quinta-feira , 21 novembro , 2024

Depois de Maio

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Poderia falar apenas do filme. Comentar sua história, seus planos, as atuações, etc. Mas, não resisti aos encantos e provocações de “Depois de Maio”, de Olivier Assayas. O filme, a rigor, trata sobre a juventude francesa nos anos seguintes a maio de 1968, mês síntese das convulsões culturais e políticas do período.

Gilles tem 16 anos em 1971. Era um período de ressaca. Junto com amigos, ele se envolve em movimentos sociais de esquerda que buscavam a derrubada do capitalismo. Nos primeiros momentos do filme, acompanhamos um verossímil registro do espírito daquela época, confrontos com a polícia, debates sobre os problemas do proletariado, a organização de uma intervenção, com direito a mimeógrafo que só pode reproduzir material que contribua para a revolução. Depois que o grupo agride gravemente um vigia, os amigos rumam para a Itália, tentando escapar das consequências.



Essa fuga revela as personagens como “filhinhos de papai”. Mas Assayas faz crítica rasa. A película expõe o pós-1968 em sua contradição. É um começo de transição entre duas épocas, dando os primeiros passos para deixar uma Guerra Fria e derrubar costumes. A estrutura da narrativa absorve essas contradições fazendo o espectador sentir essa transição.

As contradições estão marcadas em diálogos, como aquela em que um comunista alerta Gilles. Gilles estava lendo um livro que expunha as falha da Revolução Cultural de Mao, na China. Outro momento genial é a discussão sobre qual forma os filmes de propaganda de esquerda deveriam adotar para não se filiarem a uma estética burguesa.

A maior contradição são os desejos opostos de Gilles: se engaja na luta revolucionária, ao mesmo tempo busca desenvolver sua individualidade artística. Não é possível ser revolucionário sendo um artista individualista burguês, parece dizer o velho revolucionário. E eu pergunto, seria possível ser artista sem ser revolucionário?

Assayas expõe a transição desse período. Quanto mais perto do final estamos, aumentam o número de personagens que vão se acomodando. Ou melhor, se ajeitando. A palavra “acomodar” não transmite bem o sentimento do filme. Não se trata de uma desilusão – ao menos explícita – com a causa comunista, nem de um gesto cínico, no qual o velho comuna descobre que vale mais a pena vender camisas de Che do que empunhar armas. Não! Com seu ritmo, o filme reproduz aquela natural acomodação da vida. A maioria das pessoas luta por seus ideais até certo ponto. Alcançando ou não, ou apenas realizando parte deles, em algum instante, adotamos uma forma tranquila para levar nossas vidas. E ela segue e nos leva.

A complexidade do início dos anos 1970 está plena na tela. Temos os revolucionários, os adolescentes deslumbrados, os adultos obcecados com o comunismo e aquelas mais interessados no sexo e no desbunde do em derrubar o capital. Afinal, pergunto ao leitor, o que é mais gostoso: imprimir panfletos em mimeógrafos ou uma orgia?


O trabalho de Assayas é provocador para nós que vivemos um renascimento do protesto. Depois de uma final de século apático, o século XXI veio com uma emergência, e começamos a atirar para todos os lados. Grita-se contra tudo e contra todos. Virou moda protestar. As grandes ideologias do passado não tem a mesma força, vivendo dos restos que os movimentos sociais deixam cair. Hoje, luta-se pela igualdade entre os gêneros, pela liberdade de expressão, por direito individuais, pelos direitos coletivos, pelo meio ambiente, pelo desenvolvimento. Todos querem (a sua versão de) um mundo melhor. Da esquerda aposentada à velha direita, dos ateus aos evangélicos, dos que querem mudar tudo aos que querem manter tudo. Protesta-se muito sobre tudo, embora eu ache que ainda não aprendemos a reclamar.

“Depois de maio” expõem as contradições de 1970. E as nossas? Hoje, apesar dos protestos de rua, virou moda protestar pelas redes sociais; filhos, netos, mães, pais, avós e avôs compartilham o mesmo meme. E, ao menos no Brasil, os protestos de rua não possuem mais o choque. Deve existir alguma contradição quando a polícia dá segurança para protestos que pretendem mudar tudo que aí está! Não, não quero a violência dos protestos do passado. Mas, se naquele tempo, com blocos ideológicos razoavelmente delimitados, já havia contradição, quanto mais hoje, onde no Oriente Médio radicais religiosos derrubam ditaduras, movimentos de minorias pedem censura e grupos majoritários querem negar direitos básicos às minorias!

Não quero entrar mais em política. Fica chato rápido! Queria só deixar registrado, o quanto o filme de Assayas violentou minha mente acomodada…

 

 

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Poderia falar apenas do filme. Comentar sua história, seus planos, as atuações, etc. Mas, não resisti aos encantos e provocações de “Depois de Maio”, de Olivier Assayas. O filme, a rigor, trata sobre a juventude francesa nos anos seguintes a maio de 1968, mês síntese das convulsões culturais e políticas do período.

Gilles tem 16 anos em 1971. Era um período de ressaca. Junto com amigos, ele se envolve em movimentos sociais de esquerda que buscavam a derrubada do capitalismo. Nos primeiros momentos do filme, acompanhamos um verossímil registro do espírito daquela época, confrontos com a polícia, debates sobre os problemas do proletariado, a organização de uma intervenção, com direito a mimeógrafo que só pode reproduzir material que contribua para a revolução. Depois que o grupo agride gravemente um vigia, os amigos rumam para a Itália, tentando escapar das consequências.

Essa fuga revela as personagens como “filhinhos de papai”. Mas Assayas faz crítica rasa. A película expõe o pós-1968 em sua contradição. É um começo de transição entre duas épocas, dando os primeiros passos para deixar uma Guerra Fria e derrubar costumes. A estrutura da narrativa absorve essas contradições fazendo o espectador sentir essa transição.

As contradições estão marcadas em diálogos, como aquela em que um comunista alerta Gilles. Gilles estava lendo um livro que expunha as falha da Revolução Cultural de Mao, na China. Outro momento genial é a discussão sobre qual forma os filmes de propaganda de esquerda deveriam adotar para não se filiarem a uma estética burguesa.

A maior contradição são os desejos opostos de Gilles: se engaja na luta revolucionária, ao mesmo tempo busca desenvolver sua individualidade artística. Não é possível ser revolucionário sendo um artista individualista burguês, parece dizer o velho revolucionário. E eu pergunto, seria possível ser artista sem ser revolucionário?

Assayas expõe a transição desse período. Quanto mais perto do final estamos, aumentam o número de personagens que vão se acomodando. Ou melhor, se ajeitando. A palavra “acomodar” não transmite bem o sentimento do filme. Não se trata de uma desilusão – ao menos explícita – com a causa comunista, nem de um gesto cínico, no qual o velho comuna descobre que vale mais a pena vender camisas de Che do que empunhar armas. Não! Com seu ritmo, o filme reproduz aquela natural acomodação da vida. A maioria das pessoas luta por seus ideais até certo ponto. Alcançando ou não, ou apenas realizando parte deles, em algum instante, adotamos uma forma tranquila para levar nossas vidas. E ela segue e nos leva.

A complexidade do início dos anos 1970 está plena na tela. Temos os revolucionários, os adolescentes deslumbrados, os adultos obcecados com o comunismo e aquelas mais interessados no sexo e no desbunde do em derrubar o capital. Afinal, pergunto ao leitor, o que é mais gostoso: imprimir panfletos em mimeógrafos ou uma orgia?


O trabalho de Assayas é provocador para nós que vivemos um renascimento do protesto. Depois de uma final de século apático, o século XXI veio com uma emergência, e começamos a atirar para todos os lados. Grita-se contra tudo e contra todos. Virou moda protestar. As grandes ideologias do passado não tem a mesma força, vivendo dos restos que os movimentos sociais deixam cair. Hoje, luta-se pela igualdade entre os gêneros, pela liberdade de expressão, por direito individuais, pelos direitos coletivos, pelo meio ambiente, pelo desenvolvimento. Todos querem (a sua versão de) um mundo melhor. Da esquerda aposentada à velha direita, dos ateus aos evangélicos, dos que querem mudar tudo aos que querem manter tudo. Protesta-se muito sobre tudo, embora eu ache que ainda não aprendemos a reclamar.

“Depois de maio” expõem as contradições de 1970. E as nossas? Hoje, apesar dos protestos de rua, virou moda protestar pelas redes sociais; filhos, netos, mães, pais, avós e avôs compartilham o mesmo meme. E, ao menos no Brasil, os protestos de rua não possuem mais o choque. Deve existir alguma contradição quando a polícia dá segurança para protestos que pretendem mudar tudo que aí está! Não, não quero a violência dos protestos do passado. Mas, se naquele tempo, com blocos ideológicos razoavelmente delimitados, já havia contradição, quanto mais hoje, onde no Oriente Médio radicais religiosos derrubam ditaduras, movimentos de minorias pedem censura e grupos majoritários querem negar direitos básicos às minorias!

Não quero entrar mais em política. Fica chato rápido! Queria só deixar registrado, o quanto o filme de Assayas violentou minha mente acomodada…

 

 

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