sexta-feira, abril 26, 2024

Festival do Rio | As Boas Maneiras – Terror sobre lobisomem vencedor do Festival do Rio

 O Bebê do Lobisomem

O terror é um gênero específico e muito celebrado. No Brasil, jovens cineastas arriscam-se cada vez mais pelo segmento, que tem o imortal Zé do Caixão como ícone máximo em nosso cinema, cultuado internacionalmente. Enquanto muitos se enveredam por tentar reproduzir a essência do que é feito em outros países, em especial os EUA, uma dupla de diretores de São Paulo ousa seguir por um caminho oposto, um caminho mais interessante e criativo.

Marco Dutra e Juliana Rojas apostam na regionalidade e em nossos problemas sociais para traçar paralelos e criar daí o medo. Seus filmes funcionam como críticas, cujo horror vem de forma entranhada nas mazelas do dia a dia de nossa realidade muito sofrida.

Ao olharmos os trabalhos anteriores da dupla, percebemos que o novo As Boas Maneiras soa como homenagem e certo retalho do que fizeram até o momento, porém, transcendendo todo o acervo dos cineastas . Existe aqui essa tênue linha do real com o fictício, retirado de seu filme de estreia, o terror social Trabalhar Cansa (2011). De Quando Eu Era Vivo (2013) temos a estética e clima de terror intimista e minimalista. Enquanto de Sinfonia da Necrópole é extraído a musicalidade e a beleza que mesmo as trevas reservam.

Como de costume, o roteiro escrito pela própria dupla de cineastas conta a história Ana (Marjorie Estiano), uma interiorana que cometeu um dos maiores pecados que uma mulher de cidade pequena pode cometer, ficou grávida sem ser casada e terá o filho sozinha. Já começam aí as críticas implícitas, apontando o sistema social arcaico, de como a mulher ainda é vista por uma sociedade hipócrita, transbordando de valores antigos, completamente defasados. Como contramedida, seus pais a enviam para a cidade grande, onde a mantêm escondida até a criança nascer, ou quem sabe para nunca mais voltar.

Na cena de abertura, a ingênua protagonista procura uma babá / empregada para ajuda-la nas tarefas domésticas, durante a fase crítica de sua gravidez. A muito bem vinda ajuda chega nas formas da ótima Isabél Zuaa, que interpreta Clara. Logo, as duas se entrosam e a relação aos poucos vai se transformando em uma amizade, um elo de confiança. Clara é por si só uma personagem dona de uma psique complexa e levemente misteriosa. Aos poucos também, Clara – a verdadeira protagonista aqui – vai percebendo mudanças de comportamento na patroa, que variam de caminhadas noturnas pelas ruas, lanches na madrugada e outras esquisitices, tudo em nome de um pretenso sonambulismo.

As Boas Maneiras é o filme mais ambicioso da dupla de diretores, que confia numa direção de arte caprichada, somada a uma fotografia belíssima – as noites na cidade, quando Ana sai para caminhar parecem pinturas, um destes momentos inclusive é revelado no trailer. Além disso, As Boas Maneiras também faz uso de eficientes efeitos visuais, que criam inteiramente um dos personagens.

Não deixe de assistir:

Na sua primeira metade, As Boas Maneiras soa mais como um filme de Dutra e Rojas, extremamente enigmático, fazendo menção a obras como O Bebê de Rosemary (1968), e destacando as dores da maternidade como elemento chave desta narrativa. Tal associação se torna inevitável. Este é também o trecho com maiores possibilidades, no qual ainda estamos montando em nossas mentes, através de um verdadeiro leque, o caminho que a obra irá seguir em sua história.

Na segunda metade, o longa se transforma completamente, abraçando de vez as tintas de produções do gênero e se aproximando mais do que verdadeiramente conhecemos como terror. Aqui, Dutra e Rojas se cobrem nas convenções do gênero, focando mais no explícito e deixando o subentendido para escanteio. Neste momento é que o filme aparece como obra do fantástico, sem grande espaço para a sutileza, e incluindo muito do aspecto do cinema B, do trash, e de produções verdadeiramente de terror.

Obviamente, antes que eu esqueça de mencionar, essa ruptura ocorre após o nascimento da criança, onde o talentoso ator mirim Miguel Lobo substitui Estiano como parceiro de tela da protagonista Zuaa. São muitas homenagens e referências, incluindo algumas bem criativas visualmente, que remetem aos clássicos da Universal, vide Frankenstein (1931).

As Boas Maneiras fala também sobre o distanciamento e sobre imposições sociais, refletindo sobre os marginalizados, os que não se encaixam e como não aceitamos o que é diferente. O longa também guarda uma sincera relação de mãe e filho, na qual a amorosa guardiã, mesmo sem ser a progenitora, faz de tudo para resguardar sua cria. Mãe só há uma, mas a biologia não tem nada a ver com isso.

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