Um relato cru e profundo sobre o isolamento, a paranoia e a resiliência humana, ‘Uma Noite de 12 Anos‘ estreou no Festival de Cinema de Veneza, provocando o público presente a uma reflexão profunda sobre a condição humana na pior das circunstâncias.
Emocional, poético e cheio de simbolismos, o novo longa do cineasta hispano-uruguaio, Álvaro Brechner, faz do silêncio seu mais impactante diálogo, em atuações soberbas estampadas nas faces dos atores António de la Torre, Chino Darín e Alfonso Tort.
E com possibilidades reais de entrar para a pré-lista do Oscar, o filme pode ser a nova chance do diretor, que teve seus dois filmes anteriores, ‘Mau Dia Para Pescar‘ (2009) e ‘Mr. Kaplan‘ (2014) como os representantes inscritos por Uruguai.
A jornalista Rafa Gomes teve a oportunidade de conversar pelo telefone com Brechner, de la Torre e Darín sobre ‘Uma Noite de 12 Anos‘ e traz detalhes inéditos em uma série de três entrevistas.
Confira a primeira, com António de la Torre.
Pepe Mujica é uma figura política amada pelo povo uruguaio. Como você se sentiu por interpretá-lo no filme?
Eu tentei entregar o meu melhor para o papel, eu fiz uma viagem ao Uruguai para conhecer mais o Movimento Tupamaros, descobri como ele vivia e dormia naquela período encarcerado, tive contato com pessoas que eram vinculadas ao Mujica, além de ter tido a oportunidade de conhecê-lo. Tivemos alguns encontros e conversamos sobre sua experiência, como ele se sentia e se sente sobre o que viveu e como ele enfrentou a experiência de isolamento ao longo de 12 anos. E claro, felizmente hoje nós temos acesso a todo tipo de material fonte a respeito do que aconteceu com o Mujica. Você consegue achar no Youtube uma série de discursos dele. E eu tentei fazer a minha melhor versão do Pepe Mujica, mostrando como ele viveu tudo isso, trabalhando o seu sotaque também… perdi muito peso para viver esse período de isolamento e tentei achar meu próprio Mujica e pensar em como eu lidaria com esse contexto, se eu tivesse passado por uma experiência de isolamento. Então, eu estava tentando fazer uma mistura de mim e do Mujica, algo nesse sentido.
O que foi tão fascinante no roteiro que te motivou a aceitar o papel?
Eu tive um encontro com o diretor e a primeira vez que fiquei sabendo do filme foi há dois anos e eu não conhecia muito o Movimento Tupamaros. Tenho que admitir que sabia muito pouco sobre Pepe Mujica e quando o Álvaro Brechner me contou sua história, todos esses anos que ele enfrentou e sobre todo o tipo de ação que teríamos na trama, eu lembro que lhe disse na hora: ‘ok, precisamos fazer esse filme’. Depois disso, quando ele me mostrou o roteiro eu já estava bem envolvido com o projeto. Quando abri o script, percebi que não se tratava de um filme com muitas falas. Não existem muitas delas e a abordagem é voltada para o Som do Silêncio, o isolamento, então eu poderia dizer que neste caso, nesse tipo de filme, o roteiro retrata a loucura, além de caminhar para frente e para trás, indo no passado e no presente. Por ser um filme que não se trata das falas, fomos encorajados a improvisar. E eu me lembro de uma cena em que fiz isso, no momento em que Pepe Mujica começa a ouvir vozes. Quando o diretor disse ação, essa cena era de 33 minutos e ele me encorajou a improvisar sobre que tipo de som, de loucura estaria na minha mente. No roteiro, havia apenas uma fala, na ação, eram 33 minutos. Acho que dá para ter uma ideia do tipo de narrativa que estávamos construindo.
Na prisão, Mujica lutou com sua própria mente e sanidade. Quão difícil foi para você tentar reviver toda essa paranoia e dor?
O mais difícil de construir essa paranoia foi ter que improvisá-la. Quando sentamos para conversar com o Mujica, eu tentei perguntá-lo sobre o que ele lembrava desse período. E ele dizia que se recordava de ouvir sons em seu ouvido, vozes em sua mente pedindo para que ele dissesse algo, mas nada muito específico. É como se, de algum jeito, – é claro que como ser humano eu entendo isso -, em sua mente ele não queria relembrar. Ele precisava apagar essas memórias, precisava seguir em frente. Então, eu tive que criar minha própria paranoia. É claro que eu tive que usar minha imaginação, mas também fiz algumas pesquisas sobre o socialismo, direitos humanos e coisas ligadas ao Pepe Mujica, associando a essa improvisação. Eu apenas tentei fazer o meu melhor, entreguei tudo o que podia, da forma mais sincera possível.
Qual foi a reação de Mujica em relação à sua caracterização e atuação?
Ele viu o filme no Natal de 2017, se não me engano, e me lembro que ele viu a produção e me mandou um vídeo pelo celular dizendo que estava muito emocionado. Ele até brincou dizendo que minha caracterização estava melhor do que a dele mesmo! Ele me agradeceu em nome de todos os companheiros e parceiros anônimos que desapareceram ao longo desse período e ainda falou que sabia que me entreguei de corpo e alma para o papel e que era grato por isso.
O filme foi bem elogiado no Festival de Cinema de Veneza e chegou a ser indicado ao Horizon Section. Você acredita que ele possui uma chance de conseguir uma vaga no Oscar?
Primeiro, depende de todo o processo de seleção da pré-lista do Oscar e eu não sei como isso pode acontecer. Mas caso isso ocorra, estaríamos em um grupo seleto de cinco indicados. E é claro que no meu coração isso seria uma conquista incrível – poder ser reconhecido mundialmente. E é óbvio que quando fazemos um filme, temos esse desejo de que ele seja visto pelo maior número de audiências possível.
Qual foi a lição mais importante que você aprendeu enquanto gravava o filme?
A lição mais valiosa que aprendi foi que na pior das circunstâncias você sempre consegue encontrar um jeito. Além disso, aprendi que é preciso valorizar o tempo que temos – uma das coisas mais preciosas e que jamais se pode reter ou recuperar.