Ah, os anos 80! Essa época maravilhosa do politicamente incorreto. De violência extrema banalizada para as crianças. E se hoje séries como a sul coreana Round 6 (2021) causam preocupação para os pais, basta lembrar que na década de 80 filmes de ação e terror ultra sangrentos se tornavam tão populares com os pequenos que produtos de toda espécie eram criados visando esse público. Por exemplo, Rambo – Programado para Matar (1982), baseado num livro anti-guerra do Vietnã, falava sobre um veterano traumatizado que realiza sua própria matança ao ser hostilizado pela polícia de uma cidadezinha. A continuação Rambo 2 – A Missão (1985) transformava o psicótico protagonista desequilibrado em herói de ação honrado e traído – mesmo assim sua tendência para matar fazia do longa um verdadeiro banho de sangue. O sucesso foi tanto, em especial com as crianças, que Rambo virava desenho animado, bonecos, jogos de videogame, lençóis e toda espécie de peça de marketing para os pimpolhos.
É indiscutível que nos anos 1980 a violência era vangloriada. E nesse aspecto não foram apenas os heróis de ação violentíssimos, como os interpretados por Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger, que atingiam seu auge de popularidade com o público jovem: os adolescentes e as crianças. Os vilões de filmes de terror igualmente surfavam essa onda. Não por menos os anos 80 ficaram conhecidos por abrigar um grande número de produções slasher – que se resumiam a adolescentes sendo massacrados das maneiras mais criativas possíveis. Round 6 pode até conotar uma mensagem social por trás de seus muitos corpos empilhados e litros de sangue, mas nos anos 80 a realidade era muito mais cínica.
No meio disso tudo, figuras como os assassinos monstruosos e sobrenaturais Jason Voorhees e Freddy Krueger prosperavam, se tornando reis do gênero e enchendo os bolsos de seus espertos criadores e produtores de dinheiro. O material é totalmente impróprio para os menores de idade, e recebia todo tipo de boicote, desde as mães desesperadas, cristãos e religiosos revoltados e até mesmo de críticos de cinema (como Roger Ebert e Gene Siskel) que faziam campanha ferrenha contra esse “lixo vulgar misógino” cujo objetivo era a violência descerebrada, em especial contra jovens mulheres. A campanha, é claro, saiu pela culatra garantindo mais visibilidade a estas produções malditas, dando início ao marketing do “falem mal, mas falem de mim” dos subversivos.
Voltando para os maiores símbolos do terror da época, o assassino dos sonhos Freddy Krueger virava ícone cultural pop no fim da década de 1980, rendendo todo tipo de produto licenciado que podemos imaginar: desde álbuns de figurinhas (para as crianças, é claro), brinquedos, chicletes, pasta de dentes, ioiôs, etc. Apesar de um início verdadeiramente assustador pelas mãos de Wes Craven em 1984, no primeiro A Hora do Pesadelo, com o passar das sequências, o vilão interpretado por Robert Englund em todos os filmes foi ganhando ares cada vez mais “infantilizados”, piadistas e brincalhões, e até mesmo sua maquiagem grotesca de queimaduras no rosto foi se tornando mais branda para uma proximidade maior com os mais novos.
Essa “Freddymania” atingiu seu ápice em 1988. Voltando um pouquinho, após sua estreia impactante em 1984 pelas mãos de Wes Craven, a continuação A Vingança de Freddy (1985) seguia por caminhos, digamos, subversivos. Acontece que os realizadores estavam focados em introduzir no filme uma mensagem subliminar gay, que na época até passou despercebida (embora seja bastante óbvia), mas hoje é assunto de qualquer resenha ou revisão do longa. Sim, A Hora do Pesadelo 2 é o filme de terror mais gay da história. Mas não foi por isso que o filme fracassou, já que como dito ninguém percebeu na época. A franquia só recuperaria seu prestígio em 1987, com o terceiro filme: Os Guerreiros dos Sonhos; que contou com envolvimento de Craven novamente.
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No ano seguinte, em 1988, com o quarto filme, O Mestre dos Sonhos, foi quando a franquia atingiria seu auge. Nas mãos do diretor Renny Harlin, Freddy Krueger e A Hora do Pesadelo arrecadavam para a New Line Cinema sua maior bilheteria, fazendo da marca um produto extremamente popular e rentável. Como dito, foi neste período que tudo envolvendo o psicopata de rosto desfigurado com garras afiadas se tornava vendável. E os donos da marca não perdiam a oportunidade de capitalizar em cima. Coincidindo com a estreia do citado A Hora do Pesadelo 4: O Mestre dos Sonhos, lançado nos cinemas em 19 de agosto de 1988, Freddy Krueger ganhava seu próprio programa de TV intitulado Freddy’s Nightmares (“Os Pesadelos de Freddy”) – no Brasil conhecido como A Hora do Pesadelo O Terror de Freddy Krueger. A estreia ocorria menos de dois meses depois do longa nos cinemas, em 9 de outubro de 1988 – bem a tempo para o dia das bruxas daquele ano. Ou seja, enquanto o filme ainda corria nas telonas, os fãs podiam aproveitar igualmente o psicopata nas telinhas.
Com produção da mesma New Line Cinema dos filmes, com o empresário Robert Shaye à frente, o programa foi criado por Jeff Freilich, produtor por trás de seriados como o clássico O Incrível Hulk (da década de 1970) e o recente Grace e Frankie (com Jane Fonda e Lily Tomlin). A ideia era por uma série de antologia, seguindo a fórmula da icônica Além da Imaginação (Twilight Zone, 1959). A cada episódio, Freddy serviria de apresentador, introduzindo as histórias e fazendo comentários sobre elas nas interseções. Essas histórias, a cada episódio, não teriam ligações entre si, ou qualquer conexão com os filmes do cinema. A estrutura era a de episódios de uma hora de duração (contando com os intervalos), nos quais a segunda meia hora era voltada para uma segunda parte diferente da primeira, porém, que completava tal história de alguma forma.
Para o programa dar certo era necessária uma única ligação com a franquia no cinema: o homem em si, Freddy Krueger. Assim, Robert Englund, o ator por trás da maquiagem, esteve a bordo para esta investida igualmente. Só funcionaria com ele. Além de protagonizar o seriado, Englund teve a oportunidade de dirigir dois episódios. Freddy servia de apresentador, mas também participava efetivamente de alguns dos episódios, sendo incluído como o vilão que todos amam em algumas das histórias. Nos outros, na maioria das vezes sua presença pode ser sentida, como se manipulasse os acontecimentos sobrenaturais que fazem a trama girar, mesmo sem aparecer fisicamente.
Em especial, o episódio piloto intitulado “No More Mr. Nice Guy” (Chega de ser Bonzinho) apresenta de forma inédita até então a origem do psicopata dos sonhos. Nesse episódio é apresentado o julgamento de Freddy Krueger ainda em vida, acusado de assassinar crianças e adolescentes da cidade. Por uma tecnicalidade (o policial não o prendeu de forma legal), o bandido termina solto. E assim, os pais das crianças mortas, sabendo da culpa do criminoso, acobertados pelo mesmo policial, fazem justiça com as próprias mãos e matam Freddy queimado, dando início ao seu reinado de horror sobrenatural nos sonhos (ou pesadelos). Apesar de ser a primeira vez que tais fatos são realmente mostrados em tela – essa narrativa possui algumas diferenças em relação ao que havia sido mencionado anteriormente, como no filme original, o que terminou por retirar a série da cronologia canônica da franquia.
Na época, o potencial de se ter uma série de Freddy Krueger atraiu atenção de diretores especialistas no gênero. Assim, por exemplo, o episódio piloto era dirigido por ninguém menos que Tobe Hooper (O Massacre da Serra Elétrica e Poltergeist). Fora Hooper e Englund, outros episódios tiveram gente tarimbada no comando, como Tom McLoughlin (Sexta-Feira 13 – Parte 6: Jason Vive), Mick Garris (Criaturas 2 e Sonâmbulos), John Lafia (co-criador de Brinquedo Assassino) e Tom DeSimone (Noite Infernal).
Fora isso, inúmeros jovens atores que tentavam a sorte em início de carreira estiveram no elenco do programa, anos mais tarde muitos se tornaram nomes de peso na indústria. E até mesmo veteranos. Gente como Brad Pitt, Lori Petty, Mariska Hargitay, George Lazenby, Kyle Chandler, Dick Miller, John Cameron Mitchell, Jeffrey Combs e Charles Cyphers.
Freddy’s Nightmares contou com (apenas) duas temporadas de 22 episódios cada, e chegava ao fim de sua exibição no dia 11 de março de 1990. Enquanto esteve no ar, o quinto filme da franquia estreava nas telonas em 1989, e o sexto chegaria logo no ano seguinte do cancelamento, em 1991.
No Brasil, os que cresceram na época certamente lembram com muita nostalgia da exibição do programa nas noites do SBT, onde assombrou muitas crianças curiosas – como este amigo que vos fala. No fim das contas dois fatores foram determinantes para a “curta” estadia do querido vilão nas telinhas. O primeiro foi o orçamento abaixo do esperado. É notório o fato que pouquíssima grana foi empregada na produção e basta uma segunda olhada hoje para notar o quão barata a série parece. O segundo elemento foi o horário de exibição onde o programa era finalmente jogado. Com uma temática imprópria como esta, esperava-se uma exibição noturna. Mas a rede de TV o exibiu nos EUA entre cinco e seis da tarde, fazendo o seriado sofrer boicote logo de cara dos pais preocupados.
Freddy Krueger anda sumido do meio pop há mais de uma década. Depois deste programa, o personagem voltaria nas telonas nas formas de Robert Englund por mais quatro vezes: nos filmes A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy (1989), A Hora do Pesadelo 6: A Morte de Freddy (1991), O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger (1994) e Freddy vs Jason (2003). Depois disso, o personagem foi reimaginado na refilmagem A Hora do Pesadelo (2010), nas formas de Jackie Earle Haley. Em 2018, Englund topou a brincadeira e voltou ao papel de Freddy numa participação especial na série cômica Os Goldbergs, no episódio “Mister Knifey-Hands”.
Com o sucesso de séries de terror atuais e retornos de marcas famosas como Chucky e Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado em programas badalados do streaming, está mais do que na hora do maior de todos os vilões de terror ensaiar um retorno; seja nas telonas ou nas telinhas.