Após conquistar o prestigiado prêmio Camera d’Or em Cannes, Armand e os Limites das Famílias, dirigido por Halfdan Ullmann Tøndel e estrelado por Renate Reinsve, vencedora da Palma de Ouro em 2021, se posiciona como um forte candidato ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Filme Internacional. Em entrevista exclusiva ao CinePOP, Tøndel e Reinsve discutem os bastidores do filme, suas inspirações e as expectativas em torno da obra.
Anunciado na shortlist do Oscar no último dia 17 de dezembro, Armand também carrega a rica herança cinematográfica de Tøndel, neto de dois ícones do cinema, Ingmar Bergman e Liv Ullmann. A atuação de Reinsve, já aclamada em A Pior Pessoa do Mundo, é outro destaque, consolidando-a como uma das grandes estrelas internacionais do momento, com quatro filmes e uma série lançados em 2024.
Conexão Artística: Renate Reinsve e HalfdanTøndel
A parceria criativa entre Tøndel e Reinsve começou em 2016, durante a produção de um curta experimental. Embora o projeto nunca tenha sido lançado, a experiência foi transformadora para ambos. “Depois de filmar, ficamos tão emocionados que começamos a chorar. Decidimos naquele momento que faríamos algo juntos”, relembra Renate. Essa sintonia resultou em Armand e na complexa construção de Elizabeth, personagem interpretada por Renate.
Combinando narrativa provocativa e performances intensas, Armand é uma reflexão sobre moralidade, julgamento e os limites do comportamento humano. Para o roteiro do seu primeiro longa, Tøndel se inspirou em um evento real e suas indagações sobre a responsabilidade parental. De acordo com o diretor: “Uma criança fez um comentário inapropriado, e as reações foram extremamente polarizadas. Isso me fez pensar em como projetamos nossas próprias inseguranças nos outros.”
Elizabeth: Uma Protagonista Fascinante
Elizabeth é o núcleo emocional de Armand. Sob intensa pressão, a personagem projeta suas ansiedades nos outros, levando a comportamentos extremos. Para Reinsve, interpretá-la foi um desafio enriquecedor: “Todos nós temos momentos em que as piores partes de nós emergem. Elizabeth é a personificação disso.”
Entre os momentos mais marcantes está uma cena de riso descontrolado, que demandou uma preparação emocional única. “Eu disse ao Halfdan: ‘Não vou conseguir fazer isso.’ Mas ele me apoiou, e precisei me colocar em um estado quase de perda de controle”, contou a atriz.
Outra cena emblemática envolve uma dança visceral, onde Elizabeth tenta escapar das pressões sociais e internas. Renate Reinsve descreveu a sequência como “uma colisão entre vulnerabilidade e violência emocional”. Para a atriz, esse tipo de exploração artística é o que torna Armand único e desafiador.
Escolhas Narrativas e Referências Cinematográficas
Tøndel desenhou Elizabeth com base na habilidade de Reinsve de transmitir emoções profundas. “Quanto mais escrevia, mais complexa ela se tornava. Sabia que Renate era a única que poderia dar vida a essa personagem”, afirmou o diretor.
Uma das escolhas mais ousadas foi omitir crianças da tela, embora sejam centrais à trama. “Queria que elas existissem na imaginação do público, moldadas pelas ações dos adultos. Isso reforça os temas de projeção e julgamento”, explicou Tøndel, admitindo também que “trabalhar com crianças é bastante chato.”
O tom sombrio do filme é inspirado por obras como Festa de Família (1998), de Thomas Vinterberg, e O Anjo Exterminador (1963), de Luis Buñuel. “Buñuel é uma referência constante para mim. Ele cria sátiras sérias, onde ninguém está atuando como se fosse uma sátira, e isso é brilhante”, conta Tøndel em entrevista ao CinePOP.
Outras influências incluem A Caça, também de Vinterberg, embora com uma abordagem diferente. “Em A Caça, sabemos que o protagonista é inocente. Em Armand, a culpa nunca é clara. Essa ambiguidade é central para a narrativa.”, diferencia o cineasta de 34 anos.
As Raízes Criativas dos Artistas
As experiências pessoais de Tøndel e Reinsve desempenharam um papel importante na criação de Armand. Crescendo sob a influência do avô materno Ingmar Bergman, Tøndel absorveu lições sobre narrativa e expressividade. “Os filmes mudos, como Tempos Modernos (1936) de Chaplin, tiveram um grande impacto em mim. A cena da chuva em Armand é uma homenagem a essa era do cinema”, revelou.
Por outro lado, Renate Reinsve teve uma infância mais modesta em termos de acesso à arte. Crescendo em Solbergelva, no interior da Noruega, ela assistia repetidamente as mesmas fitas VHS e aos videoclipes da MTV. “Quando descobri o cinema, foi um choque transformador. Era como descobrir um novo mundo”, declarou a atriz.
As indagações de Armand
No núcleo de Armand está uma reflexão sobre as falhas humanas e os julgamentos precipitados. “É um filme sobre como projetamos nossas próprias inseguranças e ansiedades nos outros”, explicou Tøndel. Reinsve, por sua vez, vê Armand como uma oportunidade de explorar os limites da humanidade. “O cinema tem o poder de revelar as partes mais sombrias de nós mesmos, e isso é ao mesmo tempo assustador e libertador.”, afirmou.
Presente em duas obras norte-americanas no Festival de Berlim 2024, Another End e Um Homem Diferente, além do filme norueguês Descanse em Paz, lançado no Festival de Sundance este ano, Renate Reinsve se consolida como uma das grandes atrizes de sua geração. Ela também participou da série da AppleTV+, Acima de Qualquer Suspeita, com Jake Gyllenhaal, e possui outros três títulos em pós-produção previstos para 2025.
O Caminho ao Oscar 2025
Depois de vencer a Caméra d’Or em Cannes 2024, Armand enfrenta grandes nomes na disputa por uma vaga no Oscar. Entre os concorrentes estão Emilia Perez, da França, dirigido por Jacque Audiard; Ainda Estou Aqui, do brasileiro Walter Salles; e A Semente do Fruto Sagrado, representante da Alemanha, do diretor iraniano Mohammad Rasoulof.
Embora tenha sido apresentado no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, Armand e os Limites das Famílias ainda não tem previsão de estreia no Brasil. O filme norueguês estreia dia 14 de fevereiro de 2025, nos Estados Unidos, e 5 de março na França.