domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Vidas Duplas – Comédia Francesa com tom de Woody Allen

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Com um conjunto de ótimos atores e diálogos afiadíssimos, o diretor francês Olivier Assayas apresenta em Vidas Duplas (Double Vies) uma discussão sobre a revolução tecnológica dos hábitos de leitura como porta de entrada para outros dilemas, tais como profissão, relacionamento e, principalmente, a hipocrisia humana. Se não fosse a língua francesa, poderíamos dizer que se trata de uma obra de Woody Allen.

Em um encontro social, enquanto bebem vinho, os convidados discutem sobre a contradição entre a escassa leitura de jornais e os grande acessos dos blogs como principal fonte de informação. Em outro momento, questiona-se a facilidade dos leitores digitais em detrimento dos livros físicos. A acalorada discussão inicial é um pontapé para as questões individuais de cada personagem.



O filme segue relacionamentos entrelaçados e os viés de cada um sobre as suas questões pessoais. Os protagonistas deste embate de perspectivas são o bem-sucedido editor Alain (Guillaume Canet) e Léonard (Vincent Macaigne), escritor de suas próprias experiências. No caso, Alain rejeita a última obra de Léonard por achá-lo repetitivo e desejar novas vozes no mercado. Ao mesmo tempo, ele  lida com a nova postura da editora em publicar mais e-book a livros físicos. As discussões sobre popularização da leitura e menor custo de produção permeiam todo o longa.

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Em outra parte desta engrenagem, Selena (Juliette Binoche) é uma atriz presa ao papel de investigadora de crimes em um seriado televisivo. Ao passo que se questiona em tomar novos rumos, ela teme pelas possibilidades mínguas de bons personagens para a sua idade. O assunto remete diretamente ao grande cerne da obra anterior de Assayas, Acima das Nuvens (2014), na qual Binoche era uma atriz angustiada por perder o brilho da juventude.

Dentre os questionamentos de Selena, existe a desconfiança sobre o marido ter um caso extraconjugal. Ela mesma, no entanto, expressa o entendimento que após 20 anos de casamento o desejo não é mais o mesmo – revelando-se assim preferir disfarçar seu conhecimento, uma vez que ela mesma tem um caso com Léonard. Uma pequena fuga para ela e um conteúdo de escrita para ele.

Com humor, Assayas expõe a hipocrisia dos casais e as suas discussões sobre questões presentes na sociedade. Por sua vez, Alain não desconfia que a sua esposa Selena mantenha uma relação com Léonard e, muito menos, que ela é o caso romântico descrito na última obra do escritor. De sua parte, enquanto faz as versas de editor linha dura, ele dorme com a sua jovem auxiliar de Marketing Lauren (Christa Théret).

Lauren é o seu contraponto em relação ao mercado. Para ela, parte da geração millenium, tudo deve ser de fácil acesso a um toque do dedo e, portanto, o livro é para ser lido em qualquer ambiente, como através da tela do celular. Quando Alain faz uma analogia de sua crença nos livros com a fé solitária do padre em Luz de Inverno (1963), de Ingmar Bergman, a jovem simplesmente não entende e confessa nunca ter visto um filme do cineasta sueco.

Nesse malabarismo de relações ficcionais, todos os personagens atuam em dois papéis dando a razão pelo título da obra. Aliás, Vidas Duplas não é um filme de definições e conclusões, mas sim de aberturas. Há espaço para dezenas de debates intelectuais sem solidificar uma posição, ou seja, é necessário uma bagagem clássica e popular para acompanhar os diálogos, pois as referências vão de Star Wars: O Despertar da Força (2015) e Taylor Swift a Theodor Adorno e A Fita Branca (2009), do alemão Michael Haneke.

Em contrapartida, mesmo sem uma bagagem intelectual, é possível divertir-se com essa comédia de incidentes humanos. Cada cena é um novo desenlace verborrágico de ideias em contraposições, seja entre o permanente e o efêmero, seja o amor e a volúpia, até entre a pluralidade e a individualidade.

Todas as tragédias da vida real recebem uma cobertura de humor, o que faz com que Vidas Duplas seja uma obra agradavelmente satisfatória, mas espessa para ser digerida de uma vez. No fim das contas, os assuntos ficam em cima da mesa para serem debatidos e rebatidos, não apenas o mercado literário, mas também a política, as notícias falsas e os laços matrimoniais, tudo em aberto e a ser investigado pelo público após os personagens saírem de cena.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Com um conjunto de ótimos atores e diálogos afiadíssimos, o diretor francês Olivier Assayas apresenta em Vidas Duplas (Double Vies) uma discussão sobre a revolução tecnológica dos hábitos de leitura como porta de entrada para outros dilemas, tais como profissão, relacionamento e, principalmente, a hipocrisia humana. Se não fosse a língua francesa, poderíamos dizer que se trata de uma obra de Woody Allen.

Em um encontro social, enquanto bebem vinho, os convidados discutem sobre a contradição entre a escassa leitura de jornais e os grande acessos dos blogs como principal fonte de informação. Em outro momento, questiona-se a facilidade dos leitores digitais em detrimento dos livros físicos. A acalorada discussão inicial é um pontapé para as questões individuais de cada personagem.

O filme segue relacionamentos entrelaçados e os viés de cada um sobre as suas questões pessoais. Os protagonistas deste embate de perspectivas são o bem-sucedido editor Alain (Guillaume Canet) e Léonard (Vincent Macaigne), escritor de suas próprias experiências. No caso, Alain rejeita a última obra de Léonard por achá-lo repetitivo e desejar novas vozes no mercado. Ao mesmo tempo, ele  lida com a nova postura da editora em publicar mais e-book a livros físicos. As discussões sobre popularização da leitura e menor custo de produção permeiam todo o longa.

Em outra parte desta engrenagem, Selena (Juliette Binoche) é uma atriz presa ao papel de investigadora de crimes em um seriado televisivo. Ao passo que se questiona em tomar novos rumos, ela teme pelas possibilidades mínguas de bons personagens para a sua idade. O assunto remete diretamente ao grande cerne da obra anterior de Assayas, Acima das Nuvens (2014), na qual Binoche era uma atriz angustiada por perder o brilho da juventude.

Dentre os questionamentos de Selena, existe a desconfiança sobre o marido ter um caso extraconjugal. Ela mesma, no entanto, expressa o entendimento que após 20 anos de casamento o desejo não é mais o mesmo – revelando-se assim preferir disfarçar seu conhecimento, uma vez que ela mesma tem um caso com Léonard. Uma pequena fuga para ela e um conteúdo de escrita para ele.

Com humor, Assayas expõe a hipocrisia dos casais e as suas discussões sobre questões presentes na sociedade. Por sua vez, Alain não desconfia que a sua esposa Selena mantenha uma relação com Léonard e, muito menos, que ela é o caso romântico descrito na última obra do escritor. De sua parte, enquanto faz as versas de editor linha dura, ele dorme com a sua jovem auxiliar de Marketing Lauren (Christa Théret).

Lauren é o seu contraponto em relação ao mercado. Para ela, parte da geração millenium, tudo deve ser de fácil acesso a um toque do dedo e, portanto, o livro é para ser lido em qualquer ambiente, como através da tela do celular. Quando Alain faz uma analogia de sua crença nos livros com a fé solitária do padre em Luz de Inverno (1963), de Ingmar Bergman, a jovem simplesmente não entende e confessa nunca ter visto um filme do cineasta sueco.

Nesse malabarismo de relações ficcionais, todos os personagens atuam em dois papéis dando a razão pelo título da obra. Aliás, Vidas Duplas não é um filme de definições e conclusões, mas sim de aberturas. Há espaço para dezenas de debates intelectuais sem solidificar uma posição, ou seja, é necessário uma bagagem clássica e popular para acompanhar os diálogos, pois as referências vão de Star Wars: O Despertar da Força (2015) e Taylor Swift a Theodor Adorno e A Fita Branca (2009), do alemão Michael Haneke.

Em contrapartida, mesmo sem uma bagagem intelectual, é possível divertir-se com essa comédia de incidentes humanos. Cada cena é um novo desenlace verborrágico de ideias em contraposições, seja entre o permanente e o efêmero, seja o amor e a volúpia, até entre a pluralidade e a individualidade.

Todas as tragédias da vida real recebem uma cobertura de humor, o que faz com que Vidas Duplas seja uma obra agradavelmente satisfatória, mas espessa para ser digerida de uma vez. No fim das contas, os assuntos ficam em cima da mesa para serem debatidos e rebatidos, não apenas o mercado literário, mas também a política, as notícias falsas e os laços matrimoniais, tudo em aberto e a ser investigado pelo público após os personagens saírem de cena.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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