quarta-feira , 20 novembro , 2024

Dica do Feriado | ‘Gaga: Five Foot Two’ mostra as dores e as paixões de uma das maiores artistas de todos os tempos

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A ascensão de Lady Gaga como ícone da cultura pop e como símbolo da comunidade LGBTQ não é um fato apenas pela sua fama mundial: a cantora, produtora e atriz foi uma das primeiras do cenário contemporâneo, buscando inspirações em rostos muito conhecidos como David Bowie e Elton John, a falar abertamente sobre temas vistos por uma sociedade mais conservadora e reacionária como tabus: gênero, sexualidade, religião, descobrimento e aceitação. Através de seus inúmeros álbuns, Gaga atingiu milhões de pessoas em todos os cantos do planeta e, com suas letras inspiradoras, serviu até mesmo como terapia para livrar vítimas de depressão. Entretanto, sabe-se que a fama e o sucesso sempre vêm com um preço – e é exatamente sobre isso que Gaga: Five Foot Two fala: sobre seu incrível patamar na atmosfera artística atual em detrimento de uma decadência pessoal.

Muitos podem pensar que a obra, idealizada e dirigida por Chris Moukarbel, é uma jogada de marketing pela recepção mista do mais novo álbum da cantora, intitulado Joanne. Confesso que, antes de assistir ao documentário, me ocorreu o mesmo pensamento: mas posso garantir que a ideia aqui vai muito além disso e que, através de relatos extremamente pessoais, a obra em si me emocionou muito, permitindo que eu a respeitasse ainda mais como a artista que é – mas principalmente como um ser humano que passa pelos mesmos problemas que todos os outros.



A cronologia do documentário habita o espaço de um ano, desde a concepção da música Millions Reasons, em meados de 2016, até sua apresentação no intervalo da 51ª edição do Super Bowl. Iniciando-se com um plano estático mostrando a literal ascensão de Gaga para o início de sua apresentação durante as finais de futebol americano, o título já nos premedita o teor das declarações e dos testemunhos: “five foot two” equivale a “um metro e sessenta”, fazendo alusão à altura da personalidade, que nunca foi muito alta, mas sempre carregou um enorme peso devido à sua criação e aos seus ideais artísticos, sociais e políticos. A partir daí, a história transforma-se em uma espécie de reality show que segue sua conturbada agenda e suas múltiplas facetas laborais e pessoais.

Já posso dizer que, principalmente aos fãs de Gaga, o filme irá emocionar. Muito. Conhecidos como little monsters, a incrível legião de “seguidores” não apenas terá contato com uma parte nunca antes mostrada, mas entenderá todos os motivos que a fizeram mudar de forma brusca seu estilo musical. Afinal, desde o lançamento de ‘ARTPOP’ em 2013, a artista permaneceu em um limbo de críticas ferrenhas que não compreenderam a magnitude transgressora de suas músicas, acusando as canções de serem mal produzidas, imaturas e sem começo ou fim. O quarto álbum de estúdio é constantemente mencionado como uma fase de transição de Gaga para aquilo que ela realmente é – e suas frases sobre essa maturação psicológica são como fonte de inspiração para a nossa própria aceitação.

“Eu acho que as pessoas não estavam prontas para ver quem eu realmente era. Não acho que ainda estão”, ela diz, após os preparativos para o lançamento de Joanne’ estarem a caminho. Em uma complicada jornada que envolve perda, sofrimento (físico e psicológico) e inúmeras decepções, ela demonstra que a música emerge como um escape para os problemas que se instalam em outros âmbitos de sua vida – com ênfase nos relacionamentos familiares e amorosos. Em determinado momento, perscrutado por flashes que mostram um ensaio fotográfico conceitual para o marketing de suas músicas, o glamour por trás das joias, das roupas de alta-costura e da fama entra em choque com seu depoimento em prantos, dizendo que as vendas insuperáveis de seus álbuns sempre lhe trouxeram consequências – e aqui ela se refere a que mais lhe deixa traumas: a solidão.

Durante todo o documentário, os momentos de fraqueza de Gaga são colocados em holofote, mas não de modo panfletário. A concepção aqui é mostrar um lado humanizado que normalmente é ofuscado por sua alta e original expressividade, seja nas performances ou na roupagem estilística. Apesar de estar rodeada de amigos, parceiros e agentes, ela se sente sozinha por não ter ninguém que entenda o que ela passa diariamente – e aqui fazemos um paralelo com seu diagnóstico de fibromialgia que carrega desde 2012, mas que veio à tona apenas neste ano. Em várias tomadas, Gaga é vista em uma profunda dor, que se assemelha a espasmos generalizados em todo o seu corpo, desde a ponta do pé até a mandíbula, e que a colocam num estado de impotência extremo. São nesses momentos que não conseguimos segurar as lágrimas e nos relembrar dos nossos picos de fragilidade e acuamento, permitindo uma conexão ainda maior.

O momento mais emocionante, contudo, vem em uma sequência íntima com a avó, Angeline Germanotta. Joanne’ foi intitulado em homenagem à tia que Gaga nunca conheceu, e que morreu apenas aos 19 anos devido a complicações decorrentes da doença lúpus. Joanne Germanotta era uma artista e foi obrigada a ter suas mãos amputadas devido à condição degradante. “Deixem que ela parta”, Angeline disse após a cirurgia da filha, imaginando como sua vida seria miserável por nunca mais conseguir pintar. A partir dessa história, a cantora compôs uma música homônima para imortalizar a imagem de uma de suas grandes inspirações. Moukarbel, apesar de se utilizar de planos mais abertos, em nenhum momento deixa a subjetividade do momento esvaecer, mantendo o enquadramento nas duas mulheres à medida em que ambas se emocionam profundamente com o significado de tudo aquilo.

Talvez o ponto fraco do documentário seja sua arquitetura imagética. Utilizando métodos não convencionais para transparecer realismo ao que está sendo mostrado, o diretor opta basicamente pela câmera na mão, pelo ajuste de foco tardio e pelo enquadramento não centralizado, fugindo dos padrões normativos de outras obra do gênero. A estética incomoda a princípio, principalmente pela falta de correção de cor e ajuste da abertura de lente, mas esse é o objetivo: afastar-se do cinematográfico e abrir margem para a conexão entre narrativa e público.

Gaga: Five Foot Two não apenas entrega uma nova perspectiva da icônica cantora, mas também explana acerca da ambivalência de seu novo álbum e como tudo isso vai muito além da simples “imagem” da artista. Afinal, ela está sendo ela mesma – e os clamores pela “antiga Gaga” não só são errôneos e desnecessários, mas também mostram a incompreensão do público perante alguém que simplesmente decidiu se mostrar, nua e crua, para o mundo.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Muitos podem pensar que a obra, idealizada e dirigida por Chris Moukarbel, é uma jogada de marketing pela recepção mista do mais novo álbum da cantora, intitulado Joanne. Confesso que, antes de assistir ao documentário, me ocorreu o mesmo pensamento: mas posso garantir que a ideia aqui vai muito além disso e que, através de relatos extremamente pessoais, a obra em si me emocionou muito, permitindo que eu a respeitasse ainda mais como a artista que é – mas principalmente como um ser humano que passa pelos mesmos problemas que todos os outros.

A cronologia do documentário habita o espaço de um ano, desde a concepção da música Millions Reasons, em meados de 2016, até sua apresentação no intervalo da 51ª edição do Super Bowl. Iniciando-se com um plano estático mostrando a literal ascensão de Gaga para o início de sua apresentação durante as finais de futebol americano, o título já nos premedita o teor das declarações e dos testemunhos: “five foot two” equivale a “um metro e sessenta”, fazendo alusão à altura da personalidade, que nunca foi muito alta, mas sempre carregou um enorme peso devido à sua criação e aos seus ideais artísticos, sociais e políticos. A partir daí, a história transforma-se em uma espécie de reality show que segue sua conturbada agenda e suas múltiplas facetas laborais e pessoais.

Já posso dizer que, principalmente aos fãs de Gaga, o filme irá emocionar. Muito. Conhecidos como little monsters, a incrível legião de “seguidores” não apenas terá contato com uma parte nunca antes mostrada, mas entenderá todos os motivos que a fizeram mudar de forma brusca seu estilo musical. Afinal, desde o lançamento de ‘ARTPOP’ em 2013, a artista permaneceu em um limbo de críticas ferrenhas que não compreenderam a magnitude transgressora de suas músicas, acusando as canções de serem mal produzidas, imaturas e sem começo ou fim. O quarto álbum de estúdio é constantemente mencionado como uma fase de transição de Gaga para aquilo que ela realmente é – e suas frases sobre essa maturação psicológica são como fonte de inspiração para a nossa própria aceitação.

“Eu acho que as pessoas não estavam prontas para ver quem eu realmente era. Não acho que ainda estão”, ela diz, após os preparativos para o lançamento de Joanne’ estarem a caminho. Em uma complicada jornada que envolve perda, sofrimento (físico e psicológico) e inúmeras decepções, ela demonstra que a música emerge como um escape para os problemas que se instalam em outros âmbitos de sua vida – com ênfase nos relacionamentos familiares e amorosos. Em determinado momento, perscrutado por flashes que mostram um ensaio fotográfico conceitual para o marketing de suas músicas, o glamour por trás das joias, das roupas de alta-costura e da fama entra em choque com seu depoimento em prantos, dizendo que as vendas insuperáveis de seus álbuns sempre lhe trouxeram consequências – e aqui ela se refere a que mais lhe deixa traumas: a solidão.

Durante todo o documentário, os momentos de fraqueza de Gaga são colocados em holofote, mas não de modo panfletário. A concepção aqui é mostrar um lado humanizado que normalmente é ofuscado por sua alta e original expressividade, seja nas performances ou na roupagem estilística. Apesar de estar rodeada de amigos, parceiros e agentes, ela se sente sozinha por não ter ninguém que entenda o que ela passa diariamente – e aqui fazemos um paralelo com seu diagnóstico de fibromialgia que carrega desde 2012, mas que veio à tona apenas neste ano. Em várias tomadas, Gaga é vista em uma profunda dor, que se assemelha a espasmos generalizados em todo o seu corpo, desde a ponta do pé até a mandíbula, e que a colocam num estado de impotência extremo. São nesses momentos que não conseguimos segurar as lágrimas e nos relembrar dos nossos picos de fragilidade e acuamento, permitindo uma conexão ainda maior.

O momento mais emocionante, contudo, vem em uma sequência íntima com a avó, Angeline Germanotta. Joanne’ foi intitulado em homenagem à tia que Gaga nunca conheceu, e que morreu apenas aos 19 anos devido a complicações decorrentes da doença lúpus. Joanne Germanotta era uma artista e foi obrigada a ter suas mãos amputadas devido à condição degradante. “Deixem que ela parta”, Angeline disse após a cirurgia da filha, imaginando como sua vida seria miserável por nunca mais conseguir pintar. A partir dessa história, a cantora compôs uma música homônima para imortalizar a imagem de uma de suas grandes inspirações. Moukarbel, apesar de se utilizar de planos mais abertos, em nenhum momento deixa a subjetividade do momento esvaecer, mantendo o enquadramento nas duas mulheres à medida em que ambas se emocionam profundamente com o significado de tudo aquilo.

Talvez o ponto fraco do documentário seja sua arquitetura imagética. Utilizando métodos não convencionais para transparecer realismo ao que está sendo mostrado, o diretor opta basicamente pela câmera na mão, pelo ajuste de foco tardio e pelo enquadramento não centralizado, fugindo dos padrões normativos de outras obra do gênero. A estética incomoda a princípio, principalmente pela falta de correção de cor e ajuste da abertura de lente, mas esse é o objetivo: afastar-se do cinematográfico e abrir margem para a conexão entre narrativa e público.

Gaga: Five Foot Two não apenas entrega uma nova perspectiva da icônica cantora, mas também explana acerca da ambivalência de seu novo álbum e como tudo isso vai muito além da simples “imagem” da artista. Afinal, ela está sendo ela mesma – e os clamores pela “antiga Gaga” não só são errôneos e desnecessários, mas também mostram a incompreensão do público perante alguém que simplesmente decidiu se mostrar, nua e crua, para o mundo.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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