A Pequena Notável
Toda estrela tem sua ascensão. Todo ator possui aquele ponto de virada onde passa de um rosto desconhecido para a nova sensação, e parece estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Este é o caso com a jovem Florence Pugh, de 24 anos completos em janeiro. Com 15 trabalhos como atriz (entre filmes, séries, minisséries, curtas e filmes para a TV), e uma carreira que se iniciou há apenas seis anos, Pugh caminha para se tornar uma das grandes estrelas de sua geração.
Mesmo antes tendo participado de projetos chamativos, vide O Passageiro, Lady Macbeth, Legítimo Rei e as séries Marcella e Little Drummer Girl, é claro que o divisor de águas de seu currículo foi o ano de 2019, mais conhecido como ano passado. Primeiro, por protagonizar o inquietante novo trabalho de Ari Aster (Hereditário), Midsommar; e segundo, por seu papel conquistado como a ciumenta Amy March na adaptação de Greta Gerwig para o clássico literário Adoráveis Mulheres. O trabalho poderia ter passado em branco, mas nas mãos de uma intérprete poderosa como a pequena Pugh, rendeu-lhe sua primeira indicação ao Oscar. Precoce? Sim. Descabida? Definitivamente não.
A iniciante que de boba não tem nada, garantiu um agente de talentos esperto o suficiente para (ao lado de seu próprio esforço) a colocar no vindouro blockbuster da Marvel, Viúva Negra – onde trabalhará lado a lado com a super-heroína Scarlett Johansson, no papel de sua irmã mais nova, Yelena Belova. Antes de tudo isso, no entanto, Pugh já acumulava elogios no início de 2019 – numa prévia que poucos viram, do que seria seu ano. Os brasileiros então, tiveram que se contentar com o lançamento de Lutando Pela Família (Fighting With My Family) direto no mercado de vídeo, fora do radar da maioria.
Apesar de ser uma produção independente, Lutando Pela Família reuniu elogios suficientes da imprensa especializada, com impressionantes 93% de aprovação dos críticos, e 82% do público – além de se mostrar igualmente um sucesso de bilheteria, já que com um orçamento de US$ 11 milhões estimados, terminou sua estadia nos cinemas com US$ 40 milhões – e isso sem ser exibido em muitos países pelo mundo. Esse filme de prestígio chega ao Brasil agora diretamente na TV a cabo, em cartaz na rede Telecine.
Menciono Florence Pugh porque este é um show dela! Mas também devo abordar dois outros nomes importantes para a existência deste filme. O primeiro é justamente o seu tema, a jovem lutadora de WWE Paige, pseudônimo de Saraya-Jade Bevis, retratada no longa através da performance inspirada de Pugh. E o segundo, o grande nome saído do WWE (a luta livre ou telequete) para dominar Hollywood, Dwayne ‘The Rock’ Johnson. O ator, considerado um dos maiores empreendedores do cinema atual, e dos negócios de forma geral – com diversas patentes de marcas suas, desde produtos esportivos, roupas, tênis, fones, até tequila e, é claro, uma produtora de filmes -, bateu os olhos em Bevis e sua família pela primeira vez quando estava em Londres filmando Velozes e Furiosos 6 (2013).
Em seu quarto de hotel, The Rock se deparou com o documentário The Wrestlers – Fighting With My Family, que narra a trajetória em família da lutadora britânica e instantaneamente se apaixonou por sua história. Assim, ele decidiu bancar o projeto e entrou em contato com seu amigo de O Fada do Dente (2010), o também ator Stephen Merchant, que igualmente produz, assina o roteiro, a direção e faz uma aparição em tela. Johnson também participa interpretando ele mesmo. E numa das cenas mais curiosas e divertidas do longa, brinca em relação ao seu desentendimento com Vin Diesel.
A história, uma versão ficcional do documentário, que utiliza até mesmo seu título, narra a trajetória de Saraya-Jade Bevis, uma jovem londrina criada no núcleo de uma família de lutadores. Os pais, considerados “White-trash”, vieram da classe baixa inglesa – com o pai sendo inclusive um ex-presidiário, condenado por violência excessiva. Ao lado da esposa, o casal encontrou a “salvação” através da luta, ao invés da religião – ao menos financeiramente, foi mais lucrativo. No filme, os genitores são interpretados por Nick Frost (Todo Mundo Quase Morto) e Lena Headey (Game of Thrones). E neste ambiente, eles criam os dois filhos, o mais velho Zak (Jack Lowden) e a caçula Saraya (Pugh).
Além de ser uma jornada de sucesso da protagonista, na típica história do vencedor que saiu de baixo para conquistar o mundo – visto em inúmeros filmes de esporte, mais notoriamente em Rocky: Um Lutador (1976) -, Lutando Pela Família é um poderoso drama pessoal, descortinando como poucos filmes do gênero o psicológico de sua personagem principal. De forma bem detalhada o roteiro aborda como alguns sonhos frustrados de nossos pais são empurrados para se tornarem os nossos também. Saraya foi criada neste meio, e isso foi o que sempre conheceu. Em momento algum é questionado quais eram suas verdadeiras vontades. Assim, sua aptidão para a luta se torna a salvação de sua família financeiramente, e ao mesmo tempo uma oportunidade imperdível. O filme se propõe a debater este lugar dos filhos “explorados” pelos pais, muito comum até hoje, em especial no terreno artístico e do entretenimento.
Além desta proposta riquíssima, o filme ainda foca na rivalidade que nasce do primogênito Zak – quem realmente buscava uma carreira nesta área. Ele precisou ver sua irmã mais nova atingir algo que ele sempre quis e como se já não bastasse esta “derrota” da vida, a viu questionar sua vontade em relação a esta enorme conquista. Ou seja, uma pressão extra para a jovem lutadora, obrigada a assumir um papel que não lhe pertencia em nome de sua família.
Lutando pela Família é dinâmico e engraçado, brinca muito com o universo do WWE, o que para os fãs é um prato cheio – contando ainda com diversas participações especiais de lutadores reais. O que mais chama atenção, porém, é sua capacidade de inserir dúvidas muito relacionáveis e discutir com propriedade temas universais como culpa, obrigação, sonhos e responsabilidades, às vezes adquiridos de forma muito precoce sem que estejamos completamente preparados para tal fardo. Ah sim, e o filme cresce muito mais devido ao desempenho de uma certa Florence Pugh, atriz precoce, sim. Mas muito preparada para suas responsabilidades.