quinta-feira , 14 novembro , 2024

Crítica | Zona de Interesse – Jonathan Glazer nos convida a encarar a pura BANALIDADE do MAL

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Com uma tela completamente vermelha e uma sonorização metálica desagradàvel, Jonathan Glazer introjeta o público em A Zona de Interesse (The Zone of Interest). Em seguida, apresenta a aprazível cena de um piquenique em família à beira do lago, composto por uma fotografia sem intensidade e cores acinzentadas, sendo uma composição técnica brilhante para uma ambientação desconfortável na Alemanha dos início do século XX. 

Adaptado do romance britânico de Martin Amis, o longa-metragem foi indicado a cinco Oscars e ganhou o Grand Prix do Júri no Festival de Cannes 2023 — algo como o segundo lugar na competição. A partir do livro, o roteiro de Jonathan Glazer permite uma imaginação da vida doméstica do povo alemão aprazível numa paisagem bucólica e conivente com o genocídio de milhares de judeus.



Apesar de soar clichê, é impossível assistir ao filme e não invocar o pensamento da filósofa alemã Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. O conceito elaborado durante o julgamento de Adolf Eichmann, um dos principais planejadores do Holocausto, marca a indagação sobre a banalização da ação do indivíduo, enquanto a moralidade de todos está corrompida, isto é, a sociedade em geral é incapaz de fazer escolhas decentes. 

Assim como o caso de Eichmann, A Zona de Interesse parte do nímio particular para explorar uma experiência global. Com foco na confortável vida do comandante do campo de Auschwitz, Rudolf Höss (Christian Friedel), ao lado da esposa, Hedwig (Sandra Hüller), e os filhos, o enredo explora o nosso desconforto diante de uma vivência apática e dessecada por cenas perturbadoras. 



Do belo jardim paradisíaco com piscina, criado por Hedwig, vemos muros em volta com arames farpados, uma contínua fumaça preta no céu e barulhos violentos, vindos de tiros, enxadas ou gritos. Assim como em Anatomia de Uma Queda, Sandra Hüller tem um desempenho fantástico como a patroa da casa, seja pela humilhação dos empregados, seja nos comentários sobre as roupas “recebidas” de mulheres judias. 

Sua normalidade ao experimentar um casaco de pele em frente ao espelho, como quem acaba de entrar na loja da Zara, é estarrecedora dentro do contexto. Assim como, a sequência da reunião do comandante de Auschwitz com seus colegas sobre como agilizar o processo de carbonização dos judeus ocorre como uma simples decisão orçamentária e nos revira o estômago. Em outras palavras, A Zona de Interesse é bastante incômodo.

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Embora a atmosfera de inquietação seja constante, os pontos de tensão da narrativa apoiam-se na possível mudança de posto de trabalho de Rudolf e na visita da mãe de Hedwig. No primeiro dilema, a dona de casa está maravilhada com o jardim, os espaços, e acredita ser um ótimo ambiente para criar os filhos. Acabado os recursos dele para ficar, ela propõe ao marido partir sem eles.

Viver ao lado de um campo de extermínio não é um problema para Hedwing — entusiasmada com os objetos recolhidos de mulheres judias e preocupada com o seu próprio umbigo —, mas para sua mãe uma noite na residência é insuportável. Ao escutar os tiros e os ruídos das câmaras de gás, ela parte antes do sol raiar. Desse modo, A Zona de Interesse apresenta as modulações das escolhas individuais, o mesmo é representado por uma das filhas do casal sonâmbula e outra que deixa frutas pelas estradas. 

Seguindo a excelência desoladora dos filmes do austríaco Michael Haneke — vide Violência Gratuita (1987) e Amor (2013) —, Jonathan Glazer apresenta o horror de forma indireta e até com cenas captadas em infravermelho a fim de nos mergulhar na ambientação pérfida, porém sem um relampejo de sangue derramado. Nos minutos finais, entretanto, o diretor e roteirista decide nos catapultar da narrativa ao inserir imagens atuais no museu de Auschwitz e os seus funcionários. Ele nos retira do irônico idílio e nos joga de cara no concreto da realidade.

A passagem para o presente, entretanto, soa forçada e um corte abrupto, tal como uma lição de moral, ao invés de dar um destino aos seus personagens ainda no passado. Se Jonathan Glazer buscou um final como A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, ele pisou na bola, pois o foco do seu enredo não é memória e redenção, mas o escárnio dos atos de Rudolf e Hedwig Höss sem punição. No fim das contas, faltou mais ousadia e sobrou culpa. 

Lançado em Competição Oficial no Festival de Cannes 2023, A Zona de Interesse (The Zone of Interest) chega a alguns cinemas brasileiros a partir de 8 de fevereiro de 2024 e estreia oficialmente no dia 15 de fevereiro com distribuição da Diamond Films

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Adaptado do romance britânico de Martin Amis, o longa-metragem foi indicado a cinco Oscars e ganhou o Grand Prix do Júri no Festival de Cannes 2023 — algo como o segundo lugar na competição. A partir do livro, o roteiro de Jonathan Glazer permite uma imaginação da vida doméstica do povo alemão aprazível numa paisagem bucólica e conivente com o genocídio de milhares de judeus.

Apesar de soar clichê, é impossível assistir ao filme e não invocar o pensamento da filósofa alemã Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. O conceito elaborado durante o julgamento de Adolf Eichmann, um dos principais planejadores do Holocausto, marca a indagação sobre a banalização da ação do indivíduo, enquanto a moralidade de todos está corrompida, isto é, a sociedade em geral é incapaz de fazer escolhas decentes. 

Assim como o caso de Eichmann, A Zona de Interesse parte do nímio particular para explorar uma experiência global. Com foco na confortável vida do comandante do campo de Auschwitz, Rudolf Höss (Christian Friedel), ao lado da esposa, Hedwig (Sandra Hüller), e os filhos, o enredo explora o nosso desconforto diante de uma vivência apática e dessecada por cenas perturbadoras. 

Do belo jardim paradisíaco com piscina, criado por Hedwig, vemos muros em volta com arames farpados, uma contínua fumaça preta no céu e barulhos violentos, vindos de tiros, enxadas ou gritos. Assim como em Anatomia de Uma Queda, Sandra Hüller tem um desempenho fantástico como a patroa da casa, seja pela humilhação dos empregados, seja nos comentários sobre as roupas “recebidas” de mulheres judias. 

Sua normalidade ao experimentar um casaco de pele em frente ao espelho, como quem acaba de entrar na loja da Zara, é estarrecedora dentro do contexto. Assim como, a sequência da reunião do comandante de Auschwitz com seus colegas sobre como agilizar o processo de carbonização dos judeus ocorre como uma simples decisão orçamentária e nos revira o estômago. Em outras palavras, A Zona de Interesse é bastante incômodo.

Embora a atmosfera de inquietação seja constante, os pontos de tensão da narrativa apoiam-se na possível mudança de posto de trabalho de Rudolf e na visita da mãe de Hedwig. No primeiro dilema, a dona de casa está maravilhada com o jardim, os espaços, e acredita ser um ótimo ambiente para criar os filhos. Acabado os recursos dele para ficar, ela propõe ao marido partir sem eles.

Viver ao lado de um campo de extermínio não é um problema para Hedwing — entusiasmada com os objetos recolhidos de mulheres judias e preocupada com o seu próprio umbigo —, mas para sua mãe uma noite na residência é insuportável. Ao escutar os tiros e os ruídos das câmaras de gás, ela parte antes do sol raiar. Desse modo, A Zona de Interesse apresenta as modulações das escolhas individuais, o mesmo é representado por uma das filhas do casal sonâmbula e outra que deixa frutas pelas estradas. 

Seguindo a excelência desoladora dos filmes do austríaco Michael Haneke — vide Violência Gratuita (1987) e Amor (2013) —, Jonathan Glazer apresenta o horror de forma indireta e até com cenas captadas em infravermelho a fim de nos mergulhar na ambientação pérfida, porém sem um relampejo de sangue derramado. Nos minutos finais, entretanto, o diretor e roteirista decide nos catapultar da narrativa ao inserir imagens atuais no museu de Auschwitz e os seus funcionários. Ele nos retira do irônico idílio e nos joga de cara no concreto da realidade.

A passagem para o presente, entretanto, soa forçada e um corte abrupto, tal como uma lição de moral, ao invés de dar um destino aos seus personagens ainda no passado. Se Jonathan Glazer buscou um final como A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, ele pisou na bola, pois o foco do seu enredo não é memória e redenção, mas o escárnio dos atos de Rudolf e Hedwig Höss sem punição. No fim das contas, faltou mais ousadia e sobrou culpa. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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