‘A Hora do Vampiro’ é o mais recente lançamento de terror da plataforma Max, da Warner Bros. Os mais escolados sabem muito bem se tratar da mais recente adaptação do livro ‘Salem’s Lot’, do mestre do gênero, Stephen King. E bem, apesar de o remake não ser o completo desastre de trem que vinha sendo anunciado, também não é um filme que guardaremos como memorável. Isso em parte se deve pelo sucesso da minissérie ‘Missa da Meia-Noite’ (2021), uma adaptação muito mais eficiente da obra de King. Mas vamos com calma.
Como dito, ‘A Hora do Vampiro’ é a nova versão de um conto clássico do mestre Stephen King. De fato, ‘Salem’s Lot’ foi o segundo livro da carreira de King, lançado em 1975. O primeiro foi ‘Carrie – A Estranha’, em 1974. Seguindo esta ordem, ‘Carrie’ também foi o primeiro a ganhar uma versão para os cinemas. E ‘Salem’s Lot’ foi o segundo. Antes mesmo da obra-prima ‘O Iluminado’, a história de vampiros de King ganhou uma versão em audiovisual, meio desconhecida do grande público ainda hoje. E o motivo para isso é que a história se tornou não um filme nos cinemas, mas sim uma minissérie em dois episódios que passou na TV norte-americana, na rede CBS em horário nobre.
Apesar de ser concebida e realizada bem no estilo do que era a TV antigamente, a obra foi dirigida por Tobe Hooper, então saído do fenômeno cultural ‘O Massacre da Serra Elétrica’ (1974). Com o título ‘Os Vampiros de Salem’ (no Brasil), a minissérie foi ao ar em 1979. É claro que depois, na era das videolocadoras, a produção foi comercializada como uma fita dupla, assim como muitas das obras de King, como ‘It – Uma Obra-Prima do Medo’ e ‘Tommyknockers’.
Na década de 1980, ‘Salem’s Lot’ finalmente chegaria aos cinemas, embora muitos sequer lembrem. Acontece que foi na forma de uma produção sem-vergonha do saudoso picareta Larry Cohen. A obra nada tinha a ver com o texto de Stephen King, e se tratava de uma continuação da minissérie da década anterior. Apesar da baixíssima qualidade, o longa foi um lançamento da Warner, e também seria a única vez que a criação de King (de uma forma ou de outra) foi lançada nos cinemas.
Em 2004, mais uma minissérie usando o texto de King como base chegava às telinhas. Desta vez no canal a cabo TNT. Novamente em dois episódios, quem protagonizada a história aqui era Rob Lowe, mas a produção ainda contou com nomes de peso como Donald Sutherland, Rutger Hauer, James Cromwell e Andre Braugher.
Na trama de ‘Salem’s Lot’, o escritor Ben Mears retorna à sua cidadezinha no coração dos EUA, no Maine (onde se passam a maioria das histórias de Stephen King). O local em questão é a fictícia Jerusalem’s Lot, e o título é a sua abreviação. Aliás, esse é mais um protagonista de Stephen King que é um escritor. Uma vez no local, Mears começa a notar que a cidade não está exatamente como era antes, e situações misteriosas começam a ocorrer, coincidindo com a sua chegada.
O novo morador do local é o suspeito Straker, dono de uma loja de antiguidades, que fez moradia na antiga mansão Marsten. Esse é o título, aliás, da segunda minissérie (da TNT) aqui no Brasil (‘A Mansão Marsten’). O local por si só tinha fama de amaldiçoado, e agora a sua fama irá corresponder. Ao mesmo tempo em que investiga os acontecimentos suspeitos, Mears se envolve com Susan e conhece o menino Mark, que terminará a história como seu “sidekick”. E sim, essa é uma história de vampiros, que até tem inspiração no clássico Drácula, de Bram Stoker. Straker, por exemplo, é o equivalente de Renfield, preparando a chegada de seu mestre. Aqui o vampirão é Kurt Barlow, um ser monstruoso, cujo visual tem clara inspiração em ‘Nosferatu’.
A nova versão do conto, intitulado por aqui ‘A Hora do Vampiro’, é mais uma que infelizmente não conseguiu ver seu lançamento nas salas de cinema. Ou seja, de quatro obras com o título, apenas uma, a mais picareta e que não era oficialmente uma adaptação do conto de King, foi a que estreou nas telonas. ‘A Hora do Vampiro’ tem produção de outro mestre, James Wan, e direção de seu apadrinhado Gary Dauberman, responsável pelo comando de ‘Annabelle 3’.
Anunciado desde 2019, ‘A Hora do Vampiro’ gerava grande expectativa por parte dos fãs, em especial pois seria a primeira vez que o conto de King iria para as telonas em grande estilo. Seria a primeira oportunidade dos fãs assistirem à sua querida história na tela grande, feita da maneira certa. Enquanto ainda estava sendo filmado, eis que surge na surdina uma grande pedra no sapato de ‘A Hora do Vampiro’, trazida pela rival Netflix.
Corta para 2018, um ano antes da produção de ‘A Hora do Vampiro’ começar. Esse foi o ano do lançamento de ‘A Maldição da Residência Hill’, grande sucesso da Netflix na forma de uma minissérie em 10 episódios, que parou e surpreendeu positivamente os fãs de terror e a cultura pop de forma geral. Escrito, dirigido e produzido por Mike Flanagan, a obra é uma adaptação moderna do clássico livro de Shirley Jackson ‘The Haunting of Hill House’. A qualidade da minissérie foi assombrosa, e muito comentada na época.
Dois anos depois, Mike Flanagan se uniu de novo à Netflix, desta vez para adaptar ‘A Volta do Parafuso’, de Henry James, na forma de outra minissérie, intitulada ‘A Maldição da Mansão Bly’, em 2020. Mas o autor não parou por aí, e logo no ano seguinte buscava um novo projeto para a parceria. ‘Missa da Meia-Noite’ recuperou o prestígio absoluto de sua primeira minissérie, e se tornou a primeira obra original do realizador. Bem, original em partes, porque o que Flanagan fez foi pegar bastante inspiração justamente em ‘Salem’s Lot’.
‘Missa da Meia-Noite’ é uma reimaginação não declarada (ou talvez sim) da obra de vampiros de Stephen King. Vejam esta história: Riley Finn retorna à sua velha cidadezinha, localizada em uma ilha, em uma região pesqueira e humilde dos EUA. No local, ele encontra uma antiga paixão, nas formas de Erin. O sujeito começa a perceber situações bem estranhas, em especial no diz respeito ao novo padre do local, o Padre Paul (o rouba-cenas Hamish Linklater). Sem querer estragar para os que não assistiram, essa também é uma história de vampiros, e pela sinopse podemos perceber que guarda inúmeras similaridades com o conto de King.
De fato, o próprio Stephen King não poupou elogios ao resultado da minissérie após seu lançamento. E foi uma via de mão dupla, pois Mike Flanagan tampouco escondeu sua inspiração no famoso conto do escritor. ‘Missa da Meia-Noite’ é a melhor adaptação do livro de King porque, primeiro, não se declara como tal. Segundo, traz um tema batido e o moderniza para os dias de hoje, inserindo muitas das questões sociais pertinentes, como fanatismo e cegueira religiosa, má interpretação da bíblia, preconceito racial contra imigrantes, e por aí vai. Fora isso, toma muitas liberdades criativas com o material, já que não é declaradamente uma refilmagem, e cria inúmeras reviravoltas inesperadas, incluindo o destino de alguns dos personagens principais.
‘Missa da Meia-Noite’ se tornou sensação e todo mundo estava falando sobre ela. Seu lançamento foi em 2021, mas ela ecoou por 2022 também. Sendo assim, essa era justamente a época que ‘A Hora do Vampiro’ estava para sair. O longa foi adiado para o ano de 2023 e novamente para 2024. Por um longo tempo o projeto ficou escondido, e chegou a ser arquivado. Na época especulava-se que seu destino seria igual ao de produções como ‘Batgirl’ e ‘Coyote vs. Acme’, dois filmes prontos que a Warner simplesmente colocou em seu cofre e coletou o dinheiro do seguro. ‘A Hora do Vampiro’ parecia se encaminhar para o mesmo.
Eis que nos 45 do segundo tempo, a Warner anuncia o filme para o halloween de 2024, mas não nas salas de cinema como havia sido planejado, e sim para uma estreia direto na Max. Embora jamais tenha sido divulgado, e provavelmente nunca será, ‘Missa da Meia-Noite’ pode ter tido efeito na estreia de ‘A Hora do Vampiro’, já que ambas as obras trazem tramas muito similares. Entre mortos e feridos, ambos se deram bem. ‘Missa da Meia-Noite’ se tornou fenômeno em sua época de lançamento, mesmo que hoje, três anos depois não seja mais tão falada quanto deveria. E ‘A Hora do Vampiro’ também não fez feio, já que conquistou o primeiro lugar do top 10 da Max. O longa ainda se mantém no ranking hoje, em terceira posição.