sábado , 23 novembro , 2024

Exclusivo | Entrevista com Karim Aïnouz: “Tive que ser convencido a fazer Firebrand” [Cannes 2023]

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Eu não sabia nem quem era Henrique VIII, nada de história da monarquia”, confessa logo de cara o cearense Karim Aïnouz sobre o seu processo de aceitação do convite para dirigir a produção britânica Firebrand. Em bate-papo exclusivo com o CinePOP, o cineasta falou dos bastidores da produção, suas referências e sua vontade de trabalhar em Hollywood. 

Um brasileiro na corte inglesa

Sem citar o nome da produtora do filme, Gabrielle Tana, Karim conta foi convencido a fazer parte do projeto: “Ela tinha visto os meus filmes e acreditava que eu era pessoa certa para contar aquela história, daquela personagem, a Katherine Parr, a protagonista do filme, mas teve um trabalho de convencimento e paciência dela. Ela me educou sobre a personagem para entender se [o projeto] fazia sentido para mim.”, revela.



Letícia Alassë e Karim Aïnouz no Festival de Cannes 2023

Após o processo de persuasão, Karim enxergou a personagem como as outras mulheres de sua filmografia, principalmente do seu penúltimo filme em Cannes: A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (2019). “Katherine Parr tem o DNA de outras personagens que eu já fiz, só que neste caso ela fala inglês e é uma rainha. (…) Elas são mulheres fortes, estão questionando o patriarcado e resistindo a ele o tempo inteiro, então tinha algo ali que me era muito familiar.

A construção do período histórico

Uma mistura de ficção científica com carnaval”, pondera Aïnouz sobre a produção e os sets de filmagem, situados no século XVI. Para ele, a experiência mais reflexiva das filmagens foi raciocinar sobre o que se passava no resto do mundo exatamente na mesma época em que os portugueses invadiram o Brasil. 

Para ajudar na construção da ambientação do período histórico, o cineasta compartilhou três referências. Apesar de distantes da corte inglesa, os filmes estão dentro do contexto da época e da relação do poder monárquico. Citado como brilhante, É Difícil Ser Um Deus (2013), do russo Alexeï Guerman, o inspirou pelo aspecto sujo e visceral da época.

King Lear (1971), do britânico Peter Brook, o ajudou a pensar nas vestimentas e uma ambientação polar. Por fim, o ganhador da Palma de Ouro, o drama histórico A Árvore dos Tamancos (1978), do italiano Ermanno Olmi, lhe indicou o caminho da representação da classe campesina no período.

Sai Michelle Williams entra Alicia Vikander

Anunciada em 2021 como a escolhida do diretor para viver a sexta esposa de Henrique VIII, Katherine Parr, Michelle Williams não seguiu no navio por conta da sua terceira gravidez no primeiro semestre de 2022, aos 41 anos. Na procura por sua substituta, Karim apostou as fichas na sueca Alicia Vikander, a qual despontou para o sucesso internacional no papel da rainha Caroline Mathilde, em O Amante da Rainha (2012), do dinamarquês Nikolaj Arcel

Em entrevista para o CinePOP em 2018, o francês Olivier Assayas já tinha mostrado sua vontade de trabalhar com Alicia Vikander, algo realizado quatro anos depois na minissérie Irma Vep (2022). O que Alicia tem que encanta os diretores? Karim Aïnouz responde: 

“Duas coisas me interessam muito nela. Uma, ela tem um mistério, uma inteligência muito fina, muito certeira na maneira em que ela interpreta (…). [Segundo], para mim também foi um outro pequeno ato de rebeldia, já que chamaram um brasileiro para fazer um filme sobre monarquia na Inglaterra, vamos chamar uma atriz sueca para fazer o papel de uma rainha inglesa, então, [isso] era interessante como textura para o filme .”

Para encarnar o Rei Henrique VIII nos seus últimos dias de vida, Jude Law tomou as rédeas da personagem com maestria. Nas palavras do cineasta brasileiro, o seu Henrique VIII era um cara que se achava todo poderoso, uma mistura de Trump com Putin, Orban e outros por aí. (…) Eles estão destruindo o mundo, porque são pessoas que acham mais poderosas do que de fato elas são.”

Hospitalidade Britânica

Com o desafio de adentrar um novo espaço no cinema, Karim revela que tinha receio de não ser um filme com a sua cara. Desse modo, ele faz uma analogia com comida: “É como cozinhar, entende? Todo mundo pega os mesmos ingredientes, mas a diferença é que você coloca o seu tempero. Eu fiquei com medo de não poder trazer o meu tempero para fazer a comida”; confessa. 

No geral, o diretor brasileiro se sentiu bem acolhido pela equipe e produtores. Assim, ele nos lembra que diretores estrangeiros em produções sobre a monarquia britânica são recorrentes. Ele cita, por exemplo, Elizabeth (1998), uma produção liderada pelo indiano Shekhar Kapur, assim como A Favorita (2018), pelo grego Yórgos Lánthimos

Hollywood, o próximo passo

Com os olhos do mundo voltados para os 21 filmes na disputa pela Palma de Ouro, Karim Aïnouz ganha uma imensa nova plateia e novos desafios. Depois de um longa em língua inglesa, Hollywood parece como opção logo ali na esquina. 

Claro que eu quero fazer filme em Hollywood, tem que saber usar a máquina. Hollywood é uma máquina de distribuição, de promoção, de qualidade, então por que não? Este filme [Firebrand] é um pouco um desafio neste sentido, mas não só, tem aí o mundo. Eu estou para fazer um filme na Argélia, para filmar no Brasil de novo.”, compartilha entusiasmado o diretor brasileiro.

Na opinião do cineasta, ele já ganhou o maior prêmio do festival: estar entre os 21 selecionados para a competição entre mais de 2000 candidatos do mundo inteiro. Será que Karim Aïnouz chega a Hollywood? Chegando lá, ele terá sucesso e sobrevida com Fernando Meirelles? Navegará em águas turbulentas como José Padilha? Ou ainda, vai abandonar a máquina como Afonso Poyart (Dois Coelhos)? 

Enquanto o futuro é promissor e incerto, confira abaixo a entrevista completa com o diretor de Firebrand.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Eu não sabia nem quem era Henrique VIII, nada de história da monarquia”, confessa logo de cara o cearense Karim Aïnouz sobre o seu processo de aceitação do convite para dirigir a produção britânica Firebrand. Em bate-papo exclusivo com o CinePOP, o cineasta falou dos bastidores da produção, suas referências e sua vontade de trabalhar em Hollywood. 

Um brasileiro na corte inglesa

Sem citar o nome da produtora do filme, Gabrielle Tana, Karim conta foi convencido a fazer parte do projeto: “Ela tinha visto os meus filmes e acreditava que eu era pessoa certa para contar aquela história, daquela personagem, a Katherine Parr, a protagonista do filme, mas teve um trabalho de convencimento e paciência dela. Ela me educou sobre a personagem para entender se [o projeto] fazia sentido para mim.”, revela.

Letícia Alassë e Karim Aïnouz no Festival de Cannes 2023

Após o processo de persuasão, Karim enxergou a personagem como as outras mulheres de sua filmografia, principalmente do seu penúltimo filme em Cannes: A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (2019). “Katherine Parr tem o DNA de outras personagens que eu já fiz, só que neste caso ela fala inglês e é uma rainha. (…) Elas são mulheres fortes, estão questionando o patriarcado e resistindo a ele o tempo inteiro, então tinha algo ali que me era muito familiar.

A construção do período histórico

Uma mistura de ficção científica com carnaval”, pondera Aïnouz sobre a produção e os sets de filmagem, situados no século XVI. Para ele, a experiência mais reflexiva das filmagens foi raciocinar sobre o que se passava no resto do mundo exatamente na mesma época em que os portugueses invadiram o Brasil. 

Para ajudar na construção da ambientação do período histórico, o cineasta compartilhou três referências. Apesar de distantes da corte inglesa, os filmes estão dentro do contexto da época e da relação do poder monárquico. Citado como brilhante, É Difícil Ser Um Deus (2013), do russo Alexeï Guerman, o inspirou pelo aspecto sujo e visceral da época.

King Lear (1971), do britânico Peter Brook, o ajudou a pensar nas vestimentas e uma ambientação polar. Por fim, o ganhador da Palma de Ouro, o drama histórico A Árvore dos Tamancos (1978), do italiano Ermanno Olmi, lhe indicou o caminho da representação da classe campesina no período.

Sai Michelle Williams entra Alicia Vikander

Anunciada em 2021 como a escolhida do diretor para viver a sexta esposa de Henrique VIII, Katherine Parr, Michelle Williams não seguiu no navio por conta da sua terceira gravidez no primeiro semestre de 2022, aos 41 anos. Na procura por sua substituta, Karim apostou as fichas na sueca Alicia Vikander, a qual despontou para o sucesso internacional no papel da rainha Caroline Mathilde, em O Amante da Rainha (2012), do dinamarquês Nikolaj Arcel

Em entrevista para o CinePOP em 2018, o francês Olivier Assayas já tinha mostrado sua vontade de trabalhar com Alicia Vikander, algo realizado quatro anos depois na minissérie Irma Vep (2022). O que Alicia tem que encanta os diretores? Karim Aïnouz responde: 

“Duas coisas me interessam muito nela. Uma, ela tem um mistério, uma inteligência muito fina, muito certeira na maneira em que ela interpreta (…). [Segundo], para mim também foi um outro pequeno ato de rebeldia, já que chamaram um brasileiro para fazer um filme sobre monarquia na Inglaterra, vamos chamar uma atriz sueca para fazer o papel de uma rainha inglesa, então, [isso] era interessante como textura para o filme .”

Para encarnar o Rei Henrique VIII nos seus últimos dias de vida, Jude Law tomou as rédeas da personagem com maestria. Nas palavras do cineasta brasileiro, o seu Henrique VIII era um cara que se achava todo poderoso, uma mistura de Trump com Putin, Orban e outros por aí. (…) Eles estão destruindo o mundo, porque são pessoas que acham mais poderosas do que de fato elas são.”

Hospitalidade Britânica

Com o desafio de adentrar um novo espaço no cinema, Karim revela que tinha receio de não ser um filme com a sua cara. Desse modo, ele faz uma analogia com comida: “É como cozinhar, entende? Todo mundo pega os mesmos ingredientes, mas a diferença é que você coloca o seu tempero. Eu fiquei com medo de não poder trazer o meu tempero para fazer a comida”; confessa. 

No geral, o diretor brasileiro se sentiu bem acolhido pela equipe e produtores. Assim, ele nos lembra que diretores estrangeiros em produções sobre a monarquia britânica são recorrentes. Ele cita, por exemplo, Elizabeth (1998), uma produção liderada pelo indiano Shekhar Kapur, assim como A Favorita (2018), pelo grego Yórgos Lánthimos

Hollywood, o próximo passo

Com os olhos do mundo voltados para os 21 filmes na disputa pela Palma de Ouro, Karim Aïnouz ganha uma imensa nova plateia e novos desafios. Depois de um longa em língua inglesa, Hollywood parece como opção logo ali na esquina. 

Claro que eu quero fazer filme em Hollywood, tem que saber usar a máquina. Hollywood é uma máquina de distribuição, de promoção, de qualidade, então por que não? Este filme [Firebrand] é um pouco um desafio neste sentido, mas não só, tem aí o mundo. Eu estou para fazer um filme na Argélia, para filmar no Brasil de novo.”, compartilha entusiasmado o diretor brasileiro.

Na opinião do cineasta, ele já ganhou o maior prêmio do festival: estar entre os 21 selecionados para a competição entre mais de 2000 candidatos do mundo inteiro. Será que Karim Aïnouz chega a Hollywood? Chegando lá, ele terá sucesso e sobrevida com Fernando Meirelles? Navegará em águas turbulentas como José Padilha? Ou ainda, vai abandonar a máquina como Afonso Poyart (Dois Coelhos)? 

Enquanto o futuro é promissor e incerto, confira abaixo a entrevista completa com o diretor de Firebrand.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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