Crítica livre de spoilers.
A franquia ‘Transformers’ é uma das mais conhecidas de todos os tempos e expande-se de uma forma multimidiática – ou seja, que engloba cinema, televisão, quadrinhos, brinquedos e muitos outros. E, após o fracasso retumbante de ‘O Último Cavaleiro’, lançado em 2017, a Paramount Pictures resolveu revitalizar a saga cinematográfica com o ótimo ‘Bumblebee’ – uma história de origem para um dos personagens mais amados desse explosivo universo. Agora, somos agraciados com uma espécie de soft reboot intitulado ‘Transformers: O Despertar das Feras’ (ambientado pouco depois do longa solo supracitado e antes dos acontecimentos da série comandada por Michael Bay.
A narrativa nos transporta de volta para a Nova York dos anos 1990, em que a fervilhante metrópole reluzia com a ascensão do hip hop e das comunidades afrodescendentes e latinas – vistas com olhos de desprezo pela burguesia branca. Como foco principal, acompanhamos o jovem gênio da tecnologia Noah Diaz (Anthony Ramos), um ex-militar que mora no Brooklyn com a mãe e com o irmão mais novo e que faz tudo o que pode para ajudá-los. Entretanto, quando perde mais uma oportunidade de trabalho por um histórico que levanta suspeitas em seus superiores, Noah recorre a um último recurso para levar dinheiro para casa – roubar um carro de luxo. O que ele não imaginava é que o carro, na verdade, era apenas a forma adormecida e metamorfa de Mirage (Pete Davidson), um Autobot a serviço de Optimus Prime (Peter Cullen) que serve como espião contra forças externas e ameaçadoras.
E isso não é tudo: à medida que se envolve com esses robôs gigantes, Noah se vê no centro de uma batalha que premedita a continuidade ou a destruição do próprio planeta Terra e até mesmo do universo. Afinal, Optimus e seus companheiros, tentando encontrar uma forma de voltar para casa, enfrentam os temíveis Terrorcons, carniceiros das trevas que servem ao poderoso Unicron (Colman Domingo) e que querem colocar as mãos em uma arma (conhecida como Chave Transwarp), cuja principal característica é atravessar as barreiras entre as dimensões – ou seja, podendo ser utilizada para o bem ou para o mal.
Se você acreditava que a história já estava sólida o suficiente, o transbordante roteiro assinado por Joby Harnold, Darnell Metayer, Josh Peters, Erich Hoeber e Jon Hoeber acrescenta ainda mais subtramas para complicar essa engrenagem sci-fi e envolve a presença de uma brilhante arqueóloga chamada Elena Wallace (Dominique Fishback), responsável por ativar e encontrar a chave, e uma raça de criaturas denominada Maximals – que fugiram de seu planeta natal após enfrentarem Unicron e se refugiaram na Terra para proteger a chave. E sim, todas essas incursões narrativas se aglomeram em mais de duas horas de tela, pinceladas com as conhecidas cenas de ação da franquia e com inflexões dramáticas que entrelaçam família, amor, solidariedade e sacrifício.
De forma geral, não há de novo para se ver por aqui – mas isso não necessariamente é um problema. O diretor Steven Caple Jr., conhecido por seu trabalho em ‘Creed II’, sabe como guiar a câmera para garantir que estejamos envolvidos em cada uma das sequências; todavia, ele tem ciência de que trazer originalidade a um enredo desse gênero é uma tarefa difícil e, por isso, aposta fichas em uma clássica jornada do herói que nos satisfaz do começo ao fim. Afinal, Noah é arrancado do mundo em que vive e perpassa pelos mais diversos obstáculos até aprender o valor do martírio e ressurgir como um “vingador” que protege aqueles que ama e seus aliados; e, de certa maneira, ele nutre de semelhanças inconfundíveis com um melancólico Optimus que sofre por ter falhado e por colocar todos em perigo. Ambos mergulham em um arco de amadurecimento mandatório que preza pela união e pela força conjunta, em vez de defender a inospitabilidade da solidão.
Caple também pega elementos emprestados de Travis Knight em ‘Bumblebee’ para encontrar uma estabilidade entre conteúdo e espetáculo; o resultado é sólido o bastante para não deixar o filme descarrilhar por completo, abraçando uma estética mais clean e que permite que cada elemento tenha destaque como uma unidade, e não como fragmentos esporádicos. Isso não significa que não existam erros – afinal, a quantidade absurda de protagonistas e coadjuvantes impede que alguns arcos sejam aprofundados como deveriam, permanecendo em uma tristonha superficialidade que aposta na nostalgia desenfreada e nas fórmulas do gênero. Mas, no final das contas, saímos da sala com uma sensação de puro prazer e que o longa entregou exatamente aquilo que propunha – uma diversão sem fim, da qual é impossível desviar os olhos.
‘Transformers: O Despertar das Feras’ é, de fato, uma das melhores entradas da franquia, abrindo um leque de oportunidades para os dois próximos capítulos que já foram confirmados. Problemas à parte, garanto que seu ingresso não será jogado fora – e não se esqueça de ficar na sala após os créditos finais (você não vai se arrepender).