Aquele com a sessão de terapia mais complexa da história
Em um determinado momento do episódio 6 da 3ª temporada de ‘Westworld’, a cópia de James Delos dentro da simulação pergunta a William (ou, melhor dizendo, a um dos Williams) se aquele era seu fim inevitável ou se ele teve a possibilidade de escolha. O homem responde, simples e direto: “Se não consegue distinguir, faz diferença?”
Além de sintetizar a jornada de William (Ed Harris), a frase também explica, basicamente, de onde vem a frustração de parte do público que se frustrou com ‘Westworld’ ao longo dos anos. Se a produção se eleva a um nível de querer sempre ser mais inteligente e estar um passo à frente do espectador, corre o risco de transformar seus maiores trunfos nas suas maiores roubadas, seja quando as pessoas sentem dificuldade para entender elementos básicos como quem são aqueles personagens ou o que significam os conceitos que permearam toda a segunda temporada.
Felizmente, no entanto, as correções de curso feitas para a temporada atual tiram de cena alguns dos momentos exageradamente complexos e os truques de roteiro que ficavam exaustivos à medida que também se tornavam mais e mais complexos. O resultado, em contrapartida, é que ficamos de cara com ‘Westworld’ como ela realmente é: um conto perturbador sobre autoconsciência e os pecados da humanidade, quer acredite-se ou não em seres divinos.
E este é exatamente o ponto central de ‘Decoherence’. Se, neste universo, Dolores (Evan Rachel Wood) é algo parecido com um Deus entre os anfitriões, dado o seu papel na jornada de libertação dos mesmos, é importante lembrar que seres oniscientes e onipresentes também podem se embebedar em poder. Talvez o maior exemplo disso seja o próprio William. Sua descrença com a humanidade, que ele descreve como uma camada fina de bactéria infectando o planeta, de uma certa forma reflete sua decepção consigo mesmo, com suas tantas versões, dentro e fora do parque, que de tão antagônicas já não faziam mais sentido como uma unidade.
Essa falta de coerência entre as múltiplas personalidades de William, que poderíamos até chamar de evolução de personagem se houvesse algum tipo de evolução, é algo finalmente abordado neste poderoso episódio, mais uma inevitável correção de curso de uma bagunça criada na temporada 2. Todas as personalidades de William são colocadas frente a frente, e é graças ao talento de Ed Harris que a ousada tentativa de matar o que William já foi para mostrar que ele está em domínio de quem é e daquilo que representa a partir de agora funciona.
Mas se estamos falando em talentos postos à prova, há de se destacar o quanto Tessa Thompson se transformou na maior arma de ‘Westworld’, na mesma medida em que Charlotte se tornou o grande trunfo de Dolores. Se é irônico o fato de uma cópia ser mais sensível em relação ao filho que a própria Charlotte, dobre a ironia ao levar em conta que estamos falando de uma cópia daquela que é, supostamente, a mais cruel das anfitriãs. A demonstração de força que é colocar Thompson e Wood nestas posições que são ao mesmo tempo complementares e antagônicas cria uma dinâmica traiçoeira entre criador e criatura, em que não sabemos exatamente até que ponto uma pode confiar na outra. Embora a série não tenha tido tempo (ou vontade) de explorar como as outras cópias de Dolores têm lidado com suas próprias existências, a cópia Charlotte foi se transformando em algo diferente quanto mais tempo passou dentro daquele corpo, e saber até onde ela realmente é fiel ao planos da Dolores original é, até agora, uma incógnita, acentuada ainda mais pela explosão do carro ao final do episódio. E se o acidente não tiver sido causado por Serac (Vincent Cassel), e sim por Dolores?
Saber se a protagonista é a vilã ou a mocinha da história permanece como a maior questão da série, e esta dualidade é um dos maiores acertos de ‘Westworld’, uma pergunta que provavelmente ficará melhor se jamais tiver uma resposta definitiva. Isso enriquece a história, e torna o embate entre ela e Serac algo mais complexo do que um simples e repetitivo ‘bem contra o mal’.
Saberemos quem vai ganhar nas próximas duas semanas, mas por enquanto cabe o adendo que a correção de rota feita com William poderia também ser aplicada a Maeve (Thandie Newton). Apesar de ela ser uma das personagens mais poderosas da série, continua sendo confinada a narrativas desinteressantes e repetitivas, em um jogo de gato e rato contra Dolores em que ela jamais evolui, apesar de todo o potencial. Será que isso pode mudar? Se confiarmos nas palavras de Dolores (quer dizer, da cópia de Dolores dentro da simulação de Serac criada a partir da pérola de Connells… ), então é possível manter as esperanças.
Outras considerações
- Em um momento, Charlotte vê os arquivos dos anfitriões que Serac trará de volta para Maeve. Um deles seria Hector (Rodrigo Santoro), que mal voltou e já se foi, mas outra será Clementine, como descobriram os detetives da internet. Saudades!
- Percebeu que havia uma “proteína não detectada” no sangue de William? Isso é devido ao rastreador que Charlotte colocou nele antes de enviá-lo ao Centro de Recuperação. Não, ele não é um robô.
Veja o trailer do próximo episódio: