Woody Allen é um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos. Deixando de lado as polêmicas em que envolveu sua vida pessoal, o diretor de cinema construiu uma assinatura em sua obra que seus fãs conseguem facilmente reconhecer: histórias centradas num protagonista masculino desengonçado, popularmente julgado como feio e que tem uma tremenda dificuldade para interagir socialmente, principalmente com mulheres. Entretanto, Woody conta seus filmes fazendo uso da comédia – ou melhor, da tragicomédia, pois suas produções quase sempre escorregam em muita perda para os personagens. Mas, e se em vez do humor tais histórias fossem contadas tais quais elas seriam na vida real: dramáticas e fora do controle? Assim é ‘Um Homem Diferente’, filme cult diferentão que chegou essa semana nos cinemas.
Edward (Sebastian Stan, de ‘Capitão América: Soldado Invernal’) trabalha como ator, conseguindo papéis subestimados em comerciais de gosto duvidoso por conta de sua aparência física. É que Edward tem alguma condição que deixou seu rosto totalmente desfigurado, como se tivesse derretido. Tendo vivido assim a vida toda, ele sente quando as pessoas ao seu redor ficam observando-o e rindo dele. Certo dia, uma nova vizinha, Ingrid (Renate Reinsve), se muda para o apartamento ao lado e o trata com naturalidade. É o suficiente para Edward se sentir interessado por ela, que lhe confessa ter o sonho de se tornar diretora de teatro. Para tentar fazer com que ela se apaixone por ele, Edward se submete a um tratamento estético inovador, que promete consertar todas as suas imperfeições. Mas ele não poderia imaginar que sua vida acabaria se tornando o mote para a peça de Ingrid.
Em determinado ponto de ‘Um Homem Diferente’ o personagem comenta sobre os filmes do Woody Allen, demonstrando a inspiração do projeto. Por isso, é seguro afirmar que ‘Um Homem Diferente’ poderia facilmente ser um filme do diretor novaiorquino, só que com um pouco mais de amargos à vida. Até mesmo Edward se veste tal qual os protagonistas do vencedor do Oscar: com calças cáqui largas, blusas xadrezes por debaixo de suéteres sem vida e chapéu estilo bucket. Sem contar a forma de falar, de andar e de se autoanalisar no enredo.
Destacada a referência, o roteiro de Aaron Schimberg vai construindo a ascensão e queda do protagonista de maneira bastante intensa, envolvido por um suspense que o espectador consegue adivinhar para onde está indo, mas mesmo assim não consegue não deixar de acompanhar (e de julgar) quando as coisas acontecem. Bem escrito e ainda melhor dosado, o ritmo crescente da sensação de desespero vai aumentando à medida que acontecimentos ocorrem na trama, e ocorrem na mesma medida em que o espectador sente empatia pelos personagens.
Não à toa, Sebastian Stan recebeu indicação dupla ao Globo de Ouro esse ano, por seu trabalho em ‘Um Homem Diferente’ e em ‘O Aprendiz’, em que personifica Donald Trump. Stan tem se mostrado um grande camaleão da atuação e neste ‘Um Homem Diferente’ o ator entrega um ótimo trabalho de contenção emocional, que proporcionalmente imprime ainda mais tensão ao thriller psicológico ousado de Aaron Schimberg.
‘Um Homem Diferente’ retrata a angústia humana com crueza e ironia, um filme de Woody Allen sem o frescor da Nova York ensolarada. Aqui, todos estão fora do circuito – a cidade, os personagens, as motivações. Um filme que mostra que tendo uma boa história e atores competentes, não é necessário grandes orçamentos. E assim como no Globo de Ouro, pode ir fácil para a lista final do Oscar.