Como um mundo de infinitas possibilidades, em que a verdade é só aquilo que você quer que as pessoas saibam sobre você, a era digital redefiniu a forma como nos relacionamos com tudo na nossa vida. Entre avatares construídos a partir das fotos de outras pessoas, aos inúmeros filtros que suavizam os traços faciais, tonalizam os fios de cabelo e colorem os olhos, fato é que hoje a linha que separa o real do fictício é tão tênue, que chega a ser imperceptível. E se apropriando desse novo conceito de sociedade contemporânea, Jordan Peele nos entrega, na segunda temporada de The Twilight Zone, o episódio Downtime, uma experiência tragicômica e um tanto otimista sobre a vida invisível que ninguém mais parece estar disposto a viver.
Considerando o contexto atual em que aparentemente todos nas redes sociais levam vidas bem resolvidas e impecáveis, Downtime nos apresenta esse submundo virtual, a versão do game Second Life que de fato estamos todos curiosos para ver ganhar vida um dia. Nesse universo paralelo, os usuários são capazes de construir uma nova jornada, trocar sua identidade de gênero e assumir estilos distintos e até mesmo construir outros relacionamentos e uma nova família. Realizando os anseios que no mundo real eles são incapazes de conseguir, essas dezenas de milhares de pessoas engolem a realidade do dia-a-dia e sustentam vidas duplas.
Neste conflito sócio psicológica, Michelle Weaver (Morena Baccarin) está entre uma vida de mentira muito bem contada e agradável e sua dolorosa e pouco atrativa realidade. E ao longo do curto episódio, questões éticas e morais são elencadas, à medida que elas tentam instigar na audiência a mesma reflexão que a protagonista do conto. Abordando, de forma leve, assuntos como a insatisfação humana na era digital e a necessidade de auto projeção e autovalidação social persistente nessa era, Downtime falha por não ser aquele tipo de episódio claustrofóbico, que coloca nossas emoções e sensações à flor da pele.
Com uma narrativa mais suave e até mesmo mais promissora, o capítulo antológico reforça a premissa de Peele de fazer uma homenagem singela e positiva à clássica série de Rod Serling. Curioso em primeira instância e prazeroso como um episódio simples, Downtime é bem dirigido, e bem estrelado, mas peca por não destacar sua construção narrativa em um genuíno confronto com a audiência. Perdendo a oportunidade de fazer um pouco do que a brilhante comédia dramática Ingrid Vai Para o Oeste fez, o episódio é otimista demais diante de um cenário sociocultural controverso. Ainda assim, seu resgate levemente nostálgico da atmosfera de The Twilight Zone faz da experiência um deleite que vale a pena conferir, mesmo que não seja tão memorável assim.