Crítica livre de spoilers.
O gênero do terror é um dos mais subestimados da sétima arte e, mesmo em 2024, é notável como produções desse estilo sofrem resistência em virtude de uma mentalidade mais tradicionalista e que não enxerga o terror como possibilidade artística. Sabemos que isso não é verdade, considerando o impacto que obras como ‘O Exorcista’, ‘Aliens, O Resgate’ e ‘Corra!’ tiveram no cenário do entretenimento – e isso se expande também para os slashers como ‘Halloween’, ‘Pânico’ e ‘A Hora do Pesadelo’. Em 2022, o diretor Ti West resolveu investir esforços em uma franquia inesperada que teve início com ‘X – A Marca da Morte’, uma história centrada em um grupo de cineastas e atores amadores que, tentando gravar um filme pornô, se tornou alvo de uma dupla de assassinos em séries lunáticos.
Para além das críticas extremamente positivas e uma aceitação pública, a produção abriu espaço para uma pré-sequência de igual sucesso intitulada ‘Pearl’, que permitiu explicar os motivos da serial killer titular e arrancar mais uma atuação impecável de Mia Goth. Agora, em 2024, ele nos presenteia com o último capítulo dessa incrível trilogia com ‘MaXXXine’, construindo uma homenagem a clássicos suspenses neo-noir sem se afastar da identidade calcada nos longas anteriores. O resultado é uma surpreendente incursão que reitera tanto a genial mente de West como um dos grandes diretores do terror, quanto a versatilidade performática de Goth (sagrando-a como uma das maiores atrizes de sua geração).
Após os trágicos eventos de ‘X – A Marca da Morte’, Maxine Minx (Goth) se muda para Hollywood para alavancar sua carreira como atriz – mas se vê em uma vida que oscila entre stripper em casas noturnas e participações em filmes adultos. Todavia, após participar de uma audição para um ambicioso longa de terror dirigido pela taciturna Elizabeth Bender (Elizabeth Debicki), ela consegue o papel principal e acredita que irá deslanchar como uma das maiores estrelas do cinema. Isto é, até ela perceber que está sendo caçada por um perigoso assassino enquanto é ameaçada por um de seus comparsas, o detetive particular John Labat (Kevin Bacon). A partir daí, Maxine percebe que precisará enfrentar mais uma vez seus demônios interiores para colocar um fim nesse sangrento e inquebrável ciclo de morte.
Há uma beleza distorcida que se transmuta em algo emblemático conforme a narrativa vai se desenrolando: Maxine é fruto não apenas do lugar onde está, inserida em um contexto quase determinista que dita as regras que precisa seguir se deseja alcançar seu objetivo primário, como pega tais condições para transformá-las em um diabólico exagero pautado na ideia de sociedade do espetáculo. E, considerando que seu sonho é ter fama, ela emerge como um símbolo crítico do quão longe as pessoas estão dispostas a ir para conquistá-la – e de que forma esse culto ao reconhecimento celebratório e à validação de terceiros é uma faca de dois gumes. Afinal, todos aqueles próximos a ela estão sendo sumariamente eliminados da cena, como se fossem ratos de laboratório para um propósito maquiavélico.
A exploração dessa temática não seria possível sem as icônicas referências trazidas e abraçadas com esmero por West. Como mencionado nos parágrafos acima, o enredo é permeado por um apreço ao neo-noir e, dessa forma, o cineasta mergulha de cabeça em ‘Chinatown’ e ‘Taxi Driver’ para arquitetar uma ambientação de mistério e suspense que explode em cores vermelhas, um jogo de luz e sombra apaixonante e visceral, e uma predileção fantástica por uma montagem que antecipa os principais acontecimentos sem entregar todas as cartas do jogo aos espectadores. Mais do que isso, as inflexões slasher prestam homenagem a ‘Pânico 3’, por exemplo, inclusive na metalinguagem e nas sequências de perseguição. Cada engrenagem funcionando em simbiose envolvente com a outra e garantindo que a experiência da audiência seja maximizada nos detalhes.
Falar de Goth parece redundante a essa altura do campeonato, dada as performances irretocáveis nas iterações predecessoras – mas percebemos uma gradativa evolução em seu arco que se concretiza com a confluência entre os traumas enfrentados e seu desejo irrefreável de alcançar o estrelato. Mas ela não está sozinha e é acompanhada de um trabalho primoroso de Bacon e Debicki em papéis bem delineados e à par da estética apresentada. Outros acabam sendo ofuscados, como Lily Collins (que, dando vida a Molly Bennett, não tem tempo de tela o suficiente para nos apaixonarmos por ela) e Giancarlo Esposito (cuja força como Teddy Knight, agente de Maxine, desponta ocasionalmente até atingir um ápice repentino e um consequente platô).
De qualquer forma, os pontuais problemas não têm força o bastante para ofuscar a beleza técnica, estética e narrativa que insurge com a incrível potência de ‘MaXXXine’. Seja com a sagaz beleza metadiegética do título, seja com os esforços em conjunto de cada uma das partes envolvidas na produção da obra, o terceiro capítulo da franquia ‘X’ a cimenta como uma das melhores das últimas décadas e ajuda a reafirmar o terror como arte de maneira aplaudível e consistente.