domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Titane | Outra vez Julia Ducournau faz a plateia passar mal, mas não seduz

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Expectativas foram criadas depois do estonteante debut da jovem diretora francesa Julia Ducournau em 2016. Com Grave (Raw), a iniciante conseguiu cativar os fãs do horror visceral e os amantes da fotografia com uma heroína em descoberta da sua própria identidade e apetite sexual. Por outro lado, lançado no Festival de Cannes 2021, Titane, seu segundo longa, possui um enredo frio, incômodo e pouco envolvente, mas fez a plateia querer vomitar

Depois de um acidente de carro ainda criança, Alexia (Agathe Rousselle) é obrigada a conviver com um placa de titânio na sua cabeça. A primeira cena apresenta o acontecimento derivado de uma banalidade e um pai negligente. Com o passar dos anos, a aparência distinta pelo metal e a cicatriz torna-se parte da sua personalidade dissociativa. Ela trabalha como dançarina exótica em cima de carros e possui estranhos admiradores. 



Logo após sair do hospital, ainda pequena, a menina beija o carro o qual a tornou, em parte, esculpida em metal. O híbrido máquina e humano é o grande mote da narrativa de Julia Ducournau. Após experimentar uma noite de sexo sem proteção com o automóvel, Alexia encontra-se grávida e entre as suas pernas escorre um óleo negro e viscoso, como se em suas veias corressem gasolina no lugar de sangue.

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A partir de então, o enredo torna-se um sequência de cenas projetadas para causar mal estar e perturbar o espectador. Ao dar-se conta da gravidez, ela tenta um aborto com as próprias mãos por meio de um “palito de cabelo”. Apesar da utilidade de prender suas mechas, o “palito” é uma verdadeira arma em suas mãos e não apenas contra o próprio feto. 

Além da tentativa de aborto, duas outras cenas causam arrepios. A primeira é durante o sexo com a companheira de trabalho Justine (Garance Marillier) – protagonista do primeiro filme da diretora. Ela tenta arrancar a dente o piercing no mamilo da menina. O segundo momento é quando ela decide passar-se por um rapaz desaparecido há anos para fugir da polícia. Para isso, ela quebra o próprio nariz o esmagando contra a pia do banheiro. 

Se no primeiro filme da diretora existiam cenas de fazer revirar o estômago, elas estavam atreladas a um objetivo bem delimitado e sedutor. Em Titane, o suspense da história fica por conta do bebê automobilístico a desenvolver-se em um corpo humano. A protagonista, no entanto, é completamente opaca. Em uma mistura de Crash – Estranhos Prazeres (1996), de David Cronenberg, e Eraserhead (1977), de David Lynch, a estranha fábula tem o seu encanto fotográfico e um ambientação hipnótica, mas não nos engaja à Alexia. 

Para incrementar o enredo, Vincent (Vincent Lindon), o pai do menino desaparecido Adrien (o qual Alexia o incorpora fazendo suas formas femininas desaparecer), a acolhe em sua casa sem exame de DNA ou demais perguntas. Perturbado psicologicamente e bastante musculoso aos 62 anos, o ator representa o limite da estrutura humana com injeções de drogas para fortificá-lo. Um paralelo que causa tensão sobre o flagelo do corpo a partir das mutilações realizadas por Alexia e o combate ao fogo, já que ele é um bombeiro. 

Titane testa o limite entre a força bruta humana e a potência mecânica. Entre as dores contínuas e uma coceira incessante, que faz Alexia esfolar a própria barriga, a tensão é projetada pelo nascimento do fruto de uma noite de luxúria entre o automóvel e a protagonista. A cena do parto, no entanto, não gera o ápice pretendido. Apesar da possível alusão a Alien, o Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott, o nascimento é uma derrota para Alexia e uma redenção para Vicente, depois de uma estranha proximidade entre ele e seu filho postiço Adrien. 

Assim como Jordan Peele, Julia Ducournau derrapou na síndrome do segundo filme fantástico, isto é, após uma estonteante estreia no cinema, tal como Corra! (2017), de Peele, a diretora não consegue manter o charme e a surpresa do primeiro projeto. Com Nós (2019), Jordan criou um interessante mundo particular, mas que não conseguiu amarrar seus próprios nós. Já em Titane, a cineasta francesa apresenta um show desguarnecido de horrores e perturbação. Sob a agenda da perversão pode até entreter, mas precisa de mais contexto para marcar o público. 

 

** Filmes visto no Festival de Cannes em 14 de julho. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Depois de um acidente de carro ainda criança, Alexia (Agathe Rousselle) é obrigada a conviver com um placa de titânio na sua cabeça. A primeira cena apresenta o acontecimento derivado de uma banalidade e um pai negligente. Com o passar dos anos, a aparência distinta pelo metal e a cicatriz torna-se parte da sua personalidade dissociativa. Ela trabalha como dançarina exótica em cima de carros e possui estranhos admiradores. 

Logo após sair do hospital, ainda pequena, a menina beija o carro o qual a tornou, em parte, esculpida em metal. O híbrido máquina e humano é o grande mote da narrativa de Julia Ducournau. Após experimentar uma noite de sexo sem proteção com o automóvel, Alexia encontra-se grávida e entre as suas pernas escorre um óleo negro e viscoso, como se em suas veias corressem gasolina no lugar de sangue.

A partir de então, o enredo torna-se um sequência de cenas projetadas para causar mal estar e perturbar o espectador. Ao dar-se conta da gravidez, ela tenta um aborto com as próprias mãos por meio de um “palito de cabelo”. Apesar da utilidade de prender suas mechas, o “palito” é uma verdadeira arma em suas mãos e não apenas contra o próprio feto. 

Além da tentativa de aborto, duas outras cenas causam arrepios. A primeira é durante o sexo com a companheira de trabalho Justine (Garance Marillier) – protagonista do primeiro filme da diretora. Ela tenta arrancar a dente o piercing no mamilo da menina. O segundo momento é quando ela decide passar-se por um rapaz desaparecido há anos para fugir da polícia. Para isso, ela quebra o próprio nariz o esmagando contra a pia do banheiro. 

Se no primeiro filme da diretora existiam cenas de fazer revirar o estômago, elas estavam atreladas a um objetivo bem delimitado e sedutor. Em Titane, o suspense da história fica por conta do bebê automobilístico a desenvolver-se em um corpo humano. A protagonista, no entanto, é completamente opaca. Em uma mistura de Crash – Estranhos Prazeres (1996), de David Cronenberg, e Eraserhead (1977), de David Lynch, a estranha fábula tem o seu encanto fotográfico e um ambientação hipnótica, mas não nos engaja à Alexia. 

Para incrementar o enredo, Vincent (Vincent Lindon), o pai do menino desaparecido Adrien (o qual Alexia o incorpora fazendo suas formas femininas desaparecer), a acolhe em sua casa sem exame de DNA ou demais perguntas. Perturbado psicologicamente e bastante musculoso aos 62 anos, o ator representa o limite da estrutura humana com injeções de drogas para fortificá-lo. Um paralelo que causa tensão sobre o flagelo do corpo a partir das mutilações realizadas por Alexia e o combate ao fogo, já que ele é um bombeiro. 

Titane testa o limite entre a força bruta humana e a potência mecânica. Entre as dores contínuas e uma coceira incessante, que faz Alexia esfolar a própria barriga, a tensão é projetada pelo nascimento do fruto de uma noite de luxúria entre o automóvel e a protagonista. A cena do parto, no entanto, não gera o ápice pretendido. Apesar da possível alusão a Alien, o Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott, o nascimento é uma derrota para Alexia e uma redenção para Vicente, depois de uma estranha proximidade entre ele e seu filho postiço Adrien. 

Assim como Jordan Peele, Julia Ducournau derrapou na síndrome do segundo filme fantástico, isto é, após uma estonteante estreia no cinema, tal como Corra! (2017), de Peele, a diretora não consegue manter o charme e a surpresa do primeiro projeto. Com Nós (2019), Jordan criou um interessante mundo particular, mas que não conseguiu amarrar seus próprios nós. Já em Titane, a cineasta francesa apresenta um show desguarnecido de horrores e perturbação. Sob a agenda da perversão pode até entreter, mas precisa de mais contexto para marcar o público. 

 

** Filmes visto no Festival de Cannes em 14 de julho. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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