domingo , 22 dezembro , 2024

[Exclusivo] Berlinale 2023 – Entrevista Daniel Bandeira – O Gênero Horror é o que melhor representa a atualidade brasileira

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Conterrâneo de Kléber Mendonça Filho, Daniel Bandeira trabalha desde 2009 na ideia de Propriedade, um filme de suspense e horror sobre a disparidade social no Brasil. Lançado no ano passado no Festival do Rio, o longa-metragem faz sua estreia internacional na mostra Panorama do Festival de Berlim 2023, em busca de distribuição pelo mundo. 

Ao lado de Kika Latache (Aquarius), produtora do filme, Daniel Bandeira concedeu uma entrevista ao CinePOP, logo após a sessão na sala do Cine Star CUBIX, em Berlim. Para ele, o filme é como um estopim à espera que o público – a bomba, na sua analogia – o faça estourar ou não. “Meu papel é instigar algum tipo de reflexão, que eventualmente torna-se ação”, declara o diretor. 



Processo de Produção 

Em 2009, o roteiro de Daniel Bandeira foi selecionado por uma oficina do Festival des 3 Continents, realizado todos os anos no mês de novembro em Nantes, na França. A partir daquele momento, o cineasta começou o esboço do que seria Propriedade, seu segundo longa-metragem, após Amigos de Risco (2007). De acordo com o diretor e roteirista, a produção é completamente brasileira, mas com uma gotinha da França.

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É possível ainda traçar paralelos entre a obra de Kleber Mendonça Filho e Daniel Bandeira até porque ambos são amigos e trabalharam juntos em Recife. Daniel Bandeira foi roteirista do curta A Menina do Algodão (2002) e editor de Vinil Verde (2004), ambos dirigidos por Kleber. “As nossas conversas sobre filmes acabam indo parar no cinema de verdade”, confessa Bandeira. Em outras palavras, qualquer semelhança não é coincidência.  

Logo no início, Propriedade tem uma cena muito familiar aos brasileiros: uma mulher é retida como um refém com uma arma na cabeça. Em um vídeo 16 x 9 de um celular, acompanhamos a resolução da cena. Se a realidade parece ser a referência-chave — o nome do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel vem à mente —, o diretor explica que suas referências são de um conjunto de ações do cotidiano e também de uma versão “apocalíptica” do cinema. 

“[Wilson] Witzel coroou esse registro da violência, do entusiasmo com a violência, quando ele desce de helicóptero, vibrando que uma pessoa morreu… Aquilo realmente me virou o estômago e entrou imediatamente no filme. O longa é um laboratório de tudo que me desagrada na sociedade e esta cena encontrou um caminho direto”, confessa Bandeira em entrevista ao CinePOP. 

Por outro lado, a cena inicial do filme tem referência a Mad Max 2 – A Caçada Continua (1981). Segundo Daniel, o filme de George Miller começa com um registro em preto e branco da sociedade do petróleo, imagens de bombas e guerras por conta da escassez de combustível no mundo e, só então, inicia-se o filme. Em seguida, a imagem pequena em 4×3 torna-se grande em scope. “Esteticamente me agrada esta imersão, você começa com o registro do real e depois mergulha na ficção proposta.”, explica o diretor. 

Filme de Gênero e Realidade Brasileira

Diferente do suspense e do drama, o filme de gênero é pouco cultuado, mas é o que mais tem trazido histórias marcantes para o cinema nacional e para o público em geral. Conforme expõe Daniel Bandeira, o cinema de gênero — especialmente o de horror, lida com o cautionary tale. Isto é, uma história que alerta o espectador a tomar precauções.

Propriedade é uma espécie de cautionary tale. Ou seja, se não começarmos a se entender, a conversar, a fazer concessões para o outro, vamos chegar a uma situação de não retorno”, reflete o diretor/roteirista. 

Assim como os contos de advertência, Daniel tem a intenção de apresentar algo muito terrível ao público com a finalidade de transformar os parâmetros de comportamento atuais. Para ele, desde as eleições de 2010 — a primeira de Dilma Rousseff — o país vive uma divisão entre norte e sul e a tensão tem se intensificado cada dia mais. 

Nessa época, o filme já existia a partir da ótica da mulher presa dentro do carro. Com o tempo e as circunstâncias, o cineasta sentiu a necessidade de expor também um olhar sobre as motivações, os desejos e os medos dos “agressores” do lado de fora.

O projeto acabou por ser uma balança entre os dois lados de uma polarização, a qual pautou uma década inteira [do Brasil]. Desse modo, cada um torna-se o vilão do outro, o inimigo do outro, ou seja, é uma situação de não-ganhadores e que pode nos levar a um conflito próximo muito intenso.”, sentencia o cineasta.

Para Daniel Bandeira, a invasão e depredação do Congresso Nacional Brasileiro, no dia 8 de janeiro de 2023, é uma dessas manifestações de tensão e incomunicabilidade. Propriedade ficcionaliza este comportamento extremo, mas já é algo totalmente factível.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Ao lado de Kika Latache (Aquarius), produtora do filme, Daniel Bandeira concedeu uma entrevista ao CinePOP, logo após a sessão na sala do Cine Star CUBIX, em Berlim. Para ele, o filme é como um estopim à espera que o público – a bomba, na sua analogia – o faça estourar ou não. “Meu papel é instigar algum tipo de reflexão, que eventualmente torna-se ação”, declara o diretor. 

Processo de Produção 

Em 2009, o roteiro de Daniel Bandeira foi selecionado por uma oficina do Festival des 3 Continents, realizado todos os anos no mês de novembro em Nantes, na França. A partir daquele momento, o cineasta começou o esboço do que seria Propriedade, seu segundo longa-metragem, após Amigos de Risco (2007). De acordo com o diretor e roteirista, a produção é completamente brasileira, mas com uma gotinha da França.

É possível ainda traçar paralelos entre a obra de Kleber Mendonça Filho e Daniel Bandeira até porque ambos são amigos e trabalharam juntos em Recife. Daniel Bandeira foi roteirista do curta A Menina do Algodão (2002) e editor de Vinil Verde (2004), ambos dirigidos por Kleber. “As nossas conversas sobre filmes acabam indo parar no cinema de verdade”, confessa Bandeira. Em outras palavras, qualquer semelhança não é coincidência.  

Logo no início, Propriedade tem uma cena muito familiar aos brasileiros: uma mulher é retida como um refém com uma arma na cabeça. Em um vídeo 16 x 9 de um celular, acompanhamos a resolução da cena. Se a realidade parece ser a referência-chave — o nome do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel vem à mente —, o diretor explica que suas referências são de um conjunto de ações do cotidiano e também de uma versão “apocalíptica” do cinema. 

“[Wilson] Witzel coroou esse registro da violência, do entusiasmo com a violência, quando ele desce de helicóptero, vibrando que uma pessoa morreu… Aquilo realmente me virou o estômago e entrou imediatamente no filme. O longa é um laboratório de tudo que me desagrada na sociedade e esta cena encontrou um caminho direto”, confessa Bandeira em entrevista ao CinePOP. 

Por outro lado, a cena inicial do filme tem referência a Mad Max 2 – A Caçada Continua (1981). Segundo Daniel, o filme de George Miller começa com um registro em preto e branco da sociedade do petróleo, imagens de bombas e guerras por conta da escassez de combustível no mundo e, só então, inicia-se o filme. Em seguida, a imagem pequena em 4×3 torna-se grande em scope. “Esteticamente me agrada esta imersão, você começa com o registro do real e depois mergulha na ficção proposta.”, explica o diretor. 

Filme de Gênero e Realidade Brasileira

Diferente do suspense e do drama, o filme de gênero é pouco cultuado, mas é o que mais tem trazido histórias marcantes para o cinema nacional e para o público em geral. Conforme expõe Daniel Bandeira, o cinema de gênero — especialmente o de horror, lida com o cautionary tale. Isto é, uma história que alerta o espectador a tomar precauções.

Propriedade é uma espécie de cautionary tale. Ou seja, se não começarmos a se entender, a conversar, a fazer concessões para o outro, vamos chegar a uma situação de não retorno”, reflete o diretor/roteirista. 

Assim como os contos de advertência, Daniel tem a intenção de apresentar algo muito terrível ao público com a finalidade de transformar os parâmetros de comportamento atuais. Para ele, desde as eleições de 2010 — a primeira de Dilma Rousseff — o país vive uma divisão entre norte e sul e a tensão tem se intensificado cada dia mais. 

Nessa época, o filme já existia a partir da ótica da mulher presa dentro do carro. Com o tempo e as circunstâncias, o cineasta sentiu a necessidade de expor também um olhar sobre as motivações, os desejos e os medos dos “agressores” do lado de fora.

O projeto acabou por ser uma balança entre os dois lados de uma polarização, a qual pautou uma década inteira [do Brasil]. Desse modo, cada um torna-se o vilão do outro, o inimigo do outro, ou seja, é uma situação de não-ganhadores e que pode nos levar a um conflito próximo muito intenso.”, sentencia o cineasta.

Para Daniel Bandeira, a invasão e depredação do Congresso Nacional Brasileiro, no dia 8 de janeiro de 2023, é uma dessas manifestações de tensão e incomunicabilidade. Propriedade ficcionaliza este comportamento extremo, mas já é algo totalmente factível.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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