O CinePOP divulga, com EXCLUSIVIDADE, uma entrevista com a atriz francesa Catherine Frot, de ‘Marguerite‘ (Marguerite).
MARGUERITE marca a sua volta ao cinema depois de três anos de ausência. Como você chegou até esse projeto?
Tudo começou nas avant-premières de OS SABORES DO PALÁCIO (Les Saveurs du Palais), que saiu no outono de 2012. Numa conversa sobre a companhia distribuidora, eu soube que ela ia lançar também SUPERSTAR, e falei que Xavier Giannoli é um dos diretores franceses que mais me interessavam, que eu tinha visto e adorado QUANDO ESTOU AMANDO (Quand J’Étais Chanteur) e NO PRINCÍPIO (À L’Origine), e que eu adoraria trabalhar com ele. A informação deve ter chegado a ele, porque recebi uma primeira versão do roteiro de MARGUERITE três semanas depois. Todas as peças se encaixaram rapidamente. Convidei Xavier para me assistir no palco em DIAS FELIZES, de Samuel Beckett. Acredito que foi ali que ele teve a revelação: quando me viu em cena no papel de Winnie. Xavier me disse desde o começo que Winnie era evidentemente uma prima de Marguerite.
Eu sabia que o filme teria um longo tempo de preparação: os cenários, os figurinos, a reconstituição da Paris dos anos 20… Eu passei um tempo esperando, sem fazer nada. Eu tinha rodado muitos filmes nos anos anteriores e logo depois me dediquei ao teatro com DIAS FELIZES, que interpretei durante dois anos. Eu senti que Marguerite seria um papel extraordinário.
MARGUERITE foi inspirado na vida de Florence Foster Jenkins. Você conhecia a história e a voz dela antes de ler o roteiro?
Não. Descobri essa mulher e sua história no momento de fazer o filme. Além disso, eu não queria fazer uma imitação, já que não se tratava de um filme biográfico. Para mim, Marguerite não é Florence Foster Jenkins, portanto me distanciei logo dela quando chegou a hora de entrar na pele da personagem. Eu queria, antes de tudo, entrar no imaginário de Xavier, entender como ele trabalhava. Ele procura explorar ao mesmo tempo você e o personagem, ele mistura a emoção e o jogo. É uma coisa muito particular que eu não havia experimentado antes no meu trabalho de atriz.
Enquanto espectadora, acho que somente os filmes de Maurice Pialat me trouxeram uma emoção comparável à que tive frente aos filmes de Xavier. Eles têm em comum essa mistura de ficção e realidade até que não possamos distinguir uma da outra. É algo da ordem da inquietação. Eu adoro isso.
Como você se preparou para o papel?
Xavier me enviou “Les tragédiennes de l’opéra: de Rose Caron à Fanny Heldi, le feu sacré des déesses du Palais Garnier 1875-1939“, livro que foi uma grande fonte de inspiração. As fotos que ilustram esse livro remetem diretamente às visões de Marguerite como diva, aos seus sonhos de cantora lírica.
Eu também fiz aulas de canto para me lançar a “Rainha da noite” e “Voi che sapete“, de Mozart, a “Casta Diva“, de Bellini, e algumas outras árias. Aprendi todas de cor.
No início eu pensava que poderia simplesmente cantar mal, mas são peças com notas tão altas que é preciso ser coloratura, ou seja, cantar bem agudo e aí eu não conseguia desafinar. Xavier então decidiu que eu seria dublada nas cenas de canto. Era preciso, para isso, que eu conseguisse fazer um playback perfeito. Isso envolvia, portanto, um trabalho de canto que me permitiu entrar progressivamente no interior de Marguerite.
O que é mais difícil: cantar bem ou cantar mal?
O mais difícil é, sobretudo, cantar mal bem, encontrar a beleza no feio. Como comentam Kyril e Lucien ao sair do recital privado de Marguerite, no início do filme: “Ela desafina divinamente, desafina sublimemente, desafina selvagemente”.
Xavier me convidou, uma tarde, para ir ao estúdio apreciar a qualidade da desafinação da artista que iria me dublar no filme. Fiquei com ótimas lembranças.
Marguerite é definida também pela sua mansão, onde se acumulam os figurinos e cenários das óperas que ela venera, seus trajes de gala e de palco…
A primeira sessão de prova dos figurinos foi determinante por mim. Lembro que o próprio Xavier costurou o casaco de urso que André Marcon veste no filme. O tom estava dado, o mundo de Marguerite tomava forma. Foi um momento intenso e maravilhoso. Pierre-Jean Larroque, o diretor de figurinos, é um verdadeiro artista e sua paixão pelo filme era muito evidente. Todos nós conversamos muito e cada um tinha as suas impressões. Era preciso encontrar vestidos em que eu me sentisse bem e que correspondessem a Marguerite. Nós também tínhamos que escolher os figurinos que Marguerite ia utilizar para suas sessões de fotos, quando ela se apresenta como diva ao olhos de Madelbos.
Nós começamos as filmagens com essas fotos. Isso durou três dias. Tive a impressão de estar num sonho, o sonho de Marguerite, que se transforma na diva de todas as óperas reunidas. Foi também uma excelente maneira de entrar na personagem, no mundo de ilusão da personagem. MARGUERITE é um filme sobre a ilusão. Há uma frase do filme que resume bem isso: “a vida que sonhamos é a vida que conquistamos”.
Marguerite é sobretudo uma mulher sozinha, ela é negligenciada pelo seu marido…
A música é uma paixão sincera mas é também um paliativo para a sua vida afetiva. O marido fala dela como de um monstro. “Por que ela precisa ficar guinchando desse jeito?”, ele pergunta à sua amante. Ele admite até que se envergonha dela. No entanto, Marguerite faz aquilo tudo por ele. Ela quer que ele a veja, quer existir aos olhos dele.
Marguerite é uma mulher inocente prestes a ser devorada pelos cínicos, e por isso ela é perturbadora. Ela leva as pessoas em torno a confrontar suas próprias mentiras. Existe aqueles que querem ridicularizá-la, aqueles que querem lucrar com ela, e no final são eles que terminam tocados, emocionados. Eles acabam acreditando que ela pode conseguir o que sonha frente ao serem confrontados com a realidade na noite do concerto.
O filme inteiro parece lidar com paradoxos…
Xavier é um dos raros cineastas que sabem lidar com paradoxos de forma muito talentosa. Seu filme é engraçado e trágico, bem como a personagem principal: Marguerite é, ao mesmo tempo, solitária e cercada de pessoas, apaixonada e enganada, triste e transbordante de vida, tocante enquanto se presta ao ridículo. Será que ela é tão inocente quanto parece? Será que os outros são tão cínicos quanto parecem? São essas ambiguidades que fazem a força do filme.
‘Marguerite‘ é um dos grandes destaques do Festival Varilux de Cinema Francês, que começa nesta quarta-feira, dia 8 de junho.