A beleza do cinema é conseguir enxergar além do que os olhos conseguem captar. Falar de cinema é uma grande prova de amor ao sentimento das curiosidades que afligem esse imenso mundão que vivemos. Todo tipo de filme, de qualquer gênero, busca o importante elo em apresentar emoções ao espectador, seja ele quem for. Pensando em entender melhor as razões do porquê o cinema é uma coisa tão rica para nossa existência como ser humano, esse eterno jovem cinéfilo que vos escreve buscou cinéfilos espalhados pelo Brasil (alguns até pelo mundo) para contar um pouquinho da trajetória cinéfila deles para vocês.
Jornalista, muito querido, já trabalhou em diversos veículos de renome no cenário nacional, um crítico de cinema com uma análise sempre inteligente sobre as obras. Nosso convidado de hoje é o grande Alessandro Giannini. Já foi repórter na revista Set, editor de Cinema do UOL e colaborou durante um tempo com a equipe do jornal Metro, além de sua passagem pelo Jornal O Globo, entre outros. Eu mesmo sempre que via o nome do Giannini no texto prestava até mais atenção, pois sempre era uma grande aula principalmente porque você percebe logo de cara que é um grande cinéfilo, sempre com ótimas referências.
Curiosidade de quem vos escreve: eu uma vez, uns dez anos atrás na frente do Estação Botafogo, durante aquelas maravilhosas maratonas do Festival do RJ, na rua Voluntários da Pátria, perto de uma barraquinha de pipoca que sempre está por lá, vi o Alê lendo o programa do Festival. Ia falar com ele mas fiquei com vergonha (risos).
1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.
Difícil responder a esta pergunta cravando um só lugar, porque temos, em São Paulo, pelo menos três cinemas com programações que desviam do cardápio mais comercial – alguns deles fogem disso como o diabo da cruz. Pela ordem: Reserva Cultural, Espaço Itaú e Cinesesc.
2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente?
O primeiro que assisti no cinema foi uma versão da Disney de Robinson Crusoé ou da famigerada família Robinson. Mas não tenho uma memória viva desse momento. No entanto, lembro de assistir a Rastros de Ódio, do John Ford, na TV, com o meu pai e chorar feito uma criança – que eu, de fato, era – quando o John Wayne finalmente encontra Natalie Wood.
3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?
Outra pergunta difícil e que se move de acordo com o momento. Eu acho o Martin Scorsese um gênio, e isso está meio que comprovado pelo corpo de obra e por filmes como Touro Indomável ou Os Bons Companheiros ou Cassino. Além de tudo, o cara é cinéfilo e fez dois docs que são aulas sobre cinema americano e italiano. Mas poderia citar, também, Roberto Rossellini (Roma, Cidade Aberta) e Fellini (Amarcord).
4) Qual seu filme nacional favorito e por quê?
Assalto ao Trem Pagador, do Roberto Farias. Baseado numa história real, o filme retrata o famoso assalto ao trem da Central do Brasil. Acho que é um filme que fala e mostra como funciona o preconceito social e o racismo no Brasil.
5) O que é ser cinéfilo para você?
É uma paixão que não tem muitos limites e nem preferências. Acho que um cinéfilo de verdade não rejeita os filmes da Marvel e só consome filmes de arte. Ele encara tudo. E pode gostar mais de um tipo de filme ou de outro, mas está sempre aberto a descobrir algo novo.
6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?
Não a maior parte. Os grandes complexos certamente têm profissionais competentes, mas tratam os produtos com um olhar mais comercial do que cinéfilo. Agora, as salas que mencionei acima são dirigidas por gente com um olhar um pouco mais aguçado, sem deixar de enxergar o que podem lucrar com os filmes.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Acho impossível, porque é um lugar de entretenimento e também de reflexão. Assim como os teatros não acabaram e as bibliotecas também não fecharam. O que pode acontecer é uma transformação, mas não saberia dizer como.
8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Honeyland. Foi candidato ao Oscar de filme internacional e documentário longa. Um prodígio de narração e um retrato emocionante de uma personagem muito sofrida e com um gosto enorme pela vida. Infelizmente, foi comprado pouco antes de a pandemia chegar até nós. Quem tiver oportunidade, por favor, assista. É uma beleza.
9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Não, apesar de achar que muitos desses negócios vão sofrer mesmo que abram com as medidas de distanciamento.
10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Até a entrada do atual governo, estávamos em um ciclo virtuoso. As estatísticas compiladas pela Ancine mostravam isso. Uma indústria que empregava 300 mil pessoas e havia ultrapassado outros segmentos tradicionais. É muito triste, porque tínhamos muitos bons filmes sendo feitos, uma geração nova se revelando. O que temos hoje são espasmos. Você vê um Pacarrete aqui, um Partida acolá… Mas aquela explosão de novidades, acho que vai demorar um pouco para acontecer de novo.
11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.
Beto Brant é um cara que sempre faz coisas interessantes e que me instigam. O Invasor dele está entre os meus dez melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Jorge Furtado, que não tem filmado muito, é outro. Fernando Meirelles também.
12) Defina cinema com uma frase.
É um lugar de paz e de encontro comigo mesmo (Um clichê, claro, mas verdadeiro).
13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema.
Fui a muitas “cabines”, as famosas sessões para jornalistas, ao longo da carreira. Mas nenhuma foi tão divertida quanto a de Cidade dos Sonhos (2001), do David Lynch, que tem aquela estrutura dividida – são praticamente dois filmes em um. E um crítico muito respeitado, que estava bem velhinho e tinha um problema de incontinência, saiu da sala para ir ao banheiro pouco antes da virada. Quando ele voltou, ficou ali parado por uns minutos, até perguntar para alguém que filme estavam projetando. Ele mesmo, que já não está mais entre nós, deu risada da situação.