segunda-feira , 23 dezembro , 2024

Crítica | Visible: Out on Television é a narrativa essencial da representatividade

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Se conhecer a história é o primeiro passo para não repeti-la, Visible: Out on Television deveria ser parada obrigatória para amantes de TV e entusiastas do audiovisual. A série documental produzida e distribuída pelo Apple TV+ traz um retrato contundente e preciso da representação LGBT+ nas telinhas, e o que por si só já é um objetivo no mínimo louvável se torna algo a mais quando a produção transforma “falar sobre televisão” em “falar sobre processos sociais”.

Durante alguns dos muitos depoimentos que permeiam os cinco episódios da série, eventuais entrevistados (que incluem roteiristas, atores e atrizes, diretores e demais personalidades do ramo televisivo) admitem, emocionados, que consideram a arte de fazer TV algo extremamente intimista. Segundo eles, famílias abrem as portas de suas casas e convidam aqueles personagens para dividirem um espaço extremamente pessoal — da sala, da mesa do café da manhã ou do jantar, demonstrando uma espécie de confiança que o criador do conteúdo deseja retribuir contando os melhores tipos de história e que façam tal confiança “valer a pena”.



Se a princípio este conceito pode passar ideia de um certo puritanismo (podemos fazer, então, só o que agrada a família tradicional?), o ponto de vista aqui é outro: como aproveitar esta confiança da melhor maneira possível? Como testar sem que ela se quebre?

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Esta é a pergunta queVisible: Out on Television busca responder, e para isso faz todo um retrospecto cronológico da história da TV, da década de 1950 até os dias atuais. Não apenas é recheada de informações completas e acessos impressionantes a artistas e personalidades diretamente envolvidas com as produções de que trata, ‘Visible’ busca acima de tudo fazer uma leitura precisa e acessível do contexto histórico-social de cada ruptura ou retrocesso que aborda. Ainda que a importância de ‘Golden Girls’ para a comunidade LGBT seja algo distante nos dias atuais, por exemplo, os motivos, as circunstâncias e as formas como a série abriu espaço para outros questionamentos estão todos expostos aqui. 

É importante salientar que o documentário não está preocupado apenas com séries fictícias, o que faz dele um retrato ainda mais crucial em termos de perspectiva. Ainda que estas sejam, sim, essenciais ao que simboliza falar sobre televisão, a história do meio transcende (e muito) este único formato. O entrecruzamento de ideias e acontecimentos fatos históricos, notícias ou simples “coincidências que deram certo” é o que faz do meio algo em constante transformação, e o que faz desta troca algo tão perturbadoramente recíproco entre ficção e realidade.

Entender esta dinâmica e apresentá-la ao longo dos episódios é o que faz da proposta de Visible: Out on Television importante. Mas o que faz dela um produto 5 estrelas é o quanto abre espaço para um debate saudável e positivo a respeito do espaço conquistado para a representatividade LGBT+ na TV ao longo das décadas, sem redimir abordagens que, embora significativas, tenham sido ausentes. Há tempo, por exemplo, para se expressar a importância deWill & Grace’, mas também há tempo para criticá-la pela ausência de personagens negros — e este é apenas um exemplo de muitos outros balanceamentos semelhantes que a série faz. O reconhecimento de se tratar de um processo lento e falho não faz da evolução algo menos importante ou significativo. Aliás, é  justamente o contrário. 

O momento em que causa e consequência destes tropeços fica mais evidente é quanto ‘Visible’ trata da década de 1980 e da epidemia da AIDS, provavelmente o episódio mais duro e emocionalmente carregado da série. Além de deixar evidente a gravidade da situação e tratá-la como uma pandemia que foi carregada de preconceitos, a série aborda como a falta de conhecimento acerca da doença fez com que personagens LGBT fossem afastados de produções, e que justamente isso acabou alimentando ainda mais um ciclo de desinformação.

A série, portanto, não é um retrato isolado da presença ou ausência de personagens LGBT+ nesta ou naquela série, mas pinta um quadro completo, profundo e didático dos motivos que fazem desta luta algo importante, seja em termos de reparação histórica ou no simples efeito que pode ter em um pai de família que expulsou o filho gay de casa e depois se arrependeu. O fato de ressignificar grandes eventos e trazer Ellen DeGeneres falando sobre o histórico ‘The Puppy Episode’ de sua sitcom, ou Greg Berlanti falando sobre ‘Dawson’s Creek’ enquanto exibe fotos de sua própria família é o que demonstra em termos práticos a importância de conceder vozes e espaços para que as narrativas reflitam a realidade.

Em toda a sua profundidade em termos de pesquisa histórica e na preocupação de dar espaço a vozes extremamente distintas no movimento LGBT, Visible: Out on Televisioné muito mais sobre reconhecer que trata-se de uma luta árdua e que foi (e continua sendo) muito difícil e repleta de erros — em Tara de Buffy, a Caça-Vampiros’ e Lexa deThe 100, eles também estão lá. Mas também é sobre afirmar que, de uma forma ou de outra, há motivos para celebrar o que existe hoje, que aos trancos e barrancos foi conquistado ao longo de décadas de um trabalho árduo que merece ser reconhecido.

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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Crítica | Visible: Out on Television é a narrativa essencial da representatividade

Se conhecer a história é o primeiro passo para não repeti-la, Visible: Out on Television deveria ser parada obrigatória para amantes de TV e entusiastas do audiovisual. A série documental produzida e distribuída pelo Apple TV+ traz um retrato contundente e preciso da representação LGBT+ nas telinhas, e o que por si só já é um objetivo no mínimo louvável se torna algo a mais quando a produção transforma “falar sobre televisão” em “falar sobre processos sociais”.

Durante alguns dos muitos depoimentos que permeiam os cinco episódios da série, eventuais entrevistados (que incluem roteiristas, atores e atrizes, diretores e demais personalidades do ramo televisivo) admitem, emocionados, que consideram a arte de fazer TV algo extremamente intimista. Segundo eles, famílias abrem as portas de suas casas e convidam aqueles personagens para dividirem um espaço extremamente pessoal — da sala, da mesa do café da manhã ou do jantar, demonstrando uma espécie de confiança que o criador do conteúdo deseja retribuir contando os melhores tipos de história e que façam tal confiança “valer a pena”.

Se a princípio este conceito pode passar ideia de um certo puritanismo (podemos fazer, então, só o que agrada a família tradicional?), o ponto de vista aqui é outro: como aproveitar esta confiança da melhor maneira possível? Como testar sem que ela se quebre?

Esta é a pergunta queVisible: Out on Television busca responder, e para isso faz todo um retrospecto cronológico da história da TV, da década de 1950 até os dias atuais. Não apenas é recheada de informações completas e acessos impressionantes a artistas e personalidades diretamente envolvidas com as produções de que trata, ‘Visible’ busca acima de tudo fazer uma leitura precisa e acessível do contexto histórico-social de cada ruptura ou retrocesso que aborda. Ainda que a importância de ‘Golden Girls’ para a comunidade LGBT seja algo distante nos dias atuais, por exemplo, os motivos, as circunstâncias e as formas como a série abriu espaço para outros questionamentos estão todos expostos aqui. 

É importante salientar que o documentário não está preocupado apenas com séries fictícias, o que faz dele um retrato ainda mais crucial em termos de perspectiva. Ainda que estas sejam, sim, essenciais ao que simboliza falar sobre televisão, a história do meio transcende (e muito) este único formato. O entrecruzamento de ideias e acontecimentos fatos históricos, notícias ou simples “coincidências que deram certo” é o que faz do meio algo em constante transformação, e o que faz desta troca algo tão perturbadoramente recíproco entre ficção e realidade.

Entender esta dinâmica e apresentá-la ao longo dos episódios é o que faz da proposta de Visible: Out on Television importante. Mas o que faz dela um produto 5 estrelas é o quanto abre espaço para um debate saudável e positivo a respeito do espaço conquistado para a representatividade LGBT+ na TV ao longo das décadas, sem redimir abordagens que, embora significativas, tenham sido ausentes. Há tempo, por exemplo, para se expressar a importância deWill & Grace’, mas também há tempo para criticá-la pela ausência de personagens negros — e este é apenas um exemplo de muitos outros balanceamentos semelhantes que a série faz. O reconhecimento de se tratar de um processo lento e falho não faz da evolução algo menos importante ou significativo. Aliás, é  justamente o contrário. 

O momento em que causa e consequência destes tropeços fica mais evidente é quanto ‘Visible’ trata da década de 1980 e da epidemia da AIDS, provavelmente o episódio mais duro e emocionalmente carregado da série. Além de deixar evidente a gravidade da situação e tratá-la como uma pandemia que foi carregada de preconceitos, a série aborda como a falta de conhecimento acerca da doença fez com que personagens LGBT fossem afastados de produções, e que justamente isso acabou alimentando ainda mais um ciclo de desinformação.

A série, portanto, não é um retrato isolado da presença ou ausência de personagens LGBT+ nesta ou naquela série, mas pinta um quadro completo, profundo e didático dos motivos que fazem desta luta algo importante, seja em termos de reparação histórica ou no simples efeito que pode ter em um pai de família que expulsou o filho gay de casa e depois se arrependeu. O fato de ressignificar grandes eventos e trazer Ellen DeGeneres falando sobre o histórico ‘The Puppy Episode’ de sua sitcom, ou Greg Berlanti falando sobre ‘Dawson’s Creek’ enquanto exibe fotos de sua própria família é o que demonstra em termos práticos a importância de conceder vozes e espaços para que as narrativas reflitam a realidade.

Em toda a sua profundidade em termos de pesquisa histórica e na preocupação de dar espaço a vozes extremamente distintas no movimento LGBT, Visible: Out on Televisioné muito mais sobre reconhecer que trata-se de uma luta árdua e que foi (e continua sendo) muito difícil e repleta de erros — em Tara de Buffy, a Caça-Vampiros’ e Lexa deThe 100, eles também estão lá. Mas também é sobre afirmar que, de uma forma ou de outra, há motivos para celebrar o que existe hoje, que aos trancos e barrancos foi conquistado ao longo de décadas de um trabalho árduo que merece ser reconhecido.

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Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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