Autora alcançou fama mundial com saga sobre vampiros e dilemas morais originados da vida eterna
Em determinado momento do filme Garotos Perdidos, dirigido por Joel Schumacher em 1987, é apresentado que a gangue de jovens motociclistas liderada pelo personagem de Kiefer Sutherland é toda de vampiros e eles passam boa parte de seus dias realizando atividades extremamente perigosas; para um humano elas seriam mortais mas para eles se tornou corriqueiro, quase tedioso, pois a adrenalina da possibilidade de morrer não faz mais parte da existência deles.
O fator imortalidade, a essa altura, é algo que caminha de mãos dadas com a ideia do vampirismo tradicional na literatura (tanto popular quanto folclórica). Originalmente essas figuras fantásticas eram, em termos de comparação modernos, semelhantes a mortos vivos uma vez que eles nada mais eram do que mortos que se levantavam de suas tumbas para atacar os vivos.
Um dos relatos mais antigos desse tipo de criatura é do monstro conhecido como Draugr, este pertencente ao folclore escandinavo. Uma das primeiras pessoas a ligar o conceito do mencionado monstro escandinavo ao vampiro foi Andrew Lang no livro The Book of Dreams and Ghosts em 1897; porém, a correlação entre ambos é discutida por Ármann Jakobsson mais de um século depois no artigo The Fearless Vampire Killers: A Note About the Iceland Draugr and Demonic Contamination in Grettis Saga.
Para Jakobsson não há razão concreta, do ponto de vista gramatical, para Lang definir para Draugr a tradução como sendo “vampiro” uma vez que normalmente esse ser era traduzido como “fantasma”. É levantado então pelo autor que uma possível razão para essa decisão repouse no sucesso que o livro Drácula, escrito por Bram Stoker, estava obtendo no período e, por sua vez, redefinindo o mito do vampiro.
Basicamente tudo que se entende desse folclore atualmente, de alguma maneira, está presente no livro: fraqueza ao sol, estaca de madeira, sede por sangue, controle de clima (característica presente no mito do Draugr também), transfiguração em diferentes tipos de animais e a imortalidade. Aqui entra uma observação porque de todas as clássicas características do vampiro, a imortalidade realmente nunca é levada muito em consideração, com exceção das vezes em que é ressaltado que o vampiro é muito antigo (como em Drácula 2000) ou perigoso.
Ao longo de boa parte do século XX a maioria das produções relacionadas a vampiros se pautaram exclusivamente nos aspectos base, como a sede de sangue e a natureza inerentemente má, apresentados na obra de Stoker. Isso para não dizer que todas as grandes adaptações tinham em Drácula seu antagonista padrão; Todd Browning, os filmes da Hammer na década de 50 e 60 com Christopher Lee e até F. W. Murnau (Nosferatu foi o vampiro certo para a história errada) se apoiaram religiosamente na escrita do romancista irlandês para contarem suas próprias histórias.
Isso até 1976 quando um exemplar literário traria uma nova interpretação para um tema até então já bastante explorado. Até aquele ano a maior parte das interpretações da criatura mitológica permaneciam no mesmo status quo do livro de 1897, com nenhum símbolo sendo maior do que as produções de baixo orçamento da Hammer. De supetão é publicado Entrevista com o Vampiro e basicamente todos os leitores ficam aturdidos.
Sob um aspecto geral, o enredo gira ao redor de uma entrevista nos dias atuais (atuais de 1976 mas enfim) concedida pelo vampiro Louis a uma espécie de ouvinte especializado em gravar histórias de pessoas diversas. O livro então passa a ser ambientado no século XIX e acompanha os últimos dias de Louis como mortal até basicamente toda a parte inicial da sua existência imortal onde ele tenta se adaptar às novas necessidades e à perspectiva da eternidade.
Para muitos leitores esse foi, bem como ainda é, o que torna a visão da autora uma revisão muito necessária para esse folclore. Inicialmente após a transformação, Louis fica curioso quanto a sua nova condição; ávido para aprender com o vampiro responsável pela sua conversão (Lestat) tudo que é possível saber; de conceitos básicos sobre quais são os limites de um imortal até a dúvida mais profunda sobre se eles ainda possuem uma alma.
Sua primeira grande desilusão vem ao constatar que seu criador, seu “pai” para todos os efeitos, não tem as respostas que ele busca, bem como não parece ligar em busca-las. Imortalidade, para ele nessa fase inicial, é sinônimo para perguntas e expectativas, já para Lestat, bem mais antigo, é a certeza de que não há expectativas.
No artigo Conditions of Immortality: According to Aristotle, assinado pelo filósofo Thomas Davidson, é apontado pelo autor que na visão de Aristóteles a imortalidade não é a vida eterna, mas sim algo mais. “Imortalidade não é uma forma de vida ou um tipo de vida: é algo que acontece à vida – algo maior que a vida, ainda que sendo algo do qual a vida é uma condição… quando a vida passa para o Eterno, quando o mortal é posto na imortalidade, ele deixa de ser vida, no senso ordinário, e mortal”.
Tal teoria se encaixa bem na figura representada por Lestat como esse ser sem qualquer ligação com moralidade humana e que pauta sua existência unicamente no prazer da caça e execução. Ele, portanto, é o oposto do protagonista que luta para manter quaisquer evidências de humanidade e é desses embates ideológicos entre ambos que, talvez em uma situação anticlimática (não dita de maneira pejorativa), não ocorre uma mudança de visão para ambos mas sim uma reafirmação enfática tanto para Louis quanto Lestat de que suas opiniões estão corretas.
Anne Rice pauta muito do seu livro de estreia das Crônicas Vampirescas como uma constatação de que uma existência eterna não necessariamente traz respostas a perguntas que mortais possuem desde sempre (sobre Deus ou o sentido da vida) mas, em um efeito contrário ao esperado, inflexibiliza as visões de mundo dos imortais. Todo o tempo do mundo, literalmente, não incentiva à mudanças de percepções filosóficas ou de estilo de vida tanto para Louis quanto para Lestat ou qualquer um dos vampiros que aparecem no decorrer da trama.
Da mesma forma que o ideal do vampiro tem sido extremamente sólido desde a publicação de Drácula, em Entrevista com o Vampiro é apresentado um leque desses personagens sendo exatamente o que eles tem sido desde 1897: tragicamente imutáveis.