Um assunto delicado, uma abordagem maestral. O segundo episódio de ‘The Assassination of Gianni Versace’ toca na ferida mais profunda que ainda lateja na família do emblemático cineasta. Vida e morte se digladiam por uma outra ótica, no episódio Manhunt (Perseguição, em tradução livre). Mantendo a sensibilidade e a mesma leveza de Gianni em sua vida, o roteirista Tom Rob Smith não tardou para tocar em uma das maiores indagações que envolveu a vida do artista. Afinal de contas, Versace era mesmo portador do vírus H.I.V.?
Seguindo a pesquisa da jornalista Maureen Orth, autora do livro base da trama, a produção do canal FX foi direto ao ponto, abordando o delicado e pouco falado questionamento, afirmando seu diagnóstico. Se livrando de preconceitos, paradigmas e estereótipos, Murphy rompeu com o silêncio de uma resposta jamais dada, desmistificando Versace, sem lhe tirar todo o prestígio e brilho que ainda emana de seu nome. Tratando-o como um homem comum, que também padece de sofrimentos, o protagonista homônimo é visto por um ângulo mais simples, como alguém que ainda que tenha criado artes maiores que sua vida, esteve submetido às adversidades dela.
Considerando o ano em questão, o diagnóstico faria sentido. Em meados dos anos 90, quando os primeiros coquetéis para o tratamento da doença surgiram, o quadro da AIDS nos Estados Unidos acabou mudando drasticamente. De uma sucessão frenética de mortes súbitas nos anos 80, a década seguinte passa a ter o renovo do resgate, com o nascimento de uma qualidade de vida que até então não existia dentro do espectro do H.I.V. Trazendo a nossa memória para o seu aclamado filme da HBO, ‘The Normal Heart’, Ryan Murphy novamente assume as rédeas de uma discussão pontual sobre o assunto, por uma ótica observadora, que não julga, tão pouco condena.
No episódio Perseguição, o contexto social mundial se mescla à narrativa não linear, que continua passeando por datas aparentemente aleatórias, que se desdobram em acontecimentos clínicos do passado. Estes fragmentos no tempo na verdade se revelam como detalhes cruciais de uma complexa trama que resultou na repentina morte de Versace. Neste contexto, Darren Criss se destaca ainda mais, como um intrigante psicopata doentio. E ao visualizarmos a história por várias perspectivas, descobrimos um pouco mais sobre o pequeno universo que Gianni desenvolveu, tanto profissional, como pessoalmente.
As raízes daquelas tradicionais famílias italianas também ganham mais força no novo capítulo. Se mostrando ainda mais aparentes, elas seguem o ritmo do episódio de abertura, nos revelando um seio familiar tão intrínseco, que chega a ser impenetrável. E a solidão de quem não consegue se esgueirar pelas pequenas frestas desse relacionamento familiar é árdua e perceptível em Antonio D’Amico, parceiro de Versace por 15 anos, muito bem interpretado por Ricky Martin. Os laços familiares que tecem ao redor de Gianni e Donatella são um dos aspectos mais apaixonantes da série. Passado aquele encanto visual que toda a produção trouxe de maneira impecável em sua estreia, no hipnotizamos pela dinâmica da familiaridade entre os irmãos. E aqui, Penélope Cruz e Edgar Ramirez se entregam um ao outro, em uma das irmandades mais cativantes. Proteção, segurança, carinho e rixa fazem parte desse mundo criado apenas entre os dois. E para os demais personagens de suas vidas? Basta apenas contemplar.
Pelos caminhos que o segundo episódio de ‘The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story’ seguiu, veremos ainda mais o valor, o peso e a responsabilidade que o nome Versace possui. Transcendendo o criador da marca, este sobrenome carrega uma trajetória italiana que se protege de maneira tão poderosa, que chega a lembrar aquelas famílias mafiosas dos anos 20/30. Já mostrando os erros da polícia, que poderia muito bem ter evitado o crime, estamos diante de uma narrativa que julgávamos conhecer, mas de fato não fazíamos a menor ideia.