sábado , 23 novembro , 2024

Crítica TIFF | A Lavanderia – Meryl Streep é o reflexo da corrupção em hilária dramédia da Netflix

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Filme Assistido durante o Festival de Toronto 2019

Elementos artificiais compõem a cena, entregando um visual plástico e sintético. Antonio Banderas e Gary Oldman surgem na tela, delineados em trajes formais, como apresentadores de uma versão caótica de um programa da Discovery Channel. Partindo dos fundamentos da raça humana, em seus primórdios animalescos, eles tentam fazer valer seus argumentos sobre uma espécie de corrupção legalizada (e porque não legalista também?), que se apropria de uma legislação em frangalhos e cheia de brechas para traçar sua rota do crime de colarinho branco. E como os vilões da trama, a narrativa se desenrola em ironias nascidas de seus próprios conceitos de certo e errado, em uma tentativa esdrúxula e – incabível – de defenderem seus argumentos diante do julgamento mais cruel: o da própria opinião popular.



A Lavandeira, nova produção de Steven Soderbergh pela Netflix, é um conto irreverente sobre o famoso caso dos Documentos de Panamá, um escândalo envolvendo um conjunto de 11,5 milhões de documentos confidenciais, de autoria do escritório de advocacia Mossack Fonseca, e que trazem detalhes específicos de mais de 214 mil empresas de paraísos fiscais offshore, revelando as respectivas identidades de seus acionistas e administradores. E em meio a essa enorme papelada – que possui amparo pela lei, descobriu-se que algumas das companhias de fachada mencionadas podem ter sido usadas para fins ilegais, incluindo fraude, tráfico de drogas e evasão fiscal. E entre os mais de 40 países citados, o Brasil reluz com seu infindável esquema envolvendo a Odebrecht.

A comédia dramática possui os arquétipos mais amáveis em uma boa e velha história contada por Soderbergh. Sob o roteiro de Scott Z. Burns, o mesmo responsável pela brilhante cinebiografia The Report – uma das grandes promessas do Oscar 2020, o cineasta transforma sua narrativa inspirada em fatos reais em uma alegoria cômica, que traz para o centro das telas a dupla de advogados dona de toda a papelada que compõem os Documentos de Panamá. Apresentando-os de maneira caricata, observamos a trama se desenrolar a partir de uma ótica vilanesca bem divertida, na tentativa fracassada de conferir um campo aberto para defesa de suas atitudes desprezíveis e criminosas, por meio das cativantes atuações de Banderas e Oldman. Nesse atmosfera, Meryl Streep interpreta Ellen Martin, o lado mais fraco dessa corda, a base da cadeia alimentar servida para deliciar os bandidos de alto escalão sócio político. Sua trágica história de um passeio romântico que foi – literalmente – por água abaixo serve como o alicerce que fundamenta o real peso dos crimes cometidos por grandes empresas, que se envolvem em esquemas corruptos com chefes de Estado como tráfico de influência, caixa dois, extensões de desvios de verbas, entre tantos outros.

E a partir da busca por respostas e da responsabilização por parte da empresa que executou um passeio em um lago – onde seu esposo e tantas outras vítimas tiveram suas vidas ceifadas -, Martin acidentalmente descobrirá um esquema corrupto que não apenas justificará as mazelas mais recentes da sua vida, mas também a colocará como um reflexo didático e cruel do que a corrupção é capaz de fazer na vida da sociedade em geral. Se dizem que a roubalheira não mata, a história da personagem de Streep projeta um óbvio holofote contrariando a argumentação fajuta. E nós, como bons brasileiros, sabemos que ela mata e assim segue o fazendo em inesgotáveis filas de prontos socorros, UPAs e Postos de Saúde da Família. E usando a sátira como uma forma antagônica de justificar seu posicionamento, Soderbergh e Z. Burns dão uma aula didática sobre a corrupção em suas várias facetas, quebrando ainda a quarta parede para garantir que seus argumentos estejam sendo direcionados e absorvidos pelo público mais importante, o de cinéfilos – que também pagam seus impostos, votam nas eleições e que, naturalmente, são frutos inerentes de toda essa criminalidade maquiada em ternos de alta costura.

Irônico e divertido, A Lavanderia não promove o riso a partir da catástrofe, mas sim das enfadonhas negações dos alvos corruptos. Como um tipo de espelho dos próprios políticos com os quais temos convivido há décadas, Banderas e Oldman representam aqueles prefeitos, governadores, deputados, vereadores, ministros e presidentes que – na cara de pau – insistem em suas tenras e absolutas inocências diante de fatos incontestáveis. E a cada novo quadro pintado diante da audiência, a corrupção vai ganhando novas faces, em meio a uma narrativa quase que staged em sua totalidade, se desabrochando de maneira bem teatral e um pouquinho exagerada, exatamente com o objetivo de fazer o público perceber que estamos diante de uma análise de fatos e não tanto de uma dramatização deles. E assim, Streep, Banderas e Oldman se transformam em um trio perfeito de atuações, cada qual com suas peculiaridades. O último ainda rouba a cena, com uma voz de pleno lamento e lamúrias, em um sotaque arrastado que nos faz rir – mas que nos faria chorar em uma convivência real.

Mas a joia rara da comédia dramática, mais uma vez, reside na belíssima e surpreendente atuação de Streep. Habituados a sermos arrebatados por ela, Soderbergh desafia nossa compreensão de quem a atriz genuinamente é, posicionando-a como um elemento surpresa que extasia a audiência. Despindo-se diante do público em um belo monólogo, estruturado com maestria por Z. Burns, ela revela sua genuína identidade, toca na ferida escancarada que é a corrupção – sem pestanejar, em um plano sequência impecável. Com seus olhos penetrantes, que absorvem o cinema por inteiro, ela dá o seu recado, sem maquiagem, sem trajes artificiais e sem perucas. Plena e reluzente, ela percorre pela plasticidade adjacente dos sets e faz de A Lavanderia um filme que vai além da sátira, se tornando um latente instrumento denunciante que ainda conseguiu ser um tapa na cara da classe corrupta mundial.

 

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A Lavandeira, nova produção de Steven Soderbergh pela Netflix, é um conto irreverente sobre o famoso caso dos Documentos de Panamá, um escândalo envolvendo um conjunto de 11,5 milhões de documentos confidenciais, de autoria do escritório de advocacia Mossack Fonseca, e que trazem detalhes específicos de mais de 214 mil empresas de paraísos fiscais offshore, revelando as respectivas identidades de seus acionistas e administradores. E em meio a essa enorme papelada – que possui amparo pela lei, descobriu-se que algumas das companhias de fachada mencionadas podem ter sido usadas para fins ilegais, incluindo fraude, tráfico de drogas e evasão fiscal. E entre os mais de 40 países citados, o Brasil reluz com seu infindável esquema envolvendo a Odebrecht.

A comédia dramática possui os arquétipos mais amáveis em uma boa e velha história contada por Soderbergh. Sob o roteiro de Scott Z. Burns, o mesmo responsável pela brilhante cinebiografia The Report – uma das grandes promessas do Oscar 2020, o cineasta transforma sua narrativa inspirada em fatos reais em uma alegoria cômica, que traz para o centro das telas a dupla de advogados dona de toda a papelada que compõem os Documentos de Panamá. Apresentando-os de maneira caricata, observamos a trama se desenrolar a partir de uma ótica vilanesca bem divertida, na tentativa fracassada de conferir um campo aberto para defesa de suas atitudes desprezíveis e criminosas, por meio das cativantes atuações de Banderas e Oldman. Nesse atmosfera, Meryl Streep interpreta Ellen Martin, o lado mais fraco dessa corda, a base da cadeia alimentar servida para deliciar os bandidos de alto escalão sócio político. Sua trágica história de um passeio romântico que foi – literalmente – por água abaixo serve como o alicerce que fundamenta o real peso dos crimes cometidos por grandes empresas, que se envolvem em esquemas corruptos com chefes de Estado como tráfico de influência, caixa dois, extensões de desvios de verbas, entre tantos outros.

E a partir da busca por respostas e da responsabilização por parte da empresa que executou um passeio em um lago – onde seu esposo e tantas outras vítimas tiveram suas vidas ceifadas -, Martin acidentalmente descobrirá um esquema corrupto que não apenas justificará as mazelas mais recentes da sua vida, mas também a colocará como um reflexo didático e cruel do que a corrupção é capaz de fazer na vida da sociedade em geral. Se dizem que a roubalheira não mata, a história da personagem de Streep projeta um óbvio holofote contrariando a argumentação fajuta. E nós, como bons brasileiros, sabemos que ela mata e assim segue o fazendo em inesgotáveis filas de prontos socorros, UPAs e Postos de Saúde da Família. E usando a sátira como uma forma antagônica de justificar seu posicionamento, Soderbergh e Z. Burns dão uma aula didática sobre a corrupção em suas várias facetas, quebrando ainda a quarta parede para garantir que seus argumentos estejam sendo direcionados e absorvidos pelo público mais importante, o de cinéfilos – que também pagam seus impostos, votam nas eleições e que, naturalmente, são frutos inerentes de toda essa criminalidade maquiada em ternos de alta costura.

Irônico e divertido, A Lavanderia não promove o riso a partir da catástrofe, mas sim das enfadonhas negações dos alvos corruptos. Como um tipo de espelho dos próprios políticos com os quais temos convivido há décadas, Banderas e Oldman representam aqueles prefeitos, governadores, deputados, vereadores, ministros e presidentes que – na cara de pau – insistem em suas tenras e absolutas inocências diante de fatos incontestáveis. E a cada novo quadro pintado diante da audiência, a corrupção vai ganhando novas faces, em meio a uma narrativa quase que staged em sua totalidade, se desabrochando de maneira bem teatral e um pouquinho exagerada, exatamente com o objetivo de fazer o público perceber que estamos diante de uma análise de fatos e não tanto de uma dramatização deles. E assim, Streep, Banderas e Oldman se transformam em um trio perfeito de atuações, cada qual com suas peculiaridades. O último ainda rouba a cena, com uma voz de pleno lamento e lamúrias, em um sotaque arrastado que nos faz rir – mas que nos faria chorar em uma convivência real.

Mas a joia rara da comédia dramática, mais uma vez, reside na belíssima e surpreendente atuação de Streep. Habituados a sermos arrebatados por ela, Soderbergh desafia nossa compreensão de quem a atriz genuinamente é, posicionando-a como um elemento surpresa que extasia a audiência. Despindo-se diante do público em um belo monólogo, estruturado com maestria por Z. Burns, ela revela sua genuína identidade, toca na ferida escancarada que é a corrupção – sem pestanejar, em um plano sequência impecável. Com seus olhos penetrantes, que absorvem o cinema por inteiro, ela dá o seu recado, sem maquiagem, sem trajes artificiais e sem perucas. Plena e reluzente, ela percorre pela plasticidade adjacente dos sets e faz de A Lavanderia um filme que vai além da sátira, se tornando um latente instrumento denunciante que ainda conseguiu ser um tapa na cara da classe corrupta mundial.

 

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