Nick Antosca pode não ser um nome muito familiar, mas com certeza merece mais atenção. O criador, roteirista e diretor é a brilhante mente por trás da subestimada antologia de terror ‘Channel Zero’, que adaptou inúmeras creepy pastas da atualidade em arrepiantes e grotescas narrativas; como se não bastasse, ele também foi o responsável pela aclamada minissérie ‘The Act’, estrelada por Patricia Arquette e Joey King – e, agora, está de volta com uma interessante e inexplicável obra que leva o nome de ‘Vingança Sabor Cereja’.
A série, composta por oito episódios, é uma mistura sangrenta de tudo o que Antosca nos mostrara antes. Aliando-se com Lenore Zion, o enredo é centrado em Lisa Nova (Rosa Salazar), uma jovem aspirante à cineasta brasileira que, depois de ter se formado na faculdade e dirigido um curta-metragem, parte para Los Angeles em busca de uma chance no cenário do entretenimento. Sem casa, sem emprego e movida pelos sonhos, ela cruza caminho com um famoso produtor chamado Lou Burke (Eric Lange na melhor atuação de sua carreira) que assistiu ao filme que ela criou e decidiu dar a ela a chance de transformá-lo em um longa. Sentindo-se nas nuvens, ela mal pode esperar o momento em que pisará no set de filmagens – isso é, até ser esfaqueada nas costas por uma mudança repentina de planos que a coloca fora da produção e dá total direito de imagem para Lou.
É essa primeira reviravolta que dá o agonizante tom da série – e, diferente de tudo o que poderíamos imaginar, o aparente thriller se transforma em um potente terror sobrenatural que definitivamente não cairá no gosto de todos. Eventualmente, as pontuais inconsistências não são o bastante para manchar a sólida estrutura da produção; pelo contrário, apimentam um circo de horrores em que ninguém é confiável (e não sabemos, por assim dizer, quem é o verdadeiro antagonista). Lisa, vendo todo seu mundo se desmantelar, impotente, ela resolve recorrer a métodos pouco ortodoxos para recuperar o filme e fazer com que Lou sofra, envolvendo-se com uma poderosa bruxa chamada Boro (Catherine Keener) e lançando uma maldição contra seu algoz que deixará “seu mundo em chamas”.
Antosca tem respaldo de uma incrível equipe criativa que lida com uma história um tanto quanto formulaica, em certos aspectos. A atmosfera fantástica oscila do gótico ao gore em questão de segundos, nunca perdendo a mão em relação ao ritmo ou à identidade indesculpável da qual se nutre – mas é o modo como os arcos se englobam em um jogo de gato-e-rato que fogem do convencional e mergulham de cabeça na aflição e no medo. Lisa posta-se como uma forte mulher que quer deixar sua marca no mundo, encontrando-se num beco sem saída quando se rende às forças das trevas e à promessa de um futuro brilhante.
No meio do caminho, os obstáculos se destrincham em dois extremos complementares: Lou, a encarnação do patife ganancioso que quer subjugá-la dentro de um prospecto marcado pelo tradicionalismo díspar; e Boro, que posa como amiga e protetora da protagonista, apenas preparando-a para um trágico desfecho. Mesmo com caminhos diferentes, ambos se unem por uma cega e desmedida ambição que prenuncia uma ruína – seja lá como ela aparecerá no futuro. Como se não bastasse, um antigo relacionamento (Siena Werber) volta de um passado esquecido para relembrá-la de atos condenáveis e de um fantasma que continua a persegui-la. Cada um dos personagens se entrelaça numa rede de sociopatia e psicopatia que poderia desmembrá-los em uma massa amorfa idêntica, mas que, pelo contrário, auxilia a diferenciá-los em banhos de sangue que parecem jorrar das telas.
No final das contas, tudo se explica – como é de se esperar de uma minissérie (que inclusive deixa portas abertas para novas iterações). Todavia, não estamos interessados em como essas tramas e subtramas irão se resolver, e sim no árduo percurso até lá. Enquanto certas personas têm mais peso dramático que outras, nenhuma é descartável; suas presenças trazem elementos de importância inegável para o desenrolar da narrativa, ainda que contribuam para o exagerado e um tanto quanto cansativo número de eventos que se sucedem sem qualquer respiro. Afinal, pensávamos que este seria um simples conto de vingança, e não uma epopeia bélica entre o bem e o mal.
As escolhas estéticas não fogem muito do parâmetro hiperbólico de obras do gênero – e foram vistos recentemente na adorada trilogia ‘Rua do Medo’, também Netflix. Há o contraste simbólico de tons vibrantes neon que se fundem numa disputa com as obscuras ruas de Los Angeles e com os enquadramentos distorcidos, tudo corroborando para o choque do mundo real com o mundo sobrenatural. Aqui, Antosca cria microcosmos para diferenciar as várias etapas de Lisa em sua jornada, colocando-a como uma anti-heroína que percebe que voltará ao normal, motivo pelo qual faz uma frustrante decisão no season finale.
‘Vingança Sabor Cereja’ é o entretenimento em sua forma mais pura e, por essa razão, funciona do começo ao fim. Apesar de não ter um poder de comoção tão apelativo quanto outros títulos, os fãs têm muito o que explorar em uma construção envolvente e chocante episódio após episódio.