O CinePOP entrevistou, com EXCLUSIVIDADE, Lou de Lâage. Ela interpreta a fria enfermeira Mathilde Beaulieu, protagonista de Agnus Dei, um dos grandes destaques do Festival Varilux de Cinema 2016.
É a primeira vez que você interpreta um papel adulto no cinema…
Anne Fontaine confiou em mim. Ela nunca tinha me visto nesse tipo de papel e assumiu o risco de me dirigir nesse novo registro. Havia, para nós duas, um desafio a vencer.
Qual foi sua reação ao saber o tema do filme?
Eu conhecia o trabalho dela e não me surpreendeu que ela abordasse uma história assim, com esse ponto de vista: existe nela, eu acho, um lado punk. Ela nunca trata as coisas de forma banal.
AGNUS DEI (“Les Innocentes”) poderia se passar nos dias de hoje, em outro país. Eu gostei, acima de tudo, que o filme trouxesse uma solução para os acontecimentos atrozes que descreve: muitos filmes se contentam em constatar — “Vejam como o mundo é violento!” — sem propor nenhuma alternativa. Eu gostei dessa dimensão espiritual.
Nos fale de Mathilde, sua personagem…
Ela acredita nos homens, uma crença um tanto simplista, porém rara e preciosa, que ela compartilha com Maria, apesar das diferenças entre elas: ambas possuem os mesmos objetivos.
A maturidade dela inquietou você?
Não. Eu a vi como uma pessoa da minha idade, porém colocada num contexto diferente. Uma moça de 25 anos que trata dos feridos franceses na Polônia durante a guerra certamente não terá a mesma mentalidade de uma jovem atriz que faz teatro em Paris. Todo o trabalho consistia em me colocar naquela situação.
Como você abordou esse papel?
Eu cheguei tarde na preparação para o filme… Foi preciso logo chegar ao essencial, tendo como primeiro objetivo me familiarizar com uma série de procedimentos médicos: aprender a apalpar ventres, saber fazer uma incisão de cesariana… Eu já tinha passado por esse tipo de aprendizado em O SALTO DE JAPPELOUP (“Jappeloup”), de Christian Duguay. Desta vez foi um curso intensivo junto a parteiras e um cirurgião.
Quinze dias depois começávamos os ensaios para o filme, na Polônia.
Como você viveu essa situação de urgência?
Eu me senti na mesma posição que Mathilde quando ela faz seu primeiro contato com as irmãs. Eu me vi sentada em meio a atrizes que eu acabava de conhecer, sem entender uma só palavra daquela língua, num ambiente completamente estranho. Adorei esse paralelo entre a vida e o cinema.
Nos fale desses ensaios…
Eles me lembraram, de forma resumida, os trabalhos que fazemos no teatro. Nós trabalhamos no convento onde o filme foi rodado. Sem ensaiar as cenas propriamente ditas — nenhuma de nós conhecia ainda os diálogos —, nós pudemos dessa forma interagir e entrar nos papeis, tendo em mente uma ideia concreta do universo no qual seríamos jogadas. Foi possível sonhar em torno de um esboço.
Como você se comunicava com as outras atrizes?
Agata Buzek, que falava francês, logo me ajudou a estabelecer uma relação com elas. As atrizes polonesas têm uma forma de trabalhar bastante diferente da nossa: elas verdadeiramente se apropriam do projeto, o exploram e identificam ali toda e qualquer contradição. Elas se sentem, de certa forma, responsáveis. Aprendi muito ao lado delas. Mas o mais emocionante, para mim, desde o nosso primeiro contato, foi vê-las aprendendo a cantar juntas, vestidas como religiosas. Eu fiquei sentada num canto da sala, ouvindo e pensando: “Pronto, é isso, basta observá-las, elas me fazem entrar na história”.
Você tinha uma sensibilidade religiosa antes das filmagens?
Algumas pessoas da minha família são católicas. Sem compartilhar das suas convicções, eu as respeito e converso com elas sobre religião. Mas essa sensibilidade não era indispensável na abordagem da minha personagem. Mathilde não tem fé e não se torna religiosa. Por outro lado, a relação que ela estabelece com as religiosas permite diminuir aos poucos a distância que ela julga existir entre a sua maneira de ver a vida e a delas: ela compreende que o mesmo desejo e a mesma força também as animam. Toda sua vida será marcada pelos laços que ela criou com Maria e com as outras religiosas do convento, o que fez com que todas evoluíssem.
É ao mesmo tempo uma personagem muito pragmática e muito receptiva. Que indicações você recebeu de Anne Fontaine para interpretá-la?
Era preciso que a personagem tivesse, no seu âmago, o desejo de ajudar seus semelhantes para se lançar a uma tal aventura. Ela era, certamente, sensível ao sofrimento dos outros. No entanto, ela devia conservar um certo sangue frio. Durante toda a filmagem, Anne repetia: “Seja precisa, seja simples, seja direta — quase neutra —, faça seu trabalho”.
No início tive a tendência de achar que isso faria dessa jovem uma figura sem compaixão, mas finalmente entendi onde Anne queria chegar. Esse rigor era indispensável para fazer as coisas avançarem.
É difícil manter uma atitude assim?
Foi a regra que Anne e eu estabelecemos para nós. Não sorrir, não mostrar doçura, ficar constantemente informativa. Fiquei aliviada quando fui finalmente autorizada a relaxar um pouco: no final do filme, quando se anuncia enfim uma solução feliz para as religiosas, sentimos que minha personagem se ilumina por dentro: os sorrisos que eu esboço são um testemunho do longo caminho percorrido por Mathilde e pelas irmãs do convento.
Nos fale da cena da cesariana…
Foi a primeira cena que filmei. Eu treinei com um leitão — a pele dos porcos é a mais próxima da pele humana — para poder avaliar a força da incisão que é feita nesse tipo de operação. Me vi repetindo aqueles gestos com um ventre falso de látex, cheio de sangue falso que jorrava. Era quase um prazer infantil, como brincar de médico. Mas, mesmo com a preocupação de que a cena ficasse realista, acho que Anne estava mais interessada na tensão que se estabelecia entre as mulheres do que no meu desempenho “cirúrgico”.
Antes de AGNUS DEI (“Les Innocentes”), você fez L’ATTENTE de Piero Messina, filmado em francês e italiano.
Eu já tinha adorado fazer aquele filme. É muito agradável trabalhar com pessoas que não falam perfeitamente a sua língua: isso torna as relações mais simples. Na falta de expressões sofisticadas, vai-se direto ao ponto, sem rodeios; aprendemos a nos conhecer para além das palavras, através da energia do outro. Não entender polonês trazia uma outra vantagem para este filme: isso me permitia ficar um pouco distante do grupo, ter uma posição de observadora. Mais uma vez, eu me aproximava de Mathilde.
Que tipo de diretora é Anne Fontaine?
Uma pessoa muito equilibrada, que estimula a sua equipe a ser assim também. Ela nunca deixa transparecer seu estresse, sabe onde quer chegar e se mostra, ao mesmo tempo, sempre aberta ao diálogo. Com ela, temos verdadeiramente a sensação de participar de uma aventura em comum: os atores não são apenas objetos que se pega e se larga.
Ela não vai, como certos diretores, buscar uma forma de esgotamento através de múltiplas tomadas. Ela sabe perfeitamente que emoção está buscando e como chegar a ela através da depuração muito precisa daquilo que tem em mente.
Depois das suas estreias, em 2011, você fez filmes muito diferentes. Como você analisa as suas escolhas?
Eu não gostaria de fazer o mesmo papel indefinidamente. Seria como repetir eternamente a mesma nota musical, seria deprimente. Tenho vontade de explorar esse métier em todos os seus aspectos, aprender o maior número de maneiras de trabalhar e ir me construindo em função das experiências boas e ruins que tiver. Ao invés de me lançar a tudo que me é proposto no cinema, prefiro esperar e trilhar um caminho que me surpreende, continuando a fazer minha vida no teatro. Tive a sorte de encontrar diretoras que entenderam esse desejo: Mélanie Laurent, que me ofereceu RESPIRE (“Respire”), e Anne Fontaine, que pensou em mim para AGNUS DEI (“Les Innocentes”).