A dependência é uma condição que, quando toma conta de alguém, se torna difícil de controlar. Quem vive ou viveu com alguém em seu convívio social que é dependente químico, emocional, financeiro etc, sabe o quão difícil é deixar esse estado. Porque depender é uma condição em que coloca o indivíduo a revelia de sua própria vontade, uma vez que é preciso alimentar e/ou responder ao vínculo invisível que a dependência cria, que amarra a pessoa numa posição de subjugação que muitas vezes têm consequências irreversíveis. Esse é o fio condutor do drama ‘The Outrun’, que teve exibições ao longo do Festival do Rio 2024 e que ainda não tem previsão de estreia em circuito brasileiro ou nos streamings.
Nora (Saoirse Ronan, de ‘Adoráveis Mulheres’ é uma jovem mulher de 29 anos em um relacionamento sério com Daynin (Paapa Essiedu, de ‘I May Destroy You’), com quem divide um apartamento em Londres. Mas a verdade é que não só o relacionamento deles não está bom, mas a própria vida de Nora está uma bagunça, uma vez que ela tem um problema de vício em bebidas alcoólicas e não consegue parar uma vez que começa, o que transforma qualquer evento em potencial auto humilhação. Sem saber muito como retomar as rédeas da própria vida, Nora retorna à Orkney, uma ilha no interior mais longínquo da costa da Escócia, onde vive seus pais, na esperança de se distanciar das tentações da capital e, assim, colocar sua vida nos eixos novamente.
Baseado no livro homônimo de Amy Liptrot, em poucos minutos fica claro ao espectador que ‘The Outrun’ mistura ficção e realidade com uma pitada de vida pessoal da produção envolvida. Amy co-escreve o roteiro com Nora Fingscheidt, adaptando o livro que é de memórias da própria Amy. A protagonista, Rona, além de ter um nome muito similar ao sobrenome da atriz principal – Ronan – tem comportamentos muito similares ao que já vimos em muitos outros trabalhos da atriz, como em ‘Lady Bird’ e ‘Desejo e Reparação’, fazendo com que realidade e ficção se misturem tanto na produção quanto no resultado final do filme.
‘The Outrun’, na verdade, pode ser resumido como a versão adulta da adolescente que conhecemos em ‘Lady Bird’. Se naquele filme ela era uma jovem rebelde com uma mãe controladora, que tinha impulsos irresistíveis e uma grande capacidade de se autodestruir, aqui conhecemos Rona, uma jovem mulher de 29 anos que ninguém sabe como se sustenta financeiramente, mas ela vive de bar em bar e de boate em boate em Londres bebendo todas e se metendo em muitas confusões às quais é conduzida pelo excesso de bebida. Um filme parece ser a sequência do outro.
De uma maneira bem próxima, ‘The Outrun’ busca retratar a personalidade caótica de uma mulher viciada em bebida alcóolica, com dificuldades de assumir o vício para si mesma e de manter qualquer tipo de tratamento para melhorar. Dessa forma, acompanhamos um ano bem caótico na vida de Rona, indo e vindo em suas viagens e em suas tentativas de cura, até um final totalmente simbólico e metafórico.
‘The Outrun’ tem boa atuação de Saoirse Ronan, mas não traz nada que já não tenhamos visto dela ou em outros filmes. Com belas paisagens e uma narrativa tão bagunçada quanto a vida da protagonista, o espectador tem dificuldades para sentir empatia ou para se conectar, devido as constantes ruptura com o arco dramático.