Fama é uma palavra bastante sedutora. Em algum momento de nossas vidas, todos já pensamos como seria bom ser reconhecido por milhões de pessoas, aclamado mundialmente por fazer algo no qual sempre foi bom, mas nunca foi prestigiado. Entretanto, apesar de ser uma máxima bastante clichê, poucas pessoas realmente sabem do que se abre mão para conseguir o tão almejado sucesso, ou então o quão traumático costuma ser o passado daqueles que idolatramos. É justamente nesse ponto que ‘Vox Lux’, filme de Brady Corbet resolve se delinear, explorando pontos de extrema sensibilidade com uma crueza angustiante.
Logo nos primeiros minutos, a produção prova ao público que não é uma obra como as outras. Partindo de uma intimista e claustrofóbica perspectiva, Corbet arquiteta uma trágica sequência terrorista que culmina num assassinato em massa. Porém, não pense que o diretor se vale de convencionalismos para construir esse primeiro e catártico impacto: ele busca por uma construção cênica mais fechada, quase sem cortes, que nos restringe ao campo de visão que deseja – mais precisamente ao frustrado rosto da jovem Celeste (Raffey Cassidy), que acaba levando um tiro no pescoço e, de forma quase inexplicável, sobrevive com a bala alojada em sua coluna espinhal. Ela então, sendo a única sobrevivente do massacre, presta homenagem aos seus falecidos colegas e, nesse momento, se lança na carreira musical.
Corbet se vale muito de estéticas predecessoras para arquitetar seu longa-metragem e, em muitos momentos, é possível perceber que suas influências tangenciam sutilmente as habilidades cinematográficas do controverso Lars von Trier. Afinal, os créditos finais sobem logo após o prólogo; a narrativa é dividida em vários capítulos que respaldam o híbrido épico-dramático, e não podemos nos esquecer dos bruscos cortes e da presença de um narrador onisciente (Willem Dafoe), que por vezes nos sana algumas dúvidas sem a necessidade da ação imagética tornar a explicação redundante. Porém, o diretor não abre mão de colocar sua própria identidade, a qual é refletida nos competentes planos-sequência que acompanham as personagens principais ao longo desse nada ortodoxo tour-de-force.
Celeste acaba fazendo muito sucesso, porém nunca deixou de ser estigmatizada pelos eventos que ocorreram em seu passado. E não até 2017, quando a trama dá um salto no tempo, que a protagonista, agora interpretada por Natalie Portman, transforma-se em uma cínica popstar, sem escrúpulos e sem papas na língua que na verdade é uma representação mais velha de uma garota mimada obrigada a crescer rápido demais. De fato, é Portman quem carrega o filme inteiro em suas costas, entregando-se a uma de suas melhores performances e transformando diálogos aparentemente bobos em reflexões metafísicas sobre sua carreira, sua vida e sobre as pessoas que vivem ao seu redor há anos – incluindo a introvertida filha Albertine (Cassidy novamente).
Portman não se mostra forçada em nenhum momento – muito pelo contrário: ela faz bom uso de uma personagem tão complexa que, por vezes, se perde em meio a uma trama vazia e que vai de nenhum lugar para lugar nenhum. Apesar do inquebrantável ciclo que Corbet, também responsável pelo roteiro, cria para seu público, a atriz resgata os elementos fundamentais de suas outras atuações (é quase impossível não relacionar Celeste com Nina, de ‘Cisne Negro’) para delinear as múltiplas facetas de um ser humano bombardeado por acontecimentos que acionam gatilhos de outrora. É interessante e triste observar como, mesmo anos depois, os mesmos eventos se repetem e a colocam nos holofotes da maneira como não queria, drenando a atenção de seu profissionalismo para seu cotidiano num piscar de olhos.
Jude Law também insurge como uma boa adição ao elenco, dando vida ao não-intitulado diretor-gerente de Celeste desde que era uma adolescente. Ele permanece em íntimo contato com a cantora desde sempre, porém parece dar as caras em cena nos momentos de maior delicadeza possível, ou então quando a protagonista está prestes a ter uma breve epifania. Apesar de ser considerado a figura paternal, nunca esteve presente em situações decisivas para como Celeste enxergava a si mesma e aos outros – não é à toa que sua irmã, Eleanor (Stacy Martin), acabou tomando conta dela de uma forma preocupante, levando-a para baladas, festas regadas a bebida, obrigando-a a crescer antes do tempo e transformando-a em uma eterna e carente criança que não sabe ouvir “não” como resposta.
Em outras palavras, nossa anti-heroína posta-se mais como adulta aos catorze anos do que aos trinta e um. Logo antes do show de encerramento do longa-metragem, Celeste acaba se entupindo de drogas e acaba cedendo às próprias frustrações, recordando-se de tudo o que já aconteceu e desabando no colo de sua irmã, à qual culpava por inúmeras coisas – incluindo a quase gravidez precoce da filha adolescente. Porém, é Eleanor quem segura as pontas novamente e recupera a glória amadurecida de sua irmã mais nova, resgatando-a de uma ridícula cena histérica em que se comporta como um bebê de quatro anos de idade. É essa transposição bastante orgânica que nos mantém presos à história do começo ao fim – mas também, nada vai muito além disso.
A composição fílmica busca pela entrega de mensagens subliminares, da teorização e explanação de como eventos traumáticos permanecem incrustados no subconsciente principalmente de celebridades mundiais, ainda que algumas metáforas não consigam fugir da obviedade. E, dentro desse escopo, um dos recursos utilizado emerge com a estética sonora da música clássica que insurge como provocador proposital de sensações – misturando angústia e artificialidade para revelar que a fama não é um mar de flores. Há também um apreço por metáforas bíblicas que mancha, em partes, essa ambiciosa construção reflexiva.
‘Vox Lux – O Preço da Fama’ pode ter suas falhas, mas vale muito a pena pela crueza transposta por um elenco de ponta. E, como é de praxe, Portman acaba ofuscando seus companheiros de cena por mais uma entrega irretocável e que, mais uma vez, reflete sua versatilidade como uma das melhores atrizes de sua geração.