esquemas que muitas vezes, são discriminatórios, excludentes, etc.

Isso não é exatamente o que The One diz com exatidão, mas é o que podemos refletir diante da jornada de seus personagens. Como destaque, temos Kate (Zoe Tapper), detetive encarregada de resolver o que há por detrás da morte de Ben (Amir ElMasry), um dos envolvidos na pesquisa de Rebecca que aparece morto, misteriosamente, com indícios de assassinato, não suicídio ou acidente, como alguns imaginam. A investigadora se descobre par de Sophia (Jana Perez), uma garota complicada que sofre um acidente com um ciclista e se torna “uma pedra em seu sapato”, haja vista não ser tão disponível como informado no momento do match. E mais: ela vem acompanhada de um passado problemático que envolve seu pai e irmão, uma companheira, dentre outros tópicos caóticos.

Outro círculo de personagens com destaque é o de Hannah (Louis Chimimba) e Mark (Eric Kofi Abrefa). Eles vivem um relacionamento amoroso intenso, mas a jovem descobre que o match de seu amado é a sensual Megan (Pallavi Sharda), mulher que precisa ser afastada da vida do casal para que a relação continue em andamento. Há ainda outros personagens, mas todos no geral passam rapidamente em cena e não despertam muito o nosso interesse. Ademais, são figuras ficcionais captadas pela direção de fotografia assinada por Daniel Atherton, predominantemente fria, tal como o design de produção de Julian Fullalove, colaborador da atmosfera distópica proposta pela série que ainda conta com um bom trabalho musical na condução da textura percussiva assinada por Dave Rowntree e Ian Arber.

Ao longo da maratona, percebi como The One dialoga bastante com as ideias do livro Relacionamentos Amorosos na Era Digital, publicado pelas psicólogas Adriana Nunes e Maria Amélia Penido em 10 capítulos elucidativos. Os textos dialogam com os debates sobre as influências positivas e negativas da era digital na criação de conflitos e ansiedades na vida dos usuários na atualidade. Objetivo, o livro aponta que as interações no mundo virtual são semelhantes ao que consideramos real. Nos dois espaços, compartilhamos emoções, conversamos, fazemos novos amigos e até mesmo sexo. Terreno tratado como ciberpsicologia, este é um universo que ganhou sua popularização em meados dos anos 1990, era do surgimento das salas de bate-papo, seguidas do Orkut, Facebook, Instagram e aplicativos como Badoo, Tinder, Scruff, Grinder, dentre outros. É uma arena de expansão das possibilidades de relacionamentos, algo que deveria ser apenas positivo e ideal para o avanço da humanidade diante das novas possibilidades comunicacionais. Mas não é. Ao inserir DNA e intrusão mais agressiva do sistema nos aspectos físicos que compõem os seres humanos, The One demonstra que queremos muito, mas ainda não estamos preparados para as extensas possibilidades que nos surgem com o aparato de aplicativos e redes dispostas para o nosso consumo.

Dirigidos por Jeremy Lovering, Brady Hood e Catherine Morshead, os episódios seguem um ritmo bastante irregular, com momentos de maior intensidade mesclados ao marasmo que toma conta de boa parte das passagens. The One é uma série visualmente sofisticada, mas peca pela antipatia de seus personagens, desinteressantes em sua maioria, com posturas impeditivas para a nossa catarse. Se o elemento entretenimento é prejudicado por essa questão, o debate filosófico não se prejudica em nenhum momento.

Há, ao longo da produção, pontos de articulação com outras narrativas do mesmo universo, tais como Soulmates, Weird City, Osmosis e o famoso episódio Hang The DJ, da quarta temporada de Black Mirror. São produtos da atual industrial cultural que fornecem subsídios para refletirmos sobre a tecnologia face aos humanos e suas posturas imprevisíveis. Os dados da pesquisa podem ser exatos, mas o comportamento ainda é algo longe de passar por um processo retilíneo de robotização. São pessoas angustiadas, desesperadas, num constante jogo de manutenção de seus desejos mais básicos.

Como aponta a protagonista Rebecca num determinado episódio: “se vamos apostar, por que não jogar os dados e tirar um seis logo de cara?”. E isso que as pessoas desejam em The One, mas o preço da manutenção desse status é caro e nem todos conseguem pagar. Alegoricamente falando, é como juros de cartão de crédito e pagamento de agiotagem. A bola de neve do processo é gigantesca e depois da entrada, a saída pode ser demasiadamente complicada.

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