O farsante e a megera
Existem atores cujas personas soam ideais para certos tipos de papeis. Afinal, é quando Woody Allen vive o intelectual paranoico, e Sylvester Stallone, o herói de ação, que eles se sentem verdadeiramente à vontade – e nós também. Com Jean Dujardin ocorre o mesmo, e o astro francês moldou sua carreira em cima da figura do canastrão. Sedutor e cheio de sorrisos, o ator levou até mesmo um Oscar por seu desempenho do biótipo – no premiado O Artista (2011).
Nesta comédia de época, Dujardin vive o heroico Capitão Charles-Grégoire Neuville, que, como você já pode imaginar, não passa de uma tremenda fraude, fazendo as engrenagens desta produção humorística girar. Assim que chega na mansão da família Beaugrand para pedir a mão de Pauline (Noémie Merlant), a filha mais nova, em casamento, o sujeito é arrastado para a guerra. O tempo passa e o protagonista permanece sem dar notícias, deixando sua noiva devastada. Elisabeth, a irmã mais velha, então decide começar a forjar as cartas do Capitão, moldando a realidade à sua maneira, a fim de ajudar a caçula.
A surpresa chega, finalmente, com o retorno do herói e da tumultuosa dinâmica que o egocêntrico personagem causará nas vidas dos membros desta família. O filme, escrito e dirigido por Laurent Tirard – com parceria de seu usual colaborador Grégoire Vigneron no roteiro – aposta na comédia de farsa, subgênero no qual um dos personagens mente sobre um fato gritante, enganando todos ao redor, mas está sempre a um passo de ser descoberto. Este é um estilo, mais tradicional de cinema, que remete à peças teatrais e obras clássicas do gênero.
Os mais familiarizados com a filmografia do diretor notarão um estilo rocambolesco, fantasioso e inocente em seus textos, que incluem produções como Um Amor à Altura (2016), Astérix e Obélix: A Serviço de Sua Majestade (2012), e principalmente os filmes juvenis O Pequeno Nicolau (2009) e As Férias do Pequeno Nicolau (2014) – obras realmente abraçadas em nosso país. Tirard segue a mesma linha em seu novo projeto, dando um ar caricatural e quase cartunesco aos personagens e situações. Para os aficionados por este tipo de modelagem cênica, O Retorno do Herói será um verdadeiro deleite.
Parte preciosa do às na manga do cineasta é a presença da estrela Mélanie Laurent (Bastardos Inglórios), que nunca esteve mais carismática, na pele da primogênita Elisabeth, a digna solteirona feminista, esperta demais para a época e tratada como megera, soando realmente saída de algum tratamento de Shakespeare. Laurent exala grande timing cômico e bate um bolão com Dujardin, demonstrando porque são dois dos grandes nomes do cinema francês atual.
O pingue pongue delicioso do medir de forças destas duas personalidades bem distintas, que se contrabalanceiam perfeitamente, é o belo prato principal oferecido pela obra. Afinal, o que pode ser mais dissonante do que a idealista certinha e o bufão sem escrúpulos? O Retorno do Herói é agradável, despretensioso, leve e honesto. Acima de tudo, é diversão à moda antiga, uma pedida certeira para nostálgicos e saudosistas. A comédia, embora desmerecida, é o gênero mais difícil em sua tonalidade, e quando a sintonia é confeccionada com esta excelência, é necessário que a destaquemos.