De 2016 para cá, a quantidade de musicais lançados nos cinemas parece ter crescido bastante, após uma década de pouco prestígio deste gênero ante o grande público. O sucesso de longas como La La Land – Cantando Estações (2016) e Nasce Uma Estrela (2018) foi importante para mostrar a uma nova geração que é possível contar boas histórias sem necessariamente seguir aquele formato clássico.
E o mais interessante é que essa ‘retomada’ trouxe espaço para todas as formas de musicais, fazendo dele um gênero bastante popular novamente. Dentro deste cenário, um nome bastante inesperado surgiu com um estilo próprio muito intenso. O australiano Michael Gracey surgiu de forma avassaladora com um dos musicais hollywoodianos mais amados dos últimos anos, e viveu uma grande frustração ano passado. Seu estilo é marcado por fazer biografias musicais carregadas de emoção, cortes dinâmicos e frustrações. Seus protagonistas vivem verdadeiras montanhas-russas emocionais, indo do sucesso à lama em um estalar de dedos – e vice-versa.
Sua escolha por protagonistas polêmicos e tramas aventurescas, embaladas por trilhas extremamente marcantes atraiu públicos diferentes e ele acabou ganhando o título de diretor de ‘musicais para quem não gosta de musicais’, o que é exagerado, mas certamente traz um ponto. Seu talento para dialogar com diferentes tipos de público acaba fazendo de seus filmes “portas de entrada” para outros musicais.
Seu primeiro grande filme é o já clássico O Rei do Show. Lançado em 2017, o filme aproveita o talento musical de Hugh Jackman e um elenco que mistura astros do falecido Disney Channel com as peças da Broadway, o longa é uma adaptação biográfica do controverso P.T. Barnum, um empresário do entretenimento norte-americano que é considerado o responsável por moldar o circo como o conhecemos.
O longa sofreu críticas desde o começo por suas escolhas criativas. A vida real de P.T. Barnum foi marcada por polêmicas, como exploração de portadores de deficiência e propaganda enganosa, já que seus primeiros shows de entretenimento vendiam fraudes como se fossem atrações verdadeiras. Ele prometia encantar crianças e adultos com sereias, lobisomens, homens-macacos, mulheres barbadas e gigantes, sendo que eram apenas pessoas comuns fantasiadas ou com deficiências, como o famoso Tom Thumb, que era apenas um homem com nanismo. Ainda assim, ele conseguiu feitos incríveis na vida, principalmente depois de entrar para a vida política.
Outra escolha questionada na época foi a de Hugh Jackman para o papel principal. Afinal, Barnum era um homem calvo, narigudo, barrigudo e baixinho, nada a ver com Hugh, que é um dos grandes galãs de Hollywood. Mas é garantido que absolutamente todas essas desconfianças e polêmicas desaparecem nos primeiros segundos de filme, quando o picadeiro começa a ritmar The Greatest Show, uma das mais espetaculares canções desta trilha sonora original composta para o longa. É de arrepiar!
E o carisma de Jackman é simplesmente arrebatador. Ele te conquista desde a primeira aparição, mesmo deixando claro que o rapaz é um picareta de marca maior. Suas vigarices se mesclam com a vontade de dar uma vida melhor para a família, mesmo que isso signifique atropelar quem passar pela frente. Paralelamente a isso, conforme ele vai montando seu espetáculo circense, os personagens que entram em sua vida trazem novos dramas e se libertam de uma existência marcada por frustrações e preconceitos.
E justamente neste ponto que o público geral se encantou. O que deveria ser uma biografia empresarial acabou virando um grito por liberdade e inclusão, mostrando que todos importam, apesar das pressões sociais para que todos ajam da mesma forma. Em meio as pilantragens de P.T. Barnum, um grupo de excluídos ganha voz e assume o protagonismo de forma espetacular.
A outra dica é um filme cujo desempenho foi o extremo oposto de O Rei do Show. Se o musical circense virou um fenômeno de bilheteria, Better Man – A História de Robbie Williams foi um autêntico desastre comercial. Adorado pela crítica, o filme sofreu um duro baque com uma arrecadação risível nos Estados Unidos, principal praça comercial do cinema, com a justificativa de que o público norte-americano não conhecia o cantor Robbie Williams – ou apenas não se importava o suficiente com ele para prestigiar um filme sobre sua vida.
E o mais engraçado de toda essa situação, considerada por muitos executivos como uma vergonha, é que isso ter acontecido justamente em sua biografia acaba complementando toda a mensagem que Williams passa sobre sua vida durante o filme. O lado bom é que ele levou tudo na esportiva, mas é incrível como colabora para essa sensação de “montanha-russa” retratada na trama.
Embalado pelos maiores sucessos da carreira de Robbie, o filme retrata o artista britânico como um chimpanzé. E isso foi uma escolha do próprio cantor, que justificou dizendo que sempre se sentiu um macaco de circo, cuja única missão na vida era entreter o público. Ao longo da trama, o público vê seus primeiros passos como um garotinho talentoso, apoiado principalmente por sua avó, enquanto via o pai sofrer com delírios de grandeza e altas doses de um narcisismo que influenciaria diretamente na vida do garoto, que cresceria sempre em busca da aprovação alheia.
Essa mistura de infância e juventude, trazendo o contraste da vida de um menino solitário e inventivo com a de um jovem astro, consumido pelos exageros da vida de celebridade no Reino Unido, transitando pelas boates LGBT, pelas drogas, pelas bebedeiras e pelas mulheres, acaba criando uma história de ascensão e queda ridiculamente interessante. A própria escolha pelo macaco, que causou um estranhamento em parte do público, se mostra espetacular, já que o CGI é muito bem feito, o que acaba colaborando com toda a excentricidade desse projeto.
Por ter um ritmo ainda mais frenético e menos familiar que O Rei do Show, Better Man é uma história que é tão grandiosa quanto a vida de celebridade, arrancando gargalhadas e lágrimas na mesma intensidade. Você torce pelo sucesso do protagonista, enquanto percebe que sua glória é também sua ruína. Em meio a essa dualidade, o público se vê em uma ‘sinuca de bico’, aumentando o desespero que aflige o pequeno Robbie, que só queria ser famoso, mas logo é confrontado pelos fantasmas de sua vida.
É tão intenso que você acha que a única saída para ele é a morte, e olha que ela o acompanha em diferentes fases da vida, só que é um filme inspirado na história real do cantor, que está vivo até hoje e está levando uma vida mais equilibrada. Então, vê-lo encontrar uma saída é muito emocionante. E, ao contrário de outras produções biográficas, essa aqui consegue transmitir toda essa emoção sem virar um filme apelativo. É uma experiência sensorial, praticamente como acompanhar a vida de um amigo próximo que está cometendo erros enquanto tenta acertar.
Com seus protagonistas erráticos, Michael Gracey conseguiu criar experiências musicais capazes de “furar a bolha”, fazendo com que o interesse por esse gênero desperte em muita gente. Ambos os filmes são espetaculares e carregam mensagens interessantíssimas, além de trilhas sonoras que vão grudar na cabeça por meses.