O Festival Eurovision é um dos maiores festivais de música do mundo e teve sua primeira edição em 1956. Idealizado por Marcel Bezençon e supervisionado até hoje por Jon Ola Sand, a competição reúne artistas de diversos países europeus (ocidentais ou orientais) que entregam para um fanático público algumas das melhores canções do ano, explorando as tendências fonográficas de modo espetacular, teatral e bastante emocionante. Em ‘Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars’, a suposta sátira cômica estrelada por Will Ferrell e Rachel McAdams acaba saindo pela culatra e, por mais oscilante que seja, eventualmente entrega uma explosiva trilha sonora que reflete a essência do evento em questão – com o único pecado de ser efêmera demais para a majestosa importância do qual ela se nutre.
Infundido com inflexões deliciosamente camp e propositalmente exageradas, cada track é adornada com elementos nostálgicos que entram em conflito exultante com os estilos contemporâneos, resgatando uma época estampada pelos rostos de Conchita Wurst (que inclusive faz uma brevíssima aparição no longa-metragem e na OST), ABBA e Céline Dion. Seja com o sing-a-long que presta homenagem a iterações como “Believe” e “Ray of Light”, seja com a versão acústica e “de nicho”, por assim dizer, de “Happy”, a química entre os vocais principais fundem-se em uma amálgama recheada de potencial que ofusca as próprias falhas (pontuais que sejam) em prol de uma arquitetura que tangencia a perfeição e que, por essa mesma razão, talvez passe longe dos ouvidos que não estejam acostumados aos gêneros em questão.
A verdade é que a ideia do Eurovision é se afastar dos convencionalismos da esfera mainstream e investir em artistas próprios que utilizam suas habilidades artísticas (e muitas vezes teatrais) para encantar um público que clama por algo novo. Temos, por exemplo, o estrondo sintético de “Volcano Man”, que usa as hipérboles vocais de Ferrell e My Marianne a seu favor, convidando-nos para uma viagem sinestésica que atravessa as gerações e as culturas célticas, culminando numa mimética performance oitentista que deveria, com certeza, ganhar uma versão estendida. Em “Lion of Love”, Erik Mjönes se joga na tecedura barítona enquanto delineia uma releitura dançante e selvagem de ‘Don Juan’, com alcances invejáveis e uma letra aplaudível por suas metáforas ridículas e narcóticas. Petra Nielsen também empresta sua voz para “Come and Play – Masquerade”, um dos ápices da trilha sonora que, enquanto cria uma imagem bastante cabalística de um cabaret circense, desliza inesperadamente na última batida.
A obra também aposta em construções mais palpáveis e restritos que, apesar de funcionarem num contexto geral, são menos ousados quando em comparação às outras tracks. Temos, de um lado, o hip-pop “Coolin’ With Da Homies”, que ganha pontos pelos versos pungentes e pela determinação de Savan Kotecha; de outro, Demi Lovato empresta seu poder e sua presença irretocável para “In The Mirror”, cuja versatilidade está presenta tanto nas melódicas notas do piano quanto a inesperada e mágica transição para o pré-refrão e o refrão em si – apostando em um pano de fundo sutil que se afasta do europop e aproxima-se de suas inclinações ao pop norte-americano. Em um espectro bastante diferente em termos estruturais, mas que nutre de um alinhavo similar, há a totalmente desperdiçada “Running With The Wolves”, que chega ao fim após um momentâneo e derradeiro minuto.
Laura Hayden causa um barulho considerável como a lead singer da banda inglesa Anteros, que sai da zona de conforto e transforma o costumeiro indie em um soft-rock pop que ganha na forma de “Fool Moon”. E, conforme vamos nos aproximando do grand finale, o cuidado meticuloso explorado em incursões predecessoras deixa de existir e prefere se exilar na síntese formulaica da esquecível “Hit My Itch” que, quando comparada ao pueril, exagerado e essencialmente saxônico “Jaja Ding Dong”, é um drástico e imperdoável erro. Felizmente, cabe ao casal principal recuperar a glória com as músicas supracitadas e, principalmente, com a balada saudosista e emocionante “Húsavík”, que mistura com perfeição as tendências atuais com o classicismo orquestral e épico – e um falsetto final de tirar o fôlego.
O grande sucesso dessa trilha é, sem sombra de dúvida, direcionada para a rendição do português Salvador Sobral com a track que lhe rendeu o pódio máximo do Eurovision em 2017, a declamação poético-romântica de “Amar pelos Dois” e, também, para as duas icônicas versões de “Double Trouble”. Seja em sua perspectiva fílmica e mais “previsível”, por assim dizer, seja pela visão revolucionária de DJ Tiësto com uma violenta e dêitica consagração dos anos 1990, a música é tudo o que queríamos para um álbum festivo, excêntrico e bastante enérgico.
Nota por faixa:
- Double Trouble – Tiësto’s Euro 90’s Tribute Remix – 5/5
- Lion of Love – 4,5/5
- Coolin’ With Da Homies – 4/5
- Volcano Man – 4/5
- Jaja Ding Dong – 4,5/5
- In The Mirror – 4/5
- Happy – 4/5
- Song-A-Long – 5/5
- Running With The Wolves – 2,5/5
- Fool Moons – 4/5
- Hit My Itch – 2/5
- Come And Play – Masquerade – 4,5/5
- Amar pelos Dois – 5/5
- Húsavík – 5/5
- Double Trouble – Film Version – 4,5/5