A franquia ‘Venom’, ambientada no mesmo universo de ‘Homem-Aranha’, parte de uma premissa bastante simples e que apresenta uma nova configuração ao icônico antagonista das narrativas envolvendo o Cabeça de Teia. Estrelada por Tom Hardy, a produção se afasta das costumeiras investidas envolvendo o personagem em questão e mergulha em uma espécie de comédia de ação despreocupada e desengonçada que mais vale por seu nonsense do que por qualquer outra coisa. E, após dois filmes totalmente descompensados – mas divertidos -, somos convidados para a conclusão da trilogia com ‘Venom: A Última Dança’.
Seguindo os passos do capítulo anterior, o terceiro capítulo da saga super-heroica traz Eddie Brock/Venom (Hardy) em constante fuga – visto que deve se esconder das autoridades federais que o acusam de assassinato, e também de forças intergalácticas que desejam não apenas destruir o simbionte atrelado a seu corpo, mas utilizar uma configuração conhecida como códex (e escondido nas entranhas de seu ser) para libertar uma força maligna e mortal de sua prisão nos confins do universo. A partir daí, Eddie se vê em uma corrida não apenas para salvar a si próprio, mas para salvar toda a existência do cosmos – em uma aventura sem pé nem cabeça que vale a pena apenas pela performance descompromissada de Hardy.
O filme é comandado por Kelly Marcel em sua estreia diretorial – um movimento arriscado da Sony Pictures, considerando o sucesso financeiro da franquia com os dois capítulos anteriores. Marcel, que fica responsável pelo roteiro a partir de uma história criada ao lado de Hardy, não é nenhuma estranha ao universo super-heroico que se desenrola nas telonas, mas carrega consigo um trabalho cinematográfico um tanto quanto duvidoso. Afinal, ela assinou as narrativas de produções como ‘50 Tons de Cinza’, por exemplo, o que, de certa maneira, poderia dar indicativo da farofada inescapável de ‘A Última Dança’. O resultado não poderia ser outro: com exceção de pontuais brilhos na performance do elenco, a obra é uma inescrupulosa amálgama de gêneros que não sabe em qual direção seguir e que falha em quase todos os quesitos técnicos e criativos.
Marcel soa frágil ao comandar a produção: de certa forma, ela poderia se inspirar nas incursões do primeiro capítulo, lançado em 2018, e arquitetar um simples enredo road-trip que emula os anos 1990 com nostalgia inegável; porém, a cineasta mergulha de cabeça em ambições que, sem sombra de dúvida, não cabem em um projeto como esse, expandindo o arco para personagens esquecíveis e descartáveis apenas para fazer uso do poder de estrelato de nomes como Juno Temple e Chiwetel Ejiofor. É notável como, caso quiséssemos tirar suas respectivas personas da trama, nada mudaria – e, de fato, deixaria uma desengonçada jornada um tanto quanto mais enxuta e aprazível.
Cada ato do longa-metragem emerge como um pout-pourri cujas partes não se encaixam: de um lado, o lado cômico de Eddie e Venom está mais ácido do que nunca, protagonizando breves sequências de ação que, ao menos, tiram um pouco de risada dos espectadores; de outro, um genérico sci-fi alienígena que não traz qualquer elemento de originalidade e parece ter jogado os diálogos em um liquidificador movido à inteligência artificial – e o pior: as falas são entregues com tamanho preciosismo que não temos nada a fazer além de crispar os lábios na mais pura vergonha (e, até agora, me pergunto qual dívida Temple tinha com o estúdio para aceitar participar desse projeto).
Enquanto a direção e o roteiro gritam em uma urgência desconforme, a montagem de Mark Sanger não ajuda no tocante ao ritmo. As cenas são despedaçadas em fragmentos incompletos, sendo interrompidas em uma pífia tentativa de alcançar um clímax; ademais, a edição dá a entender que a multiplicidade de subtramas tem alguma importância para compreendermos a jornada de Eddie e Venom quando, na verdade, irrompem como tapa-buracos cansativos e imemoráveis. A fotografia insípida de Fabian Wagner transforma o filme em um descarte de Michael Bay (mas sem o mesmo apelo de espetáculo). Ao menos a escolha das músicas condiz com o teor despojado do filme, enquanto os efeitos visuais cumprem com o pretendido desde os minutos iniciais.
Contando com duas cenas pós-créditos, ‘Venom: A Última Dança’ comete o erro de desperdiçar a presença de um ótimo vilão ao dar atenção a antagonistas secundários que fazem o mais do mesmo, em uma emulação risível de ‘Vingadores’. Eventualmente, o capítulo final (ou assim esperamos) é uma descompassada coreografia que não arranca nada além de poucos aplausos forçados – em um agradecimento pelos créditos de encerramento não demorarem muito para subir às telas.