Sem dúvida, uma das tarefas mais difíceis no processo de fazer um filme, é encontrar o elenco perfeito, ou nesse caso, o ator perfeito, que não apenas servirá como base da trama, mas também como propulsor que guiará a história para frente. Toda boa obra sabe utilizar seu elenco, com todas as suas qualidades e limitações, à seu favor. E este é um caso perfeito que funciona.
Joaquin Phoenix recebe a difícil tarefa (quer dizer… difícil para atores inexperientes), de segurar um thriller intenso nas costas. Intenso porém contido, essa seria a melhor forma de descrever ‘Você Nunca Esteve Realmente Aqui’ (You Were Never Really Here), longa-metragem distribuído pela Amazon Studios nos Estados Unidos e pela produtora Supo Mungam Films no Brasil, que apresenta Joe, um veterano de guerra atormentado pelos fantasmas do passado, que ganha a vida resgatando jovens desaparecidas, porém, quando uma missão fica fora de controle, os seus pesadelos o alcançam e começa então uma luta intensa em busca de vingança.
A direção é da brilhante Lynne Ramsay, diretora por trás de ‘Precisamos Falar Sobre Kevin’, uma importante mulher em ascensão no machista cinema hollywoodiano. Nessa obra, ela utiliza com maestria muitos planos detalhe e planos longos, ângulos de câmeras estilosos, jogo de câmera (particularmente nas cenas dos assassinatos), criando uma interessante atmosfera sombria para o roteiro escrito por ela mesma, baseado no livro de Jonathan Ames.
Com uma direção tão dedicada e um ator comprometido em passar sua angustia, todo o restante parece funcionar de forma equilibrada, desde a perfeita mise-en-scène até a belíssima direção de fotografia de Thomas Townend, que realça os tons escuros e esverdeados, passando uma completa sensação de tristeza e solidão. A trilha sonora eletrizante também acrescenta positivamente ao suspense que está sendo criado.
Apesar de todo brilhantismo técnico, o destaque mesmo fica para o protagonista e suas múltiplas camadas. Toda sua jornada, desde o começo do filme até seu fatídico final, sua ambiguidade e sua transformação interna são cativantes. Somos levados a comprar sua vilania, até descobrimos seu lado afetuoso com sua mãe, seu passado conturbado, suas fragilidades e pensamentos suicidas.
A partir daí que a trama avança e seu ritmo lento e dramático do primeiro ato, cansativo em suas minuciosidades, assume um intrigante suspense violento, digo de obras aclamadas como ‘John Wick’, ‘Oldboy’, ‘Taxi Driver’ e ‘Drive’, aliás, qualquer semelhança com essas três últimas pode não ser mera coincidência, afinal, existe uma visível inspiração na trama, como por exemplo o martelo que Joe utiliza em seus assassinatos e a fotografia voltada para o neon com trilha sonora frenética em cenas no carro. Uma perfeita homenagem ao gênero.
‘Você Nunca Esteve Realmente Aqui’ definitivamente vai permanecer com você após a sessão, te fazendo refletir sobre o rumo que a trama tomou ou mesmo emocionando ao lembrar daquela triste cena do lago. Talvez seja um filme sem muita esperança e cruciante, afinal, a proposta não era ser nada menos que brutal, e talvez por essas qualidades negativas que vai te fazer lembra-lo daqui a um tempo.
Joaquin Phoenix é espantoso e, se existia alguma dúvida de que ele não dará um Coringa marcante no projeto de Martin Scorsese, esse filme existe para te provar o contrário.