segunda-feira , 4 novembro , 2024

Dica de Série | ‘Tales From the Loop’ é uma antologia que merecia maior reconhecimento

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Em 2014, o artista sueco Simon Stålenhag lançou um livro artístico intitulado Contos do Loop, uma série de imagens incríveis que mostravam a sociedade lidando com a presença de um massivo acelerador de partículas chamado Loop, localizado nos subterrâneos de uma cidade do interior. As incríveis imagens foram compostas com um tom retro-futurista e logo caíram no gosto popular – e é claro que não demoraria muito até que essas histórias sem falas ganhassem uma versão televisiva ou fílmica. Em 2020, o Prime Video decidiu comprar os direitos intelectuais da obra de Stålenhag e deu origem a Tales from the Loop, uma reflexiva e sinestésica produção antológica dividida em oito capítulos que, apesar de ter um tom bastante peculiar e arrastado nos primeiros minutos, desponta em uma catártica crítica à essência da vida e do ser humano.

Os episódios partem principalmente da estruturação de séries como Black Mirror e American Horror Story, destinando uma narrativa específica a cada iteração antes de uni-las em um microcosmos exuberante e recheado de personagens controversos. Mais do que isso, o criador e roteirista Nathaniel Halpern mergulhou de cabeça nos enredos oníricos, destrinchando-os em fábulas expressivamente densas que nos convidam a pensar sobre o nosso motivo no planeta. Envolto por atmosferas bastante dramáticas, o ciclo de abertura pode até ter seus erros, mas estes são ofuscados por arcos bem construídos, atuações de tirar o fôlego e reviravoltas que nos deixam frustrados e atordoados por todos os motivos certos – isso sem comentar o poder dos contos em nos guiar por caminhos errados antes de estampar com clareza dúbia o que precisa.

Todas as tramas e subtramas convergem para uma família em específico, cujas vidas giram por completo em torno do Loop: até mesmo as construções mais diversas e inesperadas caminham para uma resolução que impacta no dinamismo dos membros desse núcleo, constantemente experimentando mudanças drásticas. O piloto, por exemplo, discorre-se como uma tragédia clássica a realização que uma jovem menina chamada Loretta (Abby Ryder Fortson) tem sobre o abandono da mãe e seu consequente amadurecimento forçado. Entretanto, quanto menos esperávamos, a criança descobre que viajou para o futuro de uma forma inexplicável, encontrando com si mesma e com a família que veio a construir em um confronto titânico de personalidades e de autoafirmações.

Halpern não pensa duas vezes em homenagear clássicos da literatura gótica e romântica, pincelando-as com arquiteturas saídas dos romances de ficção científica. Em “Enemies”, por exemplo, descobrimos a verdade por trás da cautelosa e traumática vida de George (Paul Schneider) que, quando criança, aceitou o desafio de seus amigos e partiu numa viagem irreversível para uma ilha remota, apenas para encontrar a horrenda criatura que lá habitava e perder seu braço devido a uma infecção generalizada. Aqui, o embate do novo e do estranho com o “normal” flerta com o atemporal Frankenstein, assinado por Mary Shelley, transmutando os conceitos filosóficos do Prometeu moderno para uma ambientação ainda mais contemporânea e conceitual.

A série também trabalha com diversas simbologias para declarar que a fé e a ciência andam lado a lado em uma concepção que beira as distopias das primeiras décadas do século passado, aproximando-se dos comportamentos saudosistas de 1984 e Admirável Mundo Novo. Em “Echo Sphere”, Cole (Duncan Joiner) é obrigado a lidar com a natureza da vida e da morte quando percebe que seu avô, seu confidente e melhor amigo, está muito perto de dar adeus e partir dessa para uma melhor; é dentro dessa premissa que o garoto é auxiliado pela presença dos vaga-lumes, uma escolha interessante visto que os insetos representam o retorno dos entes queridos que já se foram e podem ser encarados como guias espirituais – o que torna a última cena do capítulo bastante emblemática para o crescimento de cada uma das personas protagonistas.

Apesar de certas escolhas narrativas parecerem incrementadas ou fantasiosas demais – o que parece irônico, considerando o teor onírico do show -, o time criativo preza muito pela presença humana, como já mencionado nos parágrafos acima. Enquanto de um lado temos uma fotografia bastante panfletária, que deixa em primeiro plano as vultuosas construções do Loop, como arranha-céus tortuosos e robôs antropomorfizados, de outro há uma decisão arriscada de situar as histórias em um escopo campesino e rural, que propositalmente vai de encontro ao que esperaríamos de uma produção de sci-fi e, no geral, funciona. É por esse motivo que encontramos um riacho perdido no tempo que insurge como ponte entre as gerações, buracos negros que brotam nos campos de trigo ou postes de iluminação no meio de uma sombria floresta.

Cada peça audiovisual brinca de modo deliciosamente sádico com os preceitos de felicidade e tragédia: em outras palavras, os sentimentos que se destinam aos personagens, como amor, saudade, coragem e medo, partem de uma linearidade angustiante que se transforma na completa perda de esperança apenas para resgatar as coisas como outrora eram (o eterno retorno a si mesmo). Em “Stasis”, a protagonista se vê num idealizado romance que prova ser algo efêmero e impalpável; “Transpose” analisa as consequências de uma brincadeira e como o prospecto de desterro pode ser mais perigoso do que parece; e em “Parallel”, um funcionário do Loop atravessa dimensões para ter um relance do que sua vida poderia ser: tão ou mais frustrante do que imaginava.

Tales from the Loop é uma interessante e subestimada obra do catálogo do Prime Video que exala potencial. Infelizmente, já faz três anos desde que a plataforma de streaming lançou a leva de oito episódios e, visto que nenhuma outra informação nos foi revelada, é bem provável que não voltemos a revisitar esse incrível cosmos.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Os episódios partem principalmente da estruturação de séries como Black Mirror e American Horror Story, destinando uma narrativa específica a cada iteração antes de uni-las em um microcosmos exuberante e recheado de personagens controversos. Mais do que isso, o criador e roteirista Nathaniel Halpern mergulhou de cabeça nos enredos oníricos, destrinchando-os em fábulas expressivamente densas que nos convidam a pensar sobre o nosso motivo no planeta. Envolto por atmosferas bastante dramáticas, o ciclo de abertura pode até ter seus erros, mas estes são ofuscados por arcos bem construídos, atuações de tirar o fôlego e reviravoltas que nos deixam frustrados e atordoados por todos os motivos certos – isso sem comentar o poder dos contos em nos guiar por caminhos errados antes de estampar com clareza dúbia o que precisa.

Todas as tramas e subtramas convergem para uma família em específico, cujas vidas giram por completo em torno do Loop: até mesmo as construções mais diversas e inesperadas caminham para uma resolução que impacta no dinamismo dos membros desse núcleo, constantemente experimentando mudanças drásticas. O piloto, por exemplo, discorre-se como uma tragédia clássica a realização que uma jovem menina chamada Loretta (Abby Ryder Fortson) tem sobre o abandono da mãe e seu consequente amadurecimento forçado. Entretanto, quanto menos esperávamos, a criança descobre que viajou para o futuro de uma forma inexplicável, encontrando com si mesma e com a família que veio a construir em um confronto titânico de personalidades e de autoafirmações.

Halpern não pensa duas vezes em homenagear clássicos da literatura gótica e romântica, pincelando-as com arquiteturas saídas dos romances de ficção científica. Em “Enemies”, por exemplo, descobrimos a verdade por trás da cautelosa e traumática vida de George (Paul Schneider) que, quando criança, aceitou o desafio de seus amigos e partiu numa viagem irreversível para uma ilha remota, apenas para encontrar a horrenda criatura que lá habitava e perder seu braço devido a uma infecção generalizada. Aqui, o embate do novo e do estranho com o “normal” flerta com o atemporal Frankenstein, assinado por Mary Shelley, transmutando os conceitos filosóficos do Prometeu moderno para uma ambientação ainda mais contemporânea e conceitual.

A série também trabalha com diversas simbologias para declarar que a fé e a ciência andam lado a lado em uma concepção que beira as distopias das primeiras décadas do século passado, aproximando-se dos comportamentos saudosistas de 1984 e Admirável Mundo Novo. Em “Echo Sphere”, Cole (Duncan Joiner) é obrigado a lidar com a natureza da vida e da morte quando percebe que seu avô, seu confidente e melhor amigo, está muito perto de dar adeus e partir dessa para uma melhor; é dentro dessa premissa que o garoto é auxiliado pela presença dos vaga-lumes, uma escolha interessante visto que os insetos representam o retorno dos entes queridos que já se foram e podem ser encarados como guias espirituais – o que torna a última cena do capítulo bastante emblemática para o crescimento de cada uma das personas protagonistas.

Apesar de certas escolhas narrativas parecerem incrementadas ou fantasiosas demais – o que parece irônico, considerando o teor onírico do show -, o time criativo preza muito pela presença humana, como já mencionado nos parágrafos acima. Enquanto de um lado temos uma fotografia bastante panfletária, que deixa em primeiro plano as vultuosas construções do Loop, como arranha-céus tortuosos e robôs antropomorfizados, de outro há uma decisão arriscada de situar as histórias em um escopo campesino e rural, que propositalmente vai de encontro ao que esperaríamos de uma produção de sci-fi e, no geral, funciona. É por esse motivo que encontramos um riacho perdido no tempo que insurge como ponte entre as gerações, buracos negros que brotam nos campos de trigo ou postes de iluminação no meio de uma sombria floresta.

Cada peça audiovisual brinca de modo deliciosamente sádico com os preceitos de felicidade e tragédia: em outras palavras, os sentimentos que se destinam aos personagens, como amor, saudade, coragem e medo, partem de uma linearidade angustiante que se transforma na completa perda de esperança apenas para resgatar as coisas como outrora eram (o eterno retorno a si mesmo). Em “Stasis”, a protagonista se vê num idealizado romance que prova ser algo efêmero e impalpável; “Transpose” analisa as consequências de uma brincadeira e como o prospecto de desterro pode ser mais perigoso do que parece; e em “Parallel”, um funcionário do Loop atravessa dimensões para ter um relance do que sua vida poderia ser: tão ou mais frustrante do que imaginava.

Tales from the Loop é uma interessante e subestimada obra do catálogo do Prime Video que exala potencial. Infelizmente, já faz três anos desde que a plataforma de streaming lançou a leva de oito episódios e, visto que nenhuma outra informação nos foi revelada, é bem provável que não voltemos a revisitar esse incrível cosmos.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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