Quando a gente começa a gostar de uma série, a perspectiva do fim sempre gera uma ansiedade amarga – afinal, estamos bastante acostumados com produtores destruindo séries boas justamente na reta final. ‘LOST’ e ‘Game of Thrones’ estão aí para não nos deixar mentir. Felizmente, esse risco a quarta e última temporada de ‘Vis a Vis’ não corre.
Com o final alucinante da 3ª temporada, muitas dúvidas ficaram abertas, e já no primeiro capítulo vemos que Zulema (a impressionante Najwa Nimri, mostrando todo o seu potencial incrível de atuação) e Saray (a rainha Alba Flores, dona dos nossos corações) sobreviveram à cena final, e agora precisam ser trasladadas de volta à Cruz de Norte. Porém, muitas coisas mudaram na prisão enquanto elas estiveram fora, e a principal delas é que agora o cruel Sandoval (Ramiro Blas, em sua melhor-pior atuação) é o diretor do local, e isso significa que se antes o cárcere parecia uma colônia de férias, agora o lugar se assemelha a um campo de experiências sádicas terríveis.
Ao que parece, os criadores da série traçaram todo esse caminho em três temporadas para chegar no final com dois argumentos fortíssimos: o questionamento da funcionabilidade da privatização das instituições públicas (em especial, do cárcere privado, visto como um negócio lucrativo) e a relativização do conceito de liberdade para essas mulheres que se sentem mais livres dentro na prisão do que fora dela. Sobra ainda espaço para uma bela perspectiva sobre a importância da memória, e a dependência que temos dela para sobrevivermos no dia a dia.
Todos os episódios terminam de maneira chocante, deixando a gente de queixo caído. Há cenas, inclusive, que lembram bastante outras já vistas em ‘La Casa de Papel’, incluindo a inserção de música clássica para construir o ápice de momentos-chave. Mas o que chama a atenção mesmo é a construção e a finalização dos personagens queridos que foram sendo cativados no público ao longo das temporadas. Saray consegue transcender sua própria história; Sandoval atinge o limite da verdadeira definição de crueldade, revelando-se um temível psicopata cuja vaidade e a soberba bombeiam o poder em suas mãos; e Zulema, essa coadjuvante que ascendeu tão meteoricamente na série, que literalmente deixou a protagonista de lado.
A atuação de Najwa Nimri é simplesmente magnífica. A construção dessa personagem realizou-se de maneira tão natural, tão crível que, nos dois últimos episódios, quando Zulema se aproxima do psicológico distorcido de personagens como o Coringa (inclusive esteticamente), o espectador se flagra torcendo por ela, essa linda e terrível psicopata incapaz de sentir empatia, mas completamente inabalável durante todos os episódios de terror pelos quais as detentas passaram. Zulema é uma aula de construção de personagem.
O arco de apenas 8 episódios de cerca de 50 minutos passa a sensação de que todas as pontas não serão fechadas a contento, porém a história reservada por Daniel Écija, Álex Pina, Iván Escobar e Esther Martínez Lobato para a última temporada é mais humana, e consegue dar um fechamento condizente a cada personagem apresentado ao longo da série. Mais ainda: consegue aprofundar mais suas protagonistas, introduzir novos nomes e entrelaçar a trama geral de modo que todos encontrem seus finais correspondentes, e de uma maneira tão apoteótica que deixa o espectador com saudades antecipadas e um gostinho de quero mais. Ainda bem que temos ‘La Casa de Papel’ ainda em andamento, para matarmos as saudades de Saray-Nairóbi e Zulema-Sierra, mas a verdade é que ‘Vis a Vis’ – e, em especial, essa última temporada – é dessas séries que são difíceis de superar.